Escreveu Carlos Drummond de Andrade em 1952 que “há certo gosto em pensar sozinho. É um ato individual, como nascer e morrer”. Não estava muito longe da verdade, pelo menos de acordo com os dados que os sociólogos e psicólogos têm vindo a descobrir sobre essas pessoas que gostam da solidão. E que não a veem como uma infelicidade, mas antes como um momento de tranquilidade.

Mas como pode alguém gostar de viver em solidão? É precisamente por esse motivo: estar sozinho permite-nos descansar da constante comunicação e reunião em que o ser humano está na sociedade contemporânea, escreve o El País. Mas de qualquer modo, os momentos de solidão podem ser positivos para os momentos de socialização.

De acordo com o sociólogo Erik Klinenberg, da Universidade de Nova Iorque, citado pelo Economist,  quem vive sozinho desfruta mais as relações que mantém e até está mais predisposto a melhorá-las. O El País escreve que são vários os estudos onde os resultados sugerem que a solidão “facilita o desenvolvimento da empatia” e a provar essa afirmação está o estudo de Erin Cornwell, da Universidade Cornell, no Research Gate: é mais provável que as pessoas com idade superior a 35 anos que vivam sozinhas tenham mais momentos com amigos, do que aqueles que vivem em casal.

Nos casos normais de vida em comunidade, podemos ter duas visões, considera o El País: por um lado, as redes sociais não nos permitem estar longe de ninguém, o telemóvel é presença constante no quotidiano e cada vez mais somos obrigados a trabalhar em equipa. Por outro lado, viver sozinho não é tão raro quanto isso: o número de divórcios aumentou em relação às décadas passadas e as mulheres emanciparam-se, levando muitas a preferiram viver sozinhas e independentes.

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Em 2012, a advogada Susan Cain subiu ao palco TED para falar sobre aquilo que ela considera ser “o poder dos introvertidos”. De acordo com o discurso, até metade da população mundial é introvertida e prefere atividades solitárias – como ler, por exemplo. Para ela, essa é uma vantagem: “No que toca a criatividade e liderança, precisamos nos introvertidos para fazer o seu melhor”.

Susan Cain também alerta para uma confusão de conceitos: ser introvertido não significa ser tímido. As pessoas tímidas têm “receio de um julgamento social”, enquanto as pessoas introvertidas “sentem que são mais capazes quando estão caladas em ambientes mais sossegados”. Embora as escolas pareçam ser ideais para pessoas mais extrovertidas e sociáveis, os introvertidos são quase sempre colocados em papéis de relevo quando chegam ao mercado de trabalho.

Adam Grant, da Escola de Wharton, escreveu que “os líderes introvertidos conseguem melhores resultados que os extrovertidos porque tornam os funcionários mais proativos”. Exemplos? Eleanor Roosevelt, Ghandi ou Darwin.

Susan Cain afirma que contrariar a tendência solitária de alguém apenas vai conduzir à perda de capacidade criativa e de liderança. Em 1994, Mihály Csikszentmihalyi, um psicólogo que estudou a felicidade, disse que os adolescentes que não gostam nem querem estar sozinhos não conseguem desenvolver a criatividade. Porquê? Susan Cain considera que quando estamos rodeados de pessoas temos tendência a seguir a norma dentro desse grupo: o pensamento uniformiza-se e alinhamos com o comportamento alheio.

Isso vale para o pensamento, mas também para a postura física: quando estiver num grupo com várias pessoas, experimente ser a primeira a adotar uma determinada posição. Cruzar os braços, por exemplo. E vai dar-se conta que, ao fim de algum tempo, a maioria – senão a totalidade das pessoas – vai estar na mesma posição.

Para evitar o pensamento uniformizado, existe uma técnica de tomada de decisões que certas empresas utilizam para evitar que certos aspetos contraditórios não sejam levados em conta. Imagine-se um grupo de dez pessoas prestes a fazer uma escolha empresarial: uma delas deve sempre contra-argumentar e encontrar fundamentações contrárias quando o resto do grupo começar a seguir uma linha de pensamento muito homogénea. Deste modo, evita-se o “espírito de manada” em que todos seguem a mesma lógica.

Explicar aos outros porque se gosta da solidão é simples: “é abrir-se ao pensamento próprio e original”, escreve o El País. Mireia Darder, uma psicológica que escreveu o livro “Nascidas para o Prazer”, afirma que é nos momentos de solidão que consegue contactar consigo própria em vez de se deixar consumir pela sociedade. É como “encontrar a liberdade. Um movimento de contração necessário para recuperar o equilíbrio”, diz. Byung-Chul Han, um aclamado filósofo contemporâneo, diz ao El País que concorda que a solidão reconstrói-nos de um envolvimento exagerado com a comunidade.

Numa entrevista à RTVE, o filósofo Francesc Torralba defendia que a solidão “representa a ocasião de rever a nossa gestão de projeção do futuro e de avaliar a qualidade dos vínculos que contruimos”. É a partir dela que “ouvimos o que sentimos” sem interferência exterior.

Então, de onde vem a nostalgia que alguns sentem quando estão sós? Vem dos momentos em que se está acompanhado, justifica a psicóloga Mireia Darder. A tristeza parece ser o resultado da pressão que sentimos quando em sociedade e do esforço que tendemos a fazer para manter a cabeça erguida. Quando estamos sozinhos, conseguimos exteriorizar aquilo que reprimimos quando temos pessoas à volta. Mas “para sermos realmente autónomos, há que aprender a atravessar a solidão” e “o amor não é o contrário da solidão, mas antes a solidão acompanhada”, diz Mireia Darder ao El País.

Texto editado por Helena Pereira