O embate entre a esquerda terminou com uma disponibilidade do Bloco ao diálogo com o PS no 5 de outubro. No entanto, Catarina Martins disse que só o faria se, em troca, António Costa abandonasse três das principais medidas inscritas no programa eleitoral socialista. Costa preferiu não responder diretamente, mas na mensagem final insistiu na ideia que já tinha deixado no debate de que não apresentou “um programa que alimenta a retórica”, acusando Catarina Martins de “prometer tudo a todos”. Sobre pensões, Costa foi até um pouco mais longe e disse que descongelamento pode vir a acontecer, caso a economia melhore.

O debate até começou com sorrisos e concordâncias entre os dois, sobretudo no que diz respeito ao que defendem que deve ser o papel do país na questão dos refugiados, mas aos poucos afastaram-se nas ideias, com a bloquista a não poupar em sublinhar as diferenças em relação ao PS. Afinal, estavam os dois a falar para o mesmo eleitorado e era o primeiro frente-a-frente à esquerda. E terá sido por issso que Catarina Martins lançou o desafio final a António Costa. Em vez de se dirigir ao público, a bloquista dirigiu-se a Costa para lhe dizer que estava disponível para conversar com o líder socialista no dia a seguir às eleições, desde que este abdicasse de levar a cabo três das suas medidas mais emblemáticas: a descida da TSU, a manutenção do congelamento das pensões e ainda o mecanismo conciliatório para cessação de contratos. Catarina ainda lançou ao líder socialista que se a resposta fosse não, então os portugueses saberiam que com quem Costa iria falar seria com Passos Coelho e Paulo Portas.

E Costa não lhe respondeu diretamente. O líder socialista preferiu dirigir-se aos telespetadores da TVI 24, canal onde foi transmitido o debate, e salientar que o programa do PS é um programa que visa à governabilidade. Já antes, Costa tinha encostado Catarina Martins à esquerda mais à esquerda, chamando-lhe “esquerdista” e admitindo que por vezes ficava “irritado” com o BE exatamente por o partido se prender à retórica e menos à governabilidade.

Mas ao admitir falar com o PS, logo estar disponível para o Governo mesmo que com condições difíceis, Catarina Martins mais não estava que a disputar o eleitorado com o líder socialista e com outro partido ausente, mas presente na estratégia da líder bloquista: o Livre. Isto porque alguns bloquistas romperam com o partido exatamente pela não disponibilidade da direção em ser uma solução de governo.

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As diferenças começaram a aparecer quando o debate começou a tocar em questões mais económicas. A bloquista acusou o PS de querer manter a austeridade no país, submetendo-se às regras do Tratado Orçamental e não avançando com a reestruturação da dívida. Do outro lado, Costa defendeu que, o que propõe o BE em relação à dívida nada tem a ver com o confronto com a realidade: “É irresponsável assentarmos um programa político na base de algo que não depende de nós”, propondo uma renegociação da dívida de forma unilateral, disse. Acrescentando que depois do que aconteceu na Grécia com o Syriza, “o Bloco de Esquerda devia ter alguma humildade”.

Pensões, reestruturação da dívida e divergências à esquerda marcaram debate.

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“As pessoas colocam grande esperança neste debate e, portanto, quero dizer-lhe o seguinte: se o PS estiver disponível para abandonar a ideia de cortar 1660 milhões de euros nas pensões, abandonar o corte da TSU, que ofende as pessoas, e de um regime conciliatório, que é uma forma de flexibilizar os despedimento, no dia 5 de outubro, eu cá estarei para que possamos conversar sobre um governo que possa salvar o país”, disse Catarina Martins

“Não podemos estar na política só para produzir retórica e eu fui sempre um moderado, sou assim desde os 14 anos que estou no PS. Nunca tive tentações esquerdistas. O que sempre me afligiu nos esquerdistas foi como é que se autosatisfazem a produzir discursos e sem resolver um problema concreto das pessoas”, disse António Costa

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A sustentabilidade da Segurança Social e as pensões dominaram o debate, com Catarina Martins a insistir que o PS quer cortar 1660 milhões de euros nas pensões dos portugueses nos próximos quatro anos, enquanto Costa defendeu que se trata de manter o congelamento e não de cortar. Divergência linguísticas à parte, Martins acusou os socialistas de manterem a linha do atual Governo, sem conseguir alterar a austeridade e “tirando rendimentos sempre aos mesmos”. “O problema é que quando olhamos para as contas do PS, os pensionistas continuam a ser o porquinho mealheiro dos saldos orçamentais”, criticou a líder do Bloco de Esquerda.

António Costa recusou este ataque, garantindo que não há qualquer corte, e dizendo que o que vai acontecer é que o PS mantém o congelamento que já existe – exceto para as pensões mais baixas, que pretende aumentar, assim como repor os cortes sofridos nos últimos quatro anos.  “A direita propõe um corte de 600 milhões de euros nas pensões. Eles querem mesmo cortar nas pensões. Essa formula de meter tudo no mesmo saco e de as pessoas acharem lá em casa que cortar e congelar é a mesma coisa, que permite á direita dizer que não há alternativa”, disse Costa.

Para Martins, cortar e congelar tem o mesmo resultado prático, especialmente nas pensões mais baixas, levando mesmo António Costa a dizer que tem esperança de conseguir ir mais longe no que diz respeito ao descongelamento das pensões, caso a economia cresça, embora diga que “não seria sério comprometer-se com aumento de pensões”.

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A reestruturação da dívida foi outros do temas que marcou o debate. Com o Bloco a afirmar que quer negociar 60% da dívida com os credores e António Costa a mostrar-se relutante a fazer essas exigências em Bruxelas. À partida a discussão já seria complexa. Tendo em conta este ponto, o líder do PS acusou o Bloco de “prometer tudo a todos, dos pensionistas às crianças no berçário” porque todo o seu programa assenta na “reestruturação da dívida, dispensando os recursos necessário para financiar todo o programa”. “A reestruturação da dívida parte da negociação [unilateral] e é irresponsável assentarmos um programa político na base de algo que não depende de nós”, defendeu Costa.

Mais, o líder dos socialistas disse ainda que a ideia do Bloco de avançar com esta reestruturação, sendo uma possível consequência a saída de Portugal do euro, seria “pior do que toda a desvalorização do congelamento de pensões e de toda a desvalorização que  a direita fez durante os últimos quatro anos, era a desvalorização atroz que resultaria da saída do euro”.

Catarina Martins respondeu que ao pôr a renegociação de lado, Costa está à direita de Manuela Ferreira Leite e que este, caso o PS ganhe as eleições, “vai continuar numa situação de protetorado a fazer o que Berlim manda”. A bloquista argumentou ainda que Costa está preparado para passar os próximos anos de “braços cruzados” face ao endividamento público.

Como não há discussão sobre dívida pública que não lembre a Grécia, Costa disse a Martins que “depois do que aconteceu em Atenas, o Bloco de Esquerda devia ter alguma humildade”. A bloquista disse ter notado que Costa ficou feliz aquando da eleição do Syriza e assegurou que aprender com a Grécia não significa “desistir do país”, ficando sim provado como a chantagem pode impedir e limitar as decisões dos Governos europeus.

Também sobre a esquerda e possibilidade de coligações, os dois partidos aproveitaram para trocar acusações. “É extraordinário que um partido que nasceu com a esperança de ajudar na governabilidade à esquerda, vencendo um muro histórico existente entre o PS e o PCP, é um partido que se apresenta às eleições com um sorriso simpático, reconheço, mas que esconde um verdadeiro programa e que diz: nós vamos fazer aquilo que os gregos tentaram e não conseguiram“, disse Costa.

Catarina Martins acusou então António Costa de ter “uma visão pequena da democracia” ao dizer que apenas está na governabilidade quem aceita medidas como o Tratado Orçamental. O líder dos socialistas voltou ainda à carga dizendo que não compreende “os esquerdistas” – numa mensagem clara aos eleitores do centro – e que ainda hoje tem uma “enorme desilusão pela forma como o BE traiu o Sá Fernandes” em Lisboa quando houve acordo entre o PS e o BE na capital.

Se o debate foi sobretudo Catarina a atacar Costa, este também lhe respondeu com uma pergunta: “Quanto custam as nacionalizações?”. O líder do PS fez a pergunta várias vezes uma vez que o BE defende no programa a nacionalização das empresas estratégicas que foram privatizadas.

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António Costa disse esta noite que o PS não concorda com as regras inscritas no Tratado Orçamental e que se vai bater pela sua mudança, acrescentando ainda que está confiante na sua flexibilização, assim como numa leitura inteligente do tratado que já está a ser aplicada por França e Itália. No seu programa, o PS diz defender uma leitura inteligente da disciplina orçamental.

Já durante a campanha das primárias, Costa defendeu que a negociação deste Tratado estava nos seus horizontes como primeiro-ministro, prometendo então um Governo “batalhador” na Europa e tivesse como principal desígnio “uma nova leitura do Tratado Orçamental”.

No início de 2015, tanto França como Itália conseguiram algum alívio por parte da Comissão Europeia, sendo-lhes permitido desviarem-se do objetivo de défice estrutural, desde que seja de forma temporária e não exceda os 0,5%. Esta medida ainda não se aplica a Portugal, já que o défice português continua acima dos 3%, limiar do défice permitido pelo Tratado Orçamental.