Maria, bendita sois vós entre as mulheres. A campanha da ex-presidente do PS sofreu um solavanco. Mas daqueles bons. Durante momentos, deixou de ser a doutora Maria de Belém, a candidata presidencial, e passou a ser a “seu’dona” Maria de Belém. Num dia com uma agenda muito centrada na defesa dos direitos das mulheres, foi tudo diferente. Houve empatia, sorrisos e até espaço para a fotografia da praxe. Também houve lares e visitas institucionais, é certo. Mas, ao quarto dia de campanha presidencial, até o mais pequeno pai natal do mundo decidiu ajudar a lançar Belém para Belém – com Jorge Coelho como ajudante perfeito.

Entre mulheres, Maria sente-se bem. E nota-se. A mulherada gosta de Maria e Maria gosta da mulherada. Foi assim na visita à Fábrica da Cavalinho, em Santa Maria da Feira – e tem sido assim, aqui e ali, ao longo da campanha. Esta quarta-feira, houve quem chegasse às dez da manhã para ver a dona Maria de Belém”, garantia uma das muitas curiosas que aguardavam a ex-ministra da Saúde, com a mesma certeza com que ao lado se dizia: “Queremos uma mulher na presidência. Fazem falta mais mulheres de caráter na política”.

Maria – daqui para a frente será apenas Maria -, sentia-se bem e aproveitava o balanço. Falou da defesa dos direitos das mulheres e da igualdade de género, uma das grandes bandeiras da candidatura. Mas também de malas – afinal, “[só] nós [as mulheres] é que sabemos quais os pormenores que as bolsas têm de ter”, ria-se Maria. E até arriscou um pedido ao responsável pela marca: “uma segunda bolsinha para guardar o telemóvel”. Pedido de candidata…

E assim seguia Maria, bendita entre as mulheres – 85% dos trabalhadores daquela fábrica são mulheres e recebem tão bem ou mais do que os homens. “As mulheres podem fazer todos os trabalhos que os homens fazem”. As operárias gostavam e pediam mais. Maria acedia. E aproveitava para lembrar a importância de redobrar esforços para travar a violência contra as mulheres. “As mulheres não são uma coisa, não são propriedade de ninguém. São elas próprias e as suas opções. E a violência doméstica é um crime tipo de desvalorização das mulheres”.

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Ali ao lado, no “Maior Presépio do Mundo em Movimento”, a boa disposição mantinha-se. As figuras de João Paulo II e da Irmã Lúcia, nos seus movimentos robóticos, davam a bênção a Maria, assumidamente católica. Mas também o Papa Francisco e os três pastorinhos. Até Amália, acompanhada à guitarra por Vasco Santana e Ribeirinho, estava em consonância.

Maria sorria. E lembrava as mulheres, mesmo onde elas não estavam. Foi assim quando, à passagem pelas figuras de Álvaro Cunhal, Ramalho Eanes, Mário Soares e Cavaco Silva, num jogo de cartas inusitado, lhe perguntaram: gostava de se sentar ali, entre três ex-Presidentes? Claro que sim, faz ali falta uma mulher, respondia a candidata.

A presépio moderno que seja presépio moderno não lhe pode faltar um pai Natal. E para o maior presépio do mundo sai o pai natal mais pequeno do mundo. Será que Maria aproveitou a deixa para pedir uma prenda antecipada – a vitória nas eleições de 24 de janeiro? Ficou entre eles. Uma coisa é certa: Maria sabe que as eleitoras vão estar com ela. “As mulheres sentem que é chegado um momento de ter um exercício da Presidência diferente”.

Jorge Coelho: “Não se metam com ela. Parece frágil, mas é uma verdadeira Joana d’Arc”

Depois de um início de campanha cinzento e sem qualquer entusiasmo, se as mulheres animaram Maria, Jorge Coelho arrasou o adversário Marcelo Rebelo de Sousa. No primeiro jantar-comício da candidata, o ex-ministro de António Guterres elegeu um alvo e não mais o largou: Marcelo Rebelo de Sousa. O candidato presidencial ainda deve estar com as orelhas a arder, tal foi a forma arrasadora como Coelho o atingiu.

O socialista disparou em todas as direções: nas idas à farmácia de Marcelo, nas noites de comentário televisivo, nas alegadas incoerências, na ligação ao PSD. Tudo. Até lembrou “uma velha piada sobre o Groucho Marx” que serve como uma luva a Marcelo Rebelo de Sousa. “Estes são os meus princípios, e se vocês não gostarem deles… bem, tenho outros”, comparava Jorge Coelho.

Mas isto foi só o começo. “Às vezes não parece, mas nós estamos a tratar das eleições a pessoa mais simpática, a pessoa que comenta mais, que nos diverte mais, que em cada momento diz aquilo que queremos ouvir”. Não, diz Jorge Coelho. “Isto não é para eleger o Mister simpatia”.

Talvez aí Marcelo ganhasse, reconheceu o socialista. Mas não é isso que está em causa. “É preciso eleger um Presidente com maturidade, com experiência, que nos possa trazer confiança”. Belém tem-na, Marcelo Rebelo de Sousa não.

O público gostava e o socialista não tirava o pé do acelerador. O ex-ministro acusou Marcelo de estar a fugir ao debate de ideias e de estar a protagonizar um “autêntico circo” à volta da campanha presidencial, que lhe retira “dignidade”. E tudo começou com os debates onde, pela primeira vez em muitos anos, o ex-comentador teve um adversário. “E passou-se da cabeça. Ficou nervoso e desgastou-se”.

Agora, diz Jorge Coelho, Marcelo está a tentar recuperar a imagem simpática que alimentou durante anos. “Está outra vez a tentar fazer com que a sociedade portuguesa esteja anestesiada” por “um valium fraco” que as ponha dormir até dia 24 de janeiro.

“Não podemos deixar passar isto em vão”, atirou o ex-braço direito de António Guterres. “O rei dos comentadores de televisão” bem pode querer iludir os portugueses, mas os portugueses não se vão deixar iludir. Começando pelo suposto afastamento entre Marcelo e a liderança do PSD. Para o socialista, Marcelo e o PSD são como aqueles casais que decidem meter “umas férias conjugais”, mas, meia-volta, não resistem a um bom “desvio”. Foi isso que aconteceu na Madeira, quando Marcelo, Miguel Albuquerque e Alberto João Jardim andaram de braço dado. E até o CDS se deitou na mesma cama madeirense, reiterou Jorge Coelho.

Marcelo é, assim, um “desvio” em andamento, cuja marca de água não é mais do que a “confusão” e obra por fazer, repetiu o socialista. Foi assim no Governo de Francisco Pinto Balsemão, foi assim quando era líder do PSD na oposição e foi assim nas eleições autárquicas em Lisboa, onde foi “copiosamente derrotado por Jorge Sampaio”. Não há obra, acusa Jorge Coelho. Só incoerência. A Marcelo só lhe falta escolher “a música do Avante! para hino de campanha”.

A Maria não lhe falta nada, garante Coelho. Depois da bênção das figuras de silicone, barro e fibra, foi um homem de carne e osso a deixar um aviso: “Não se metam com ela. Parece frágil, mas é uma verdadeira Joana d’Arc”, heroína e santa da Igreja Católica. Coincidência?