Duas assobiadelas, um grito e o pessoal fica logo em sentido. “A vossa atenção por favor!”, grita Sandra Pereira de cima de um palco improvisado com seis grades de cerveja e duas portas velhas. Está iniciada a manifestação em defesa do Europa, do Tokyo e do Jamaica, os bares do Cais do Sodré, em Lisboa, que estão ameaçados de despejo porque há interesse em transformar o edifício que ocupam num hotel.

Um quarto de hora depois da meia-noite de sexta, com a Rua Nova do Carvalho cheia de gente que espera em fila para entrar noutras discotecas, são pouco mais de 50 as pessoas que se concentram à porta do Tokyo a ouvir as reivindicações de Sandra. Ela, que ganhou o concurso televisivo “Ídolos” em 2010 e canta neste bar algumas noites por semana, é das pessoas que mais contesta o fim anunciado dos espaços noturnos e foi para o Facebook tentar mobilizar as tropas. Na rede social foram mais de 500 os que disseram que iam estar presentes, na rua a realidade foi outra.

“Vamos tentar, através da nossa voz, impedir que estes três espaços fechem”, gritou à multidão, cuja maioria estava à espera de entrar numa festa e tinha uma idade bastante inferior à dos manifestantes. Ainda assim, mal Sandra se atirou à letra de “Mercedes-Benz”, de Janis Joplin, muitas vozes se ouviram ecoar na noite fria do Cais.

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Acompanhada de alguns amigos com guitarras e pandeiretas, Sandra aguentou a manifestação musical durante os quarenta minutos que se seguiram, nos quais intercalou canções como “Master Blaster”, “Power to the People” e “Minha Casinha” com apelos a que os presentes assinassem uma petição em defesa dos bares. “O Europa está aberto há quase 70 anos, o Tokyo desde 1968 e o Jamaica há 45 anos. É esta tradição que querem que acabe?”, disse.

Por volta da uma da manhã, a manifestação acabou. “O objetivo era passar a mensagem” do que está a acontecer no Cais do Sodré, disse Sandra Pereira ao Observador, mostrando-se feliz por ter conseguido falar com “miúdos mais novos” que não estão a par destas situações. A cantora apelou a “que haja um pouco de consciência” da parte das diferentes entidades envolvidas nesta questão de modo a que estes espaços da noite lisboeta não fechem. Os proprietários do edifício onde se encontram o Europa, o Tokyo e o Jamaica querem vendê-lo a uma imobiliária que já tem acordo com um grupo francês para ali fazer nascer um hotel. “Arranjem projetos de insonorização e de reabilitação, mas não fechem os espaços”, pediu Sandra.

Além do Jamaica, cuja importância para o renascimento do Cais do Sodré como zona noturna é apontada por muitos dos frequentadores da zona, também o Tokyo tem conseguido, nos últimos anos, atrair uma clientela nova ao bairro. “As pessoas não têm noção de que se está a criar aqui uma vanguarda musical”, defendeu Maria Luz, co-organizadora do protesto. E Sandra, antes de desaparecer pelo Tokyo a dentro para subir ao outro palco da noite, ainda deixou uma pergunta no ar. “Quando encherem Lisboa de hotéis, onde é que os turistas vão passar um bom bocado?”

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