Título: Breve História da Angola Moderna [Séc. XIX-XXI]
Autor: David Birmingham
Editora: Guerra & Paz
Páginas: 208

O interesse por Angola – que em Portugal nunca esmoreceu verdadeiramente desde a descolonização – tem vindo a crescer na última década e meia, em parte fruto da notoriedade adquirida pelo país enquanto um dos principais produtores mundiais de petróleo. Infelizmente, essa notoriedade nem sempre tem sido sinónimo de boas notícias.

Para os angolanos comuns, o processo de reconstrução pós-guerra civil não foi acompanhado de uma justa repartição dos ganhos gerados pela alta do petróleo, a principal fonte de riqueza do país. Tal como já verificado noutros contextos, essa bonança não deixou de constituir também uma espécie de maldição: travou a diversificação económica, desencorajou os governantes a apostarem na qualificação dos cidadãos (tornando o país no paraíso das consultorias) e acentuou ainda mais as tendências oligárquicas e nepotistas do regime liderado pelo MPLA.

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O aclamado livro de Ricardo Soares de Oliveira, Magnífica e Miserável: Angola desde a Guerra Civil (2015) procurava contextualizar estes desenvolvimentos no quadro da geopolítica e da geoeconomia do início do milénio, sem descurar também alguma perspectiva histórica. Mas até que ponto outros legados históricos não deverão ser igualmente tidos em conta numa abordagem à modernidade angolana?

Essa seria uma das expectativas geradas pela publicação de Breve História da Angola Moderna. Séculos XIX-XXI, de David Birmingham. Poucos autores seriam mais qualificados para tentar uma síntese deste género. Birmingham estuda Angola há mais de 50 anos, tendo publicado o seu primeiro livro, The Portuguese Conquest of Angola, em 1965. Desde então, afirmou-se como um respeitado africanista no Reino Unido, não só mantendo uma produção regular sobre Angola, mas também versando muitos outros temas, desde a biografia de Kwame Nkrumah à história da África Central e ao fenómeno da descolonização. O seu conhecimento da política, sociedade e história angolanas não resultam apenas de erudição ou imersão em arquivos – Birmingham viajou extensamente pelo país no período colonial e após a independência, conviveu com as figuras históricas do MPLA (incluindo Agostinho Neto, de quem serviu de interprete quando este foi adoptado pela Amnistia Internacional como “prisioneiro de consciência” em 1961), e adquiriu um conhecimento íntimo dos bastidores das lutas pelo poder após 1975 (não por acaso, é de sua autoria o primeiro artigo de fundo sobre os acontecimentos do 27 de Maio de 1977 em Angola, publicado no ano seguinte na African Affairs).

A sua apetência por um estilo mais literário é manifesta, mesmo quando o seu registo é o do artigo académico (vejam-se, por exemplo, as suas colectâneas Portugal in Africa e Empire in Africa). Birmingham é excelente na inserção de vinhetas anedóticas e faz um uso eficaz da sua familiaridade com algumas das narrativas clássicas sobre a Angola contemporânea – relatos de exploradores, comerciantes, missionários, romancistas.

Tudo isso são trunfos importantes quando o desafio que se tem pela frente é o de condensar cerca de dois séculos de história angolana em 200 páginas. O livro consegue um equilíbrio interessante entre diversas conjunturas históricas e, na medida do possível, procura evitar uma vinculação estrita à cronologia da história política colonial. O seu registo é o da clássica narrativa de divulgação (não há imagens, gráficos, tabelas ou outro aparato mais académico), em grandes pinceladas impressionistas, embora com um sentido interpretativo apurado.

Ainda assim, não deixa de ser surpreendente alguma primazia europeia em várias secções da obra (nomeadamente as primeiras 100 páginas), onde o autor se apoia largamente nos relatos e nas histórias de vida de figuras como George Tams, Ladislaus Magyar ou Héli Chatelain – uma opção que eventualmente se justificará pelo piscar de olho do autor aos aficionados da literatura de viagens. Tratando-se de fontes muito relevantes para o conhecimento da sociedade angolana de oitocentos, remetem-nos, porém, para experiências e visões fundamentalmente europeias (aqui, o trabalho de alguém como a historiadora Isabel de Castro Henriques, aliás citada na bibliografia, poderia corrigir esse viés). Embora Birmingham se socorra, com pertinência, de um autor como Pepetela (em especial do romance Yaka), são talvez surpreendentes as omissões de outros escritores e intelectuais cuja obra nos restitui um olhar africano sobre a sociedade colonial, ou interroga as visões canónicas do nacionalismo angolano: Luandino Vieira, Agualusa, Ruy Duarte Carvalho, para citarmos apenas alguns.

Outra opção que nos parece discutível é a brevidade com que o período colonial tardio é tratado (capítulo “Colonialismo vs Nacionalismo”, pp. 109-127), uma conjuntura decisiva a vários títulos, desde logo pelas profundas (e contraditórias) transformações trazidas pelo impulso modernizador que ganhou maior intensidade pós 1961. Os imensos contrastes que distinguiram os últimos treze anos do domínio português, fruto das exigências da guerra de “contra-insurreição” e das mudanças sociais associadas ao crescimento económico e fim do indigenato, bem como o papel ambivalente das elites colonas brancas, mal são abordados.

Os últimos três capítulos – abordando o período de 1974 à actualidade – representam, contudo, um esforço de síntese notável. Explicar os antagonismos irredutíveis entre os movimentos independentistas (e entre certas correntes do MPLA), mapear as ramificações geopolíticas da longuíssima guerra civil angolana, dar conta da lógica neo-patrimonialista que define o regime no poder em Luanda, e familiarizar os leitores com as dinâmicas sociais da era da reconstrução representa um tour de force apreciável. Juntamente com o clássico livro de Wheeler e Pélissier, História de Angola (publicado como Angola em 1971, reeditado depois entre nós em 2009, pela Tinta da China), esta é, em suma, uma introdução recomendável à história contemporânea de Angola.

Uma última nota, porém, para alguns erros factuais que uma revisão mais cuidada do livro poderia ter eliminado. Para citarmos apenas alguns: o nexo causal sugerido entre a crise na África central na primeira década do século XX, o assassinato do rei D. Carlos e a queda da monarquia (p. 93) é, no mínimo, dúbio. Norton de Matos nunca presidiu à Liga das Nações (p. 96). Em 1926 não foram “oficiais católicos do exército” que derrubaram “a república dos maçons” (p. 100) e Portugal não entrou na ONU em 1945 (p. 109), mas sim uma década mais tarde. Um conjunto de erros tão mais inesperados quanto Birmingham é, também ele, autor de uma História Concisa de Portugal (originalmente editada pela Cambridge University Press em 1993, entretanto com 11 reimpressões!).

Pedro Aires Oliveira é historiador e professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.