Os pedidos de socorro de pelo menos dez pessoas terão ficado sem resposta por parte dos meios de socorro no incêndio de Pedrógão Grande devido a falhas no sistema de comunicações SIRESP. A fita do tempo, a que os jornais Público e Jornal de Notícias tiveram acesso, revelam a incapacidade de o centro de comando transmitir informações aos operacionais no terreno. Uma informação que foi negada pelo comandante das operações.

Às 19h45 de sábado, 17 de junho, o SIRESP falha pela primeira vez leva a três pessoas, “numa habitação devoluta, cercadas pelo fogo” é que “não conseguem sair sozinhas” de casa fiquem sem resposta. A essa hora, no Sistema de Apoio à Decisão Operacional (SADO) ainda não há referências ao SIRESP, mas fica claro que aquelas três pessoas são deixadas à sorte porque o 112 tenta, “sem sucesso”, contactar o Posto de Comando das operações e o 2º Comando Operacional Distrital das Operações de Socorro.

Cinco minutos depois, quando as chamas se espalham pelo concelho de Pedrógão Grande há apenas três horas, um pai e um filho precisam de “ajuda urgente”. Os mesmos contactos entre o 112 e os comandos operacionais não dão em nada, revela a fita do tempo divulgado pelos dois jornais.

A ministra da Administração Interna disse, na entrevista à RTP de há uma semana, que às 20h de sábado o sistema de comunicações SIRESP estava em funcionamento e que os contactos entre as várias autoridades no terreno e no posto de comando estavam normalizadas.

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Mas os registos daquilo que se passou nas primeiras horas (e dias) do incêndio que matou 64 pessoas revelam que às 20h55 desse sábado ainda o Centro Nacional de Operações de Socorro pedia o “reposicionamento de antenas SIRESP na zona de Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos”. As comunicações estavam longe de funcionar e as horas seguintes mostrariam que houve falhas na partilha de pedidos de socorro e que até as informações de que eram preciso recolher os corpos de vítimas mortais – que impediam a passagem dos meios de combate ao incêndio, por se encontrarem em vários pontos da estrada nacional 236 e do IC8 – não chegaram ao destino.

Durante as operações de combate ao incêndio foram tornadas pública dificuldades nas comunicações através da rede SIRESP, admitidas pelos comandantes operacionais que se sucederam no posto de comando. Mas, há uma semana, quatro dias depois do início do incêndio, o então comandante das operações, Vítor Vaz Pinto, garantia aos jornalistas que as falhas detetadas eram “muito curtas, inferiores a meio minuto, um minuto” e não tinham revelado qualquer “influência na gestão do plano de comunicações”. O importante, sublinhava, era haver “redundâncias” que assegurassem a comunicação.

Catástrofes naturais protegem SIRESP

Depois de a PJ ter informado que teria sido uma trovoada seca a fazer deflagrar o incêndio de Pedrógão Grande, começou a circular a informação de que um fenómeno atípico da natureza – o downburst – teria acelerado a propagação das chamas pelas várias localidades. Esses ventos verticais teriam, também, provocado parte da destruição no solo e, eventualmente, destruído contribuído para a falha dos sistemas de comunicações – que o Governo disse ter sido atingido pelas chamas.

O contrato assinado entre o MAI e a SIRESP, S. A. – assinado em 2006, era António Costa responsável pela pasta – estabelece que a ocorrência de situações de “força maior” ilibam a empresa de responsabilidades, em caso de falha do sistema.

O contrato refere que serão considerados “casos de força maior os eventos imprevisíveis e irresistíveis, cujos efeitos se produzem independentemente da vontade da operadora ou da sua atuação, ainda que indiretos, que comprovadamente impeçam ou tornem mais oneroso o cumprimento das suas obrigações contratuais”. E enumera: “Atos de guerra ou subversão, hostilidades ou invasão, rebelião, terrorismo ou epidemias, raios, explosões, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que diretamente afetem as atividades” do SIRESP.

Ou seja, muitas (se não todas) as situações anormais em que se esperaria que o sistema de comunicações de emergência garantisse os contactos entre as autoridades que precisam de articular a ação no terreno — uma vez que os utilizadores do SIRESP vão dos bombeiros à Proteção Civil, passando pelos militares, câmaras municipais, serviços de informações, portos, entre outros — estão previstas no contrato como casos em que, falhando o SIRESP, a empresa fica isenta de responsabilidades.

Ministra ordena auditoria ao sistema

Esta segunda-feira, a ministra da Administração Interna ordenou a realização de um estudo independente ao funcionamento do SIRESP e uma auditoria pela Inspeção-geral da Administração Interna à Secretaria-Geral Administração Interna (entidade da qual depende o Centro de Operação e Gestão do sistema de comunicações).

Em comunicado, o ministério de Constança Urbano de Sousa informa que instaurou dois procedimentos depois de ter as “informações de caráter técnico operacional” terem sido “coligidas” e tendo em conta que “foram reportados dificuldades na utilização” do SIRESP “no trágico incêndio de Pedrógão Grande”.

Ao Instituto de Telecomunicações, a ministra pediu a “elaboração de um estudo independente sobre o funcionamento do SIRESP em geral, e em situações de acidente grave ou catástrofe, em particular” que deverá identificar “eventuais constrangimentos e propor possíveis medidas que possam garantir que o SIRESP responde às necessidades para o qual foi criado, tendo em consideração as melhores e mais recentes práticas internacionais nesta matéria”.

No que diz respeito à Inspeção-geral da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa “exigiu” uma “auditoria ao cumprimento, por parte da Secretaria-geral da Administração Interna, enquanto entidade gestora do SIRESP, das obrigações legal e contratualmente estabelecidas, designadamente ao nível da gestão, manutenção e fiscalização”.

O relatório à auditoria terá de ser entregue à ministra da Administração Interna até 26 de julho.