António Costa voltou desafiar Pedro Passos Coelho e Assunção Cristas a participarem ativa e construtivamente com medidas concretas para o futuro do país. Num período em que o Governo começa já a pensar no próximo quadro de apoios comunitários, o primeiro-ministro defendeu que “para o futuro de Portugal, é bom que ninguém se exclua e ninguém seja excluído” da discussão.

O líder socialista deixava assim a principal tónica no discurso de encerramento da reentrée política do PS, que decorreu este sábado na Pontinha, no Algarve. Numa intervenção de quase uma hora em que passou em revista as principais metas alcançadas pelo atual Governo, António Costa acabou por aproveitar o tema das florestas para acusar sociais-democratas e democratas-cristãos de em nada terem contribuído para a discussão sobre a reforma florestal.

Para Costa, o PSD só se lembra das florestas quando as florestas são atingidas pela calamidade, assim com Assunção Cristas, “aquela senhora” Agricultura “e que agora anda por aí” a criticar o Governo como se não tivesse tido responsabilidades políticas na gestão das florestas. “Foi preciso chegar a tragédia para que os outros acordassem e viessem ao debate, não com propostas, mas simplesmente criticando e votando contra grande parte deste pacote florestal”, criticou o líder socialista.

Neste ponto, o primeiro-ministro escudou-se nas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa para defender que é “tempo de parar com as tricas políticas” em assuntos determinantes como a reforma florestal e avançar “com coragem” para as propostas que foram aprovadas no Parlamento em Junho, nomeadamente a revisão do registo cadastral.

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Essa não foi, de resto, a única referência à herança do anterior Governo. Lembrando o caminho de reposição de rendimentos percorrido pelo atual Executivo, António Costa defendeu que “se há marca que distingue esta governação” foi ter “posto termo à crispação na sociedade portuguesa”.

“Acabámos com aquela guerra permanente que o Governo anterior procurava fazer entre uns e todos. Não há conflitos entre portugueses e funcionários públicos, todos somos portugueses, todos somos Portugal. Acabámos com aquela guerra horrível que existia entre gerações, em que nos queriam fazer acreditar que o futuro dos nossos filhos dependia de sacrificarmos o presente dos nossos pais. Nós queremos um país que dê o presente a todos e garanta o futuro para as próximas gerações”, afirmou o primeiro-ministro.

As prioridades do país, segundo António Costa

O secretário-geral do PS centrou grande parte do seu discurso na definição das prioridades do Governo, deixando alguns objetivos que o país deve percorrer na próxima década. Falando concretamente sobre o Orçamento do Estado para 2018, António Costa traçou três eixos fundamentais: controlo do défice orçamental, aumento do investimento e aumento do rendimento disponível das famílias.

Sem adiantar grandes novidades em relação ao que já é público, próximo documento estratégico do Governo, garantiu António Costa, trará o aumento do número de escalões do IRS, para que “quem ganhe menos pague menos”. O Governo reservou 200 milhões de euros para um alívio no IRS no próximo ano, mas este esforço tem sido considerado insuficiente pelos parceiros à esquerda.

Além disso, continuou o socialista, existirá um “reforço de investimento no Serviço Nacional de Saúde e na escola pública”, anunciando 70 novas salas de jardins de infância para crianças de três anos. No SNS, o primeiro-ministro anunciou mais 600 novas camas de cuidados continuados.

Quanto aos próximos dez anos, António Costa definiu como objetivos a aposta na qualificação e na valorização dos recursos, definindo como prioritário o investimento nas energias renováveis, no exploração dos recursos marítimos, nas exportações, na proximidade do interior do país com o mercado espanhol e na costa portuguesa. “Não podemos aceitar ficar sempre para trás. Não podemos. Temos de ter a ambição de encurtar as diferenças. Não temos de temer a globalização, mas temos de dizer que quem abriu a globalização há cinco séculos está aqui hoje para continuar a enfrentar esse desafio”, afirmou António Costa.

“Más políticas florestais deram estes maus resultados”

Ainda antes de intervir na “Festa de Verão” do PS, em declarações aos jornalistas que se encontravam no local, António Costa recusou-se a antecipar os resultados da comissão técnica constituída para analisar os incêndios que deflagraram em junho, deixando apenas uma crítica às “más políticas florestais” que foram seguidas nas últimas décadas.

“Há algo que precisamos ter presente: boas políticas dão bons resultados, más políticas dão maus resultados. A floresta é um bom exemplo, más políticas florestais deram estes maus resultados”, afirmou o líder socialista.

Sublinhando que o Governo está concentrado na missão de extinguir incêndios, apoiar as populações e reconstruir os territórios afetados e que não irá antecipar os resultados da comissão técnica independente constituída para analisar os fogos que deflagraram em junho e provocaram 64 mortos, António Costa ressalvou que “há falhas que são detetadas e são logo corrigidas”.

Como exemplo, o primeiro-ministro apontou o reforço das antenas satélites, cuja aquisição já foi concretizada pela ministra da Administração Interna, congratulando-se também pelo facto de a PT estar “a trabalhar finalmente” com o Governo para se encontrar uma solução para enterrar os cabos de telecomunicações ou criar sistemas de redundância.

A história do derby algarvio

A história do PS com os comícios da Pontinha é uma história de sorte, como contava aqui detalhadamente o Observador. Começou em 1995 com a clara provocação pensada por Jorge Coelho, que serviu literalmente para medir forças entre PSD e PS. Os jornalistas entraram num frenesim para irem ora ao comício de um, ora ao comício do outro, para verem qual estava a movimentar mais gente. De um lado Fernando Nogueira, o número dois de Cavaco Silva (acabado de cumprir dois mandatos no Governo), e do outro António Guterres, que sabia ter chegado a vez do PS regressar ao poder (o que viria a acontecer em outubro). O frenesim envolveu até helicópteros das televisões privadas, que também elas queriam fazer prova de vida, para filmarem o mar de gente de um lado e de outro. No final, Guterres gritou vitória. “Ganhámos” virou slogan de campanha de um dia para o outro.

Na campanha para as legislativas de 2005, marcadas para 20 de fevereiro, o PS e o PSD tentaram uma reedição deste derby mano a mano. De um lado José Sócrates, do outro Pedro Santana Lopes. Só não foi em agosto, mas em pleno inverno, e foi em Castelo Branco. O tom de desafio foi o mesmo. Mas voltou a ganhar o PS, que saiu vitorioso do comício como saiu vitorioso na noite eleitoral, com uma maioria absoluta no bolso.

Em 2011, José Sócrates voltou a ir à Pontinha à procura de mais um sopro de sorte. As eleições legislativas seriam a 5 de junho, e na semana antes, no final de maio, o então primeiro-ministro percorreu mil quilómetros num só dia para ir aquele largo para realizar um comício algarvio. Mas dessa vez a sorte já não esteve do seu lado, e quem ganhou as eleições foi mesmo o PSD de Pedro Passos Coelho. Este ano, António Costa regressou ao local, em vésperas de eleições autárquicas, com um objetivo assumidamente político: aproveitar o calor algarvio para recuperar energias políticas e enaltecer as candidaturas autárquicas na região do Algarve, uma região com um peso eleitoral muito relevante para o partido.

O derby das rentrées. PSD no Pontal, PS de volta à Pontinha