O que podem ter em comum um antigo grande dragão do Ku Klux Klan e um músico de blues negro que se formou em jazz na Universidade de Howard? Aparentemente, nada. Depois de muitas conversas, tudo. E o primeiro até chegou mesmo a chamar de maluco para cima ao segundo, quando tentou falar com ele há cinco anos. Hoje, são grandes amigos. E um dos melhores exemplos daquela que tem sido a grande missão de Daryl Davis nos últimos 30 anos: “converter” todos aqueles que defendem a segregação racial e a superioridade do “homem branco”.

No caso citado, foram dezenas de chamadas, várias visitas e um sem número de conversas para falar sobre música que fazem com que hoje Scott Sheperd se descreva como “um racista reformado” com um irmão negro. Mas existem muitos outros casos, cerca de 200, semelhantes na vida de Davis, que chegou a tocar com Chuck Berry, The Legendary Blues Band, Percy Sledge, The Coasters ou The Platters, entre muitos outros.

“Não acredito que a minha missão tenha ficado mais difícil [após o que tem acontecido] porque são seres humanos. Muitos são pessoas boas e trabalhadoras com uma visão distorcida da vida e da realidade”, destacou ao Washington Post, ao mesmo tempo que ilibou Donald Trump porque “falar de questões raciais foi um tabu muito tempo antes”.

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Ainda assim, de acordo com a mesma reportagem, há também muitos negros ativistas que se mostram contra a abordagem de Davis, defendendo que era preferível trabalhar e passar tempo com as comunidades que são alvo de racismo do que propriamente tentar ser amigo de quem defende a supremacia branca, como ficou bem evidente no documentário da PBS intitulado Cortesia acidental: Daryl Davis, Raça e América. “Para de perder tempo a ir a casas de pessoas que não gostam de nós”, diz Kwame Rose, proeminente ativista de Baltimore.

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Mas agora, a pergunta: como nasceu esta missão de Davis? Em 1968, durante uma parada sobre questões raciais em Massachussetts, um grupo de rapazes começou a atirar-lhe pedras e latas de refrigerantes. Em casa, enquanto lhe tratavam dos hematomas, os pais falaram-lhe pela primeira vez do racismo mas essa coisa não lhe entrou na cabeça. Com a morte de Martin Luther King, percebeu o que era isso. Mas perguntou para si próprio: “Como é que as pessoas podem odiar-me se nem sequer me conhecem?”.

Começou a ler cada vez mais coisas sobre a história do país e o KKK. E em 1983 teve o episódio que lhe mudou a vida: estava a tocar piano no Silver Dollar Lounge, era o único negro da banda e no espaço e, no final, um branco disse-lhe que tinha sido a primeira vez que ouvira um negro tocar como Jerry Lee Lewis (com quem chegaria a tocar mais à frente na sua carreira). O homem fazia parte do Ku Klux Klan, mostrou-lhe até o cartão, mas foram falando e falando sobre as influências musicais de Lewis. Com o tempo, ficaram amigos e o homem acabou por sair da organização. Mais de três décadas depois, Davis continua a comportar-se da mesma forma.