Morreu Stanislav Petrov, o discreto agente soviético que evitou uma guerra nuclear em 1983. Tinha 77 anos.

Segundo o International Business Times e o New York Times, Petrov morreu no dia 19 de maio de 2017 na sua casa em Fryazino, nos arredores de Moscovo, mas só agora está a ser avançada a notícia. E não se sabe qual a causa.

A vida deste russo, filho de um piloto de aviões da II Guerra Mundial, mudou para sempre na madrugada dia 26 de setembro de 1983. Na altura era tenente coronel das Forças de Defesa Aérea Soviética e estava prestes a começar o seu turno, num centro de comando secreto nos arredores de Moscovo, quando soaram os alarmes. Tinha sido detetado um ataque e os computadores diziam que Washington tinha lançado vários mísseis.

Durante 15 segundos ficámos em estado de choque. Precisávamos de perceber o que se iria seguir”, recordaria Petrov, anos mais tarde.

A missão de Petrov era precisamente a de registar lançamentos de mísseis e reportar a situação os seus superiores, tanto militares como políticos. “Tínhamos todos os dados [que sugeriam que estava em curso um ataque de mísseis]. Se tivesse enviado o relatório aos meus superiores, ninguém o teria contrariado.”

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O momento, contado por Petrov numa entrevista à BBC, é digno de uma cena de um filme de James Bond. “As sirenes soaram muito alto e fiquei parado durante alguns segundos a olhar para os ecrãs, com a palavra ‘lançamento’ em letras vermelhas. Um minuto depois, a sirene voltou a tocar. Tinha sido lançado o segundo míssil, e depois o terceiro, o quarto e o quinto. Os computadores mudaram o alerta de ‘lançamento’ para ‘ataque de míssil’. Não havia regras sobre quanto tempo estávamos autorizados a ter para pensar antes de reportar um ataque.”

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Ainda assim, Petrov e os restantes agentes sabiam que quanto mais tempo demorassem, menos tempo tinham os militares e os líderes políticos soviéticos para decidir o que fazer.

Ao tenente coronel de 44 anos bastava apenas pegar no telefone, que tinha linha direta para os seus superiores, e comunicar o ataque. Mas houve algo que o fez hesitar: não só o facto de o ataque ser extremamente claro — demasiado claro para ser verdade — como os operadores de radares satélite não terem registado quaisquer mísseis. Além de que Petrov sabia que o sistema de deteção de mísseis tinha sido instalado à pressa, pelo que não era totalmente fiável.

“Havia 28 ou 29 níveis de segurança. Depois de o alvo ter sido identificado, tinha passar por todos esses checkpoints e não tinha a certeza que isso seria possível, tendo em conta as circunstâncias.”

Depois tomei a minha decisão: não iria confiar nos computadores”, recorda. “Peguei no telefone, falei com os meus superiores e reportei que o alarme era falso, mas eu próprio não tive a certeza até ao último minuto. Sabia perfeitamente que ninguém poderia corrigir o meu erro, se eu tivesse cometido um.”

Passados 23 minutos, percebeu que não tinha cometido qualquer erro — caso contrário, o ataque nuclear dos Estados Unidos já teria atingido o território soviético. “Foi um alívio.”

Na verdade, segundo o New York Times, o satélite tinha confundido o lançamento de um míssil com o reflexo do sol nas nuvens. O satélite deveria filtrar este tipo de informações, mas isso não aconteceu. Tal como Petrov suspeitava, o sistema não era fiável.

Somos mais sábios que os computadores. Fomos nós que os inventámos”, afirmou Petrov, numa entrevista ao Der Spiegel em 2010.

Apesar de inicialmente ter sido louvado pela sua calma numa situação daquelas, acabou por ser repreendido, mais tarde, no seguimento de uma investigação, por não ter registado tudo o que se tinha passado no seu diário de bordo. Quando lhe perguntaram por que motivo não o tinha feito, a resposta foi simples: “Porque tinha um telefone numa mão e o intercomunicador noutra e não tenho uma terceira mão.”

Em 1984, um ano depois deste episódio, Petrov reformou-se do exército. Começou a trabalhar como engenheiro no instituto que tinha criado o sistema de alerta de mísseis, mas acabou por se reformar para cuidar da mulher — com quem teve dois filhos, Dmitri e Yelena — , que estava doente com um cancro e acabou por morrer em 1997.

Durante 10 anos, nunca mencionou o que se passou no dia 26 de setembro de 1983 por uma questão patriótica. “Achava que era uma vergonha para o exército soviético o nosso sistema ter falhado daquela maneira.”. Só com o fim da União Soviética é que esta história chegou a público.

Era o meu trabalho, mas tiveram sorte porque era eu quem estava de turno naquela noite.”

Em 2013 recebeu o Dresden Peace Prize e, um ano mais tarde, foi feito um documentário sobre Petrov intitulado “The Man Who Saved the World” (“O homem que salvou o mundo”).