Perante um muito falado (mas desmentido) pacto de não agressão entre o PS e os comunistas, os resultados da CDU demonstram que Jerónimo de Sousa foi o segundo maior perdedor da noite eleitoral — só superado por Pedro Passos Coelho. Não só a CDU perdeu 10 autarquias (9 foram para as mãos dos socialistas) e não ganhou nenhuma a ninguém, como o próprio secretário-geral do PCP reconheceu que o resultado da CDU poderá afetar a influência dos comunistas e dos seus aliados do Partido Ecológico Os Verdes (PEV) em negociações futuras com o Governo liderado por António Costa. À hora da última atualização deste texto, e com o concelho de Lisboa fechado, a CDU fica abaixo da barreira dos 500 mil votos, não alcançando mais do que 487.950 votos, o que representa 9,5% dos votos a nível nacional. É o seu primeiro resultado em termos de votos em eleições autárquicas desde 1976. O anterior recorde tinha sido estabelecido em 2009: 539.694 votos.

Com a perda de 10 autarquias, a CDU passa das 34 autarquias ganhas em 2013 para 24 — sendo que há quatro anos 10 tinham sido conquistadas aos socialistas. Uma perda significativa que prova que a aposta forte que os comunistas fizeram nestas eleições autárquicas saiu completamente furada. Além do discurso marcadamente nacional que Jerónimo de Sousa imprimiu à campanha comunista, com constantes alusões à necessidade de reforçar a CDU para uma maior capacidade negocial junto do Governo, os comunistas concorreram a 304 das 308 câmaras municipais em disputa. Nada resultou.

Isso mesmo reconheceu Jerónimo de Sousa. “Este resultado não reduz a influência real do PCP e do PEV nesta nova fase de vida política” mas “é necessário não iludir que este resultado constitui um fator negativo” para a força do caminho de conquista de direitos e de reposição de rendimentos, afirmou o secretário-geral do PCP.

Até António Costa, secretário-geral do PS, teve de vir em socorro dos comunistas. “A vitória do PS não é a derrota de nenhum dos seus parceiros parlamentares. Há quatro anos ficámos 3,5 pontos percentuais acima do conjunto da direita, mas agora estamos pelo menos dez pontos percentuais à frente da direita”, afirmou o primeiro-ministro que governa com o apoio parlamentar do PCP, do Bloco de Esquerda e do PEV e que apontou exclusivamente o PSD de Passos Coelho como o derrotado da noite eleitoral.

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Almada deixou de ser comunista 43 anos depois do 25 de abril

O destaque das perdas, pelo simbologia histórica da influência do PCP na cintura industrial da Grande Lisboa, vai para o distrito de Setúbal. Os comunistas perderam a liderança histórica da Câmara de Almada para os socialistas, tendo a ex-deputada Inês de Medeiros (irmão da atriz Maria de Medeiros e filha do maestro António Vitorino de Almeida) sido eleita a nova edil com uma diferença de apenas 213 votos. A Câmara de Almada tinha sido sempre governada pelo PCP desde as primeiras eleições locais em 1976.

E perderam o Barreiro — onde os sindicatos do PCP sempre tiveram uma grande influência devido à forte industrialização daquele concelho da Margem Sul do Tejo — numa disputa cerrada, cujos resultados oficiais só surgiram depois das 4h da manhã. Com o mesmo número de vereadores que o PCP, o PS teve mais 1.465 votos e conseguiu eleger Frederico Alexandre Rosa como o novo presidente de câmara.

A CDU também perdeu em Alcochete por uma margem diminuta: 190 votos. Mais uma vez, para os socialistas.

No resto do distrito de Setúbal, onde o PCP tem a maior implantação autárquica no país e partia para as eleições com 11 autarquias, os comunistas conseguiram manter Alcácer do Sal e Grândola (conquistadas ao PS em 2013), Moita, Palmela, Santiago do Cacém, Seixal e Sesimbra. Além de terem reforçado a maioria absoluta na capital de distrito em Setúbal com a edil Maria das Dores Meira.

No distrito de Beja, outro feudo histórico dos comunistas, a implantação da CDU ficou reduzida a metade: de 8 passou para 4 autarquias. Além de ter pedido a capital de distrito propriamente dita, cedeu igualmente ao PS Barrancos, Moura e Castro Verde — que, tal como Almada, era governada pelos comunistas desde 1976. A CDU manteve apenas Alvito, Cuba, Serpa e Vidigueira.

Em Évora, a CDU perdeu a autarquia do Alandroal. Constância, no distrito de Santarém, também passou para as mãos dos socialistas, de acordo com o resultados oficiais da Comissão Nacional de Eleições.

Os comunistas e os seus aliados Os Verdes perderam igualmente a autarquia de Peniche — a sua única presença autárquica no distrito de Leiria que foi parar às mãos de uma candidatura independente.

Bernardino mantém Loures contra o PS e André Ventura

A CDU conseguiu manter Grândola e Santiago do Cacém (distrito de Setúbal), Arraiolos, Mora, Montemor-o-Novo e Vila Viçosa (as quatro autarquias no distrito de Évora, Avis (no distrito de Portalegre), Alpiarça e Benavente (em Santarém) e Silves (no distrito de Faro).

No distrito de Lisboa, onde tem Loures e Sobral de Monte Agraço, a CDU conseguiu renovar a liderança das duas autarquias, com destaque para Bernardino Soares em Loures. Numa corrida eleitoral muito mediatizada devido ao candidato do PSD André Ventura (que ficou em terceiro lugar), o ex-líder parlamentar do PCP conseguiu manter a cidade conquistada ao PS em 2013.

No balanço eleitoral que fez durante a noite eleitoral, Jerónimo de Sousa, secretário-geral da CDU, falou no “reforço da CDU em importantes concelhos, designadamente em Lisboa”. Esse reforço traduziu-se em mais 1.619 votos do que em 2013 na capital e a manutenção dos dois vereadores para a CDU — sendo que o último mandato da vereação foi disputado entre o PS e os comunistas. Ganhou a CDU e Fernando Medina ficou sem maioria absoluta precisamente por causa desse último mandato que estava em disputa. Uma pequena vitória da CDU numa noite muito amarga.

Jerónimo reconhece que influência do PCP fica afetada

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, foi o segundo líder partidário a reagir aos resultados eleitorais e surpreendeu ao reconhecer (quando os resultados eleitorais não evidenciavam tais dados) que a CDU deveria perder entre 9 a 10 autarquias. Apesar de insistir, no registo habitual dos comunistas, que a CDU “confirma-se como a grande força de esquerda no poder local” e referir o reforço da votação da coligação liderada pelo PCP no “concelho de Lisboa”, Jerónimo reconheceu a perda das autarquias sem especificar os nomes das mesmas. “Não podendo ser o resultado da CDU ser confinado ao número de maiorias obtidas, a perda de presidência de câmaras municipais que pode atingir 9 ou 10” é “sobretudo uma perda para as populações que não demorarão a perceber o quão errada foi essa opção“, já que “é uma perda para os direitos e condições das autarquias, para o ambiente, para a cultura, para a participação democrática”, concluiu.

“As populações sabem que não desertaremos. Como no passado se viu, daqui a 4 anos estarão a reconhecer que a CDU deverá voltar à gestão autárquica das suas terras”, afirmou Jerónimo.

O secretário-geral do PCP reconheceu, por outro lado, que o resultado eleitoral da CDU, que deverá passar de 34 para 24 autarquias, afetará a capacidade negocial dos comunistas na negociação do Orçamento de Estado para 2018 — uma questão que marcou muito a estratégia e o discurso de campanha de Jerónimo de Sousa. “O reforço eleitoral da CDU era, em primeiro lugar, uma condição decisiva de desenvolvimento e de progresso. E sublinhámos que seria um fator para fazer avançar mais decisivamente a defesa ,posição e conquista de direitos. Este resultado não reduz a influência real do PCP e do PEV nesta nova fase de vida política” mas “é necessário não iludir que este resultado constitui um fator negativo para a força deste caminho” e para o prosseguimento desse caminho de reconquista de direitos e de rendimentos defendido pelo PCP.

“Ficou evidente neste resultado que mesmo os muitos milhares de pessoas que nos dirigiram palavras de reconhecimento na derrota do Governo PSD/CDS não ganharam consciência de que as suas possibilidade iriam mais longe e seriam sobretudo asseguradas com o reforço da CDU e não com o do PS”, concluiu Jerónimo.

Bloco de Esquerda entra na Câmara de Lisboa

Já o Bloco de Esquerda tem razões para sorrir — um sorriso muito ligeiro. Continua a não ter nenhuma liderança autárquica mas conseguiu eleger um vereador para a Câmara de Lisboa (o cabeça de lista Ricardo Robles) e aumenta, para já, o número de mandatos autárquicos para 12. O número de mandatos ganhos em 2013, contudo, era muito baixo: 8.

Em termos de número de votos, e enquanto faltam atribuir 21 mandatos autárquicos, o Bloco já conseguiu aumentar o score de 2013: passa de 120.982 votos para o número provisório de 169.390 votos, o que equivale a 3,3% dos votos do total nacional.

Artigo atualizado às 13h28m de 2 de outubro com o concelho de Lisboa fechado