O advogado Paulo Blanco, arguido na Operação Fizz, criticou esta segunda-feira em tribunal o Ministério Público por ter “desconsiderado” a escuta telefónica entre o ex-procurador Orlando Figueira e o advogado Daniel Proença de Carvalho, divulgada na última quinta-feira.
Paulo Blanco, antigo advogado do ex-vice-Presidente de Angola Manuel Vicente e advogado do Estado angolano em múltiplos processos em Portugal, que é agora acusado de corrupção ativa na Operação Fizz, disse que a transcrição das escutas “é reveladora de como não corresponde à verdade que o Dr. Proença de Carvalho não tivesse tido contacto com o Dr. Orlando Figueira, como disse à imprensa em 2016”.
O advogado argumenta que, na escuta, Orlando Figueira “nunca refere qual é o assunto”, mas Proença de Carvalho refere a sua “intervenção mais recente” na matéria.
“Não podemos ignorar esta escuta”, disse Paulo Blanco perante o coletivo de juízes presidido por Alfredo Costa. “Fico perplexo como é que a investigação desconsiderou esta escuta. Não consigo perceber. Depois de ter sido ouvido como testemunha o juiz Carlos Alexandre, que relatou às senhoras procuradoras que lhe tinha sido dito pelo amigo que tinha sido o Dr. Proença de Carvalho que tinha tratado da revogação do contrato de promessa de trabalho. Tinham no processo o depoimento de um magistrado que desconsideraram, tinham uma escuta. Arrisco dizer que criminosamente desconsideraram”, atacou o advogado.
Operação Fizz: Paulo Blanco à saída da audiência desta segunda-feira no Campus de Justiça, Lisboa, reiterando aos jornalistas o que tinha dito no tribunal: que o MP desconsiderou a escuta a Proença de Carvalho. pic.twitter.com/bAPP6b98BZ
— João Francisco Gomes (@jfranciscogomes) February 5, 2018
Paulo Blanco disse ainda que é devido ao “acordo de cavalheiros” entre Orlando Figueira e Proença de Carvalho que está sentado no banco dos arguidos. “O que me é imputado está a ser-me imputado com base num acordo que eu não sei quem envolveu”, disse.
O advogado reiterou ainda que não teve “nenhuma intervenção na revogação do contrato de trabalho”. Em causa está o contrato de promessa de trabalho entre o ex-procurador Orlando Figueira (acusado de ter recebido dinheiro da parte do ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, para arquivar processos de corrupção contra si) e a sociedade Primagest, uma sociedade com que, segundo a acusação do Ministério Público, Orlando Figueira assinou um contrato de trabalho para justificar os valores que recebeu. Paulo Blanco, enquanto advogado de Manuel Vicente e de várias personalidades angolanas, é acusado de ter intermediado os pagamentos.
Escuta a Orlando Figueira: Proença fala em “intervenção mais recente”
Contestando a acusação, Orlando Figueira e Paulo Blanco afirmaram que não havia na verdade envolvimento de Manuel Vicente. Teria sido o presidente do Banco Privado Atlântico Europa, Carlos Silva, a fazer o pagamento, que teria sido intermediado por Daniel Proença de Carvalho.
Na escuta revelada na semana passada, Proença de Carvalho refere uma “intervenção mais recente”, que está a ser interpretada pela defesa de Orlando Figueira como uma intervenção na revogação do contrato de trabalho com a Primagest. Na conversa, Proença de Carvalho diz que não era “conveniente” representar Orlando Figueira devido a essa intervenção “mais recente”.
O que tem de saber sobre esta sessão
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As frases do dia
“Fico perplexo como é que a investigação desconsiderou esta escuta. Não consigo perceber. Depois de ter sido ouvido como testemunha o juiz Carlos Alexandre, que relatou às senhoras procuradoras que lhe tinha sido dito pelo amigo que tinha sido o Dr. Proença de Carvalho que tinha tratado da revogação do contrato de promessa de trabalho. Tinham no processo o depoimento de um magistrado que desconsideraram, tinham uma escuta. Arrisco dizer que criminosamente desconsideraram.” (Paulo Blanco sobre a escuta a Proença de Carvalho)
“Tínhamos ido buscar a nossa filha ao colégio e ela disse que queria um corte de cabelo novo para o aniversário. A mãe ligou para o cabeleireiro, que é em Algés, e fomos lá. E a minha sogra, que vive connosco uma grande parte do ano, tinha nessa noite — tem todas as quintas-feiras — um compromisso religioso, porque é testemunha de Jeová, e não podia ficar com a nossa filha. Mas eu disse que passava lá para o cumprimentar e conhecer a pessoa. Foi ele que me disse que tinha sido o Dr. Proença de Carvalho a tratar da revogação do contrato.” (Paulo Blanco sobre como soube que tinha sido Proença de Carvalho a tratar da revogação do contrato entre Orlando Figueira e a Primagest)
Decisões importantes
O coletivo de juízes vai esperar pela resposta ao pedido enviado ao Millennium BCP para notificar Carlos Silva de que deverá comparecer em tribunal antes de se pronunciar sobre que medidas tomar.
Quem foi ouvido
Paulo Blanco continuou a contestar a acusação. Orlando Figueira foi chamado a esclarecer vários pontos.
Quando é a próxima sessão
Terça-feira, 6 de fevereiro.
Paulo Blanco continuou ainda contando que foi pelo magistrado Paulo Gonçalves que soube pela primeira vez que tinha sido Proença de Carvalho a tratar da revogação daquele contrato. “A primeira vez que eu soube foi na véspera dos anos da minha filha, a 18 de fevereiro de 2016”, disse Paulo Blanco, lembrando que nessa noite Paulo Gonçalves, com quem tem “uma boa relação”, foi jantar num restaurante perto do seu escritório “com uma senhora”, e que lhe telefonou para o convidar a juntar-se a eles.
“Eu disse que não, que naquele momento estava em Algés. Tínhamos ido buscar a nossa filha ao colégio e ela disse que queria um corte de cabelo novo para o aniversário. A mãe ligou para o cabeleireiro, que é em Algés, e fomos lá. E a minha sogra, que vive connosco uma grande parte do ano, tinha nessa noite — tem todas as quintas-feiras — um compromisso religioso, porque é testemunha de Jeová, e não podia ficar com a nossa filha. Mas eu disse que passava lá para o cumprimentar e conhecer a pessoa. Foi ele que me disse que tinha sido o Dr. Proença de Carvalho a tratar da revogação do contrato”, disse.
Encontro na Gare do Oriente provoca tensão
Esta nona sessão do julgamento da Operação Fizz ficou marcada por um desentendimento entre Paulo Blanco e Orlando Figueira sobre a investigação à sociedade Edimo, um dos processos no centro da polémica, e sobre um parecer de um perito no centro dessa reabertura. Segundo Paulo Blanco, foi Orlando Figueira quem o abordou para lhe “oferecer” um parecer, feito por um “perito do Porto”, que diz desconhecer.
Orlando Figueira manifestou a sua discórdia e o juiz mandou-o levantar-se para esclarecer a questão. O ex-procurador disse, então, que tinha sido Paulo Blanco, num encontro entre os dois na Gare do Oriente, em Lisboa, a dizer-lhe que, face à delicadeza do processo em curso, devia pedir um parecer a um perito. Paulo Blanco negou. “Eu não apanho comboios na Gare do Oriente, tenho a estação de Entrecampos junto ao meu escritório e quando preciso de apanhar comboios para o norte ou centro, apanho lá”, disse.
Orlando Figueira tornou a insistir que o encontro aconteceu num café à beira-rio junto à Gare do Oriente, quando Paulo Blanco regressava de uma viagem à região norte. Orlando Figueira disse ainda que Paulo Blanco lhe entregou documentos relativos à investigação do Ministério Público à sociedade Edimo, que lhe tinham sido apreendidos no processo e que teriam sido usados como base para o parecer, mas o advogado negou, dizendo que Orlando Figueira precisava de justificar o facto de estar na posse daqueles documentos e que o estava a fazer afirmando que tinham tido origem em si.
“O que interessa é que existem documentos que foram apreendidos, o Dr. Orlando Figueira diz que lhos entregou, o senhor diz que não entregou”, resumiu o juiz Alfredo Costa. Durante um intervalo na audiência, Orlando Figueira e Paulo Blanco discutiram um com o outro, visivelmente indignados.
Mandado de notificação de Carlos Silva veio devolvido
Na sessão desta segunda-feira, que decorreu apenas durante a tarde, soube-se ainda que o mandado de notificação enviado ao empresário Carlos Silva para o Banco Privado Atlântico Europa (de que é presidente do Conselho de Administração) veio devolvido, por Carlos Silva “não viver lá”. O coletivo de juízes determinou que deverá esperar-se pela resposta a uma carta semelhante enviada para o Millennium BCP, devendo depois pronunciar-se sobre que medidas tomar para notificar Carlos Silva para que venha a tribunal testemunhar presencialmente.
Na sessão, a defesa de Orlando Figueira pediu ainda a alteração da medida de coação a que o arguido está sujeito — prisão domiciliária –, decisão sobre a qual o Ministério Público se deverá ainda pronunciar, antes de qualquer decisão do tribunal.
Caso Fizz. “A verdade é só uma”, mas em julgamento já há três