Rui Rio lembrou este domingo o sketch de Raul Solnado em que o soldado chega à guerra quando a guerra ainda estava fechada. A ideia não era justificar as férias e o silêncio no mês de agosto, mas sim lembrar os “gatunos” que levaram armamento de Tancos: “Os gatunos chegaram à guerra e estava fechada, aproveitaram para levar o que levaram”, gracejou.

Na rentrée na Universidade de Verão do PSD, em Castelo de Vide, o presidente do PSD elegeu dois alvos para o combate que tem pela frente: a comunicação social e o Governo. Mas sem dispensar uma pequena guerra com o Ministério Público sobre o roubo de armamento em Tancos. Numa semana em que foi pressionado a pronunciar-se sobre a recondução de Joana Marques Vidal, o líder da oposição criticou o atraso na acusação do Ministério Público sobre Tancos ao defender que “já vai para lá do tempo” e que é, neste momento, mais importante exigir respostas do MP do que ao Governo. Para Rio, “há coisas muito mais complicadas de investigar do que isto e que (…) não há meio de vir a público a acusação correta.”

Sobre Tancos, Rio disse saber mais sobre o assunto do que estava a contar e lamentou perceber que em Portugal “afinal, pode-se assaltar armamento militar, como se assalta um jardim para roubar umas galinhas.” O líder da oposição diz que já não vale a pena questionar o Governo porque este “não tem respostas” para dar, mas sim exigir ao Ministério Público que faça rapidamente a investigação. Isto porque, “para além da responsabilidade política, há responsabilidade de quem roubou” e essa é preciso apurar. Rio foi até ao ponto de dar detalhes sobre o caso e de deixar suspeições no ar, dizendo que a PJ militar, quando encontrou o armamento em Santarém, “chamou a GNR de Loulé em vez de chamar a de Santarém.”

Sabendo da pressão interna para defender a recondução de Joana Marques Vidal, Rio antecipou que esta crítica ao Ministério Público é “politicamente e conjunturalmente menos correta.” Minutos antes, tinha até ouvido a líder da JSD a defender, à sua frente a recondução da atual Procuradora-Geral da República.

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Além das críticas ao Ministério Público, Rio referiu-se também à comunicação social como estando de costas voltadas para o interesse público. O presidente do PSD avisou que vai “quebrar o politicamente correto” e o “mediaticamente correto“, que passa por “seguir a agenda política dos grandes meios de comunicação”. Até porque se fizesse um “discurso oficial e by the book” estaria a contribuir para que tudo ficasse na mesma. Rio explicou que se no “quotidiano” reagisse às notícias de atualidade, em vez de “servir o interesse público”, estaria a servir os “meios de comunicação social” que agem “em nome das vendas e do lucro.” E, portanto, não da verdade.

Rio disse ainda que não tem “medo dos títulos” e que vai seguir com a mesma estratégia, pois não “recua” e avisou ainda os alunos da Universidade de Verão para estarem atentos ao que considera ser o objetivo das notícias:”As manchetes não existem para que haja melhores partidos, existem para vender.”

Rui Rio quis depois fazer de comentador do próprio discurso, enviando indiretas a Marques Mendes. Afinal, hoje é domingo, dia do comentário do antigo líder na SIC. “Então trazemos aqui um comentador. Ele vai dizer: ‘Ele, portanto eu, não disse nenhum soundbite, nenhuma promessa, nenhuma crítica aos outros. E que assim não vamos lá, assim o partido não descola”, disse Rui Rio numa irónica auto-crítica. Disse ainda, minutos depois, que ouviu um comentador a admitir que estava “carregado de razão” , mas que não tinha “jeito” para político por defender estas bandeiras. E sugeriu aos alunos, que foram aplaudindo o discurso: “Não oiçam o comentário, oiçam-me a mim.”

O endividamento é o diabo, segundo Rui Rio

Depois do exercício de comentador político do próprio discurso, Rio percebeu que não tinha feito ataques ao Governo na primeira meia hora do discurso (que durou 53 minutos). E se as críticas ao Governo sobre Tancos foram ténues (para enfatizar a falha do MP), outras foram feitas como tiros de metralhadora. Para o presidente do PSD “o Governo não tem uma estratégia de crescimento económico sustentado”. Rui Rio defende que “crescimento tem de ser feito pelo investimento e pelas exportações”, já que o “consumo privado é a consequência de uma economia saudável”.

O atual presidente do PSD não diz que vem aí o diabo, como fez o seu antecessor, mas adverte que “está à vista o endividamento crescente das famílias“, que é uma “causa-efeito do reforço do consumo”. Mas, claro — sugerindo mais uma vez a incompetência da comunicação social — “ainda não veio nos jornais”. Rui Rio pede assim muita atenção ao Banco de Portugal, que tem estar atento ao caminho e não permitir que se coloque “o carro à frente dos bois”.

Quanto a propostas para o tal crescimento sustentado, Rui Rio diz que o Governo “devia estar a atender à carga fiscal, olhar para a legislação fiscal, melhorar a formação profissional, melhorar o funcionamento da justiça, olhar para a legislação laboral, promover medidas de captação da poupança” e não andar apenas a aproveitar as “folgas” que o crescimento dá.

Rio desvalorizou ainda a medida de Costa de reduzir o IRS em 50% para quem tenha emigrado entre 2011 e 2015 e regresse ao país porque defende que, mesmo com incentivo, os jovens não vão regressar, porque “não têm bons salários”. Quanto ao emprego, Rio aplaude que tenha que crescido, mas adverte que “subiu mais que a produção”, o que significa que “baixou a produtividade”. Ora, com “baixa produtividade não há bons salários.”

Rio acusou o Governo de “plantar o caos” para impor a “medida simpática” de reduzir as 40 horas na Função Pública para as 35. Disse ainda que o executivo tem a maioria da TAP, mas não se preocupa com o interesse público da companhia aérea e criticou uma CP “sem qualidade de serviço.”

Apesar de todos os problemas que enumerou, o presidente do PSD sabe que estes vão “ter muito pouco efeito até às legislativas do próximo ano“. Ainda assim, Rio destacou que o líder da oposição pode ter, em alguns casos, um papel mais importante que o primeiro-ministro: “Uma reforma da justiça só é possível no dia em que o líder da oposição quiser. O primeiro-ministro quer sempre fazer uma reforma da justiça. Mas o que acontece: o líder da oposição olha e pensa: ‘apoio este fulano e ele é que fica com os louros’. Por isso, só haverá reforma da justiça enquanto o líder da oposição quiser. Ainda não vi nenhum a querer. Se sou eu que estou neste momento líder da oposição, há que sentir o peso desta responsabilidade”.

Rio alertou ainda que para fazer uma reforma do sistema político ou da Segurança Social é preciso ter acordos com outros partidos, defendendo que para fazer “alguma coisa pelo país” é necessário promover esses consensos.

Rui Rio acredita que os portugueses vão entender isso, ao contrário do que sugerem os seus críticos internos, já que “quem está fechado nos corredores da política, não sabe o que as pessoas querem lá fora. E acrescenta: “Lá fora não querem que eu seja contra os outros. Se tiver que ser contra, sou contra, se tiver que ser a favor, sou a favor. Mas sou é a favor do país“.

Após o discurso, e ao contrário do que aconteceu nos últimos anos com Passos Coelho, Rui Rio fez questão de ficar no Hotel Sol e Serra, a almoçar com alunos e ex-alunos da Universidade de Verão, num habitual almoço volante que encerra definitivamente o evento.