Uma campanha dos médicos nos Estados Unidos da América contra a venda de armas semi-automáticas está a dar que falar. Os médicos estão a publicar imagens nas redes sociais para mostrar o que significa lidar com vítimas de tiroteios. Na origem deste movimento, está um tweet publicado pela NRA — National Rifle Association of America.
A NRA escreveu no Twitter, no passado dia 7 de novembro, que os médicos não tinham nada que ver com a venda e o uso de armas semi-automáticas. Que é como quem diz: este assunto não é da vossa conta, ponham-se no vosso lugar, o de médicos.
Someone should tell self-important anti-gun doctors to stay in their lane. Half of the articles in Annals of Internal Medicine are pushing for gun control. Most upsetting, however, the medical community seems to have consulted NO ONE but themselves. https://t.co/oCR3uiLtS7
— NRA (@NRA) November 7, 2018
O tweet da NRA surgiu em resposta ao Colégio Americano de Médicos, que deu a conhecer a sua posição num documento publicado, no dia 30 de outubro, em relação à violência de armas. A posição dos profissionais de saúde era clara: as armas de fogo semi-automáticas deveriam ser proibidas. Os médicos sublinharam também a sua “responsabilidade especial” em falar sobre a prevenção dos ferimentos relacionados com estas armas, defendendo uma regulamentação mais apropriada sobre a posse de armas legais.
Em resposta ao tweet da NRA, os médicos publicaram imagens que podem ferir os mais sensíveis, mas que mostram algo que faz parte do seu dia-a-dia. Nas fotografias, os profissionais mostram como cuidam dos seus pacientes vítimas de tiroteios e, através de mensagens de vídeo, falam sobre qual é o impacto que as armas têm no seu trabalho.
Stephanie Bonne, cirurgiã geral, da Universidade de Medicina de New Jersey, foi uma das primeiras médicas a responder ao tweet da NRA, contando a sua experiência profissional.
É muito trágico o que vemos todos os dias; termos de falar com as famílias vezes sem conta é sempre uma tragédia. E nunca se torna mais fácil. Nunca se fica indiferente ao que se passa”, afirmou Stephanie Bonne.
A cirurgiã diz que há uma intimidade intrínseca entre as vítimas e quem cuida delas com as próprias mãos. Por isso, defende que os médicos estão numa posição excecional para estudar estes problemas e para aplicar os princípios de saúde pública para os resolver. Além de Stephanie, vários foram os médicos que responderam à NRA com fotografias, de forma rápida e furiosa. As imagens acabaram por se tornar virais, como foi o caso de Dave Morris, outro cirurgião:
Can’t post a patient photo…. so this is a selfie.
This is what it looks like to #stayinmylane. @NRA @JosephSakran pic.twitter.com/bVPtXH9oXn
— Dave Morris (@traumadmo) November 10, 2018
Segundo a BBC, David Morris, de 42 anos, disse: “a menos que tenhas tido o coração de alguém a bater nas tuas mãos, não podes dizer-nos o que é ou não da nossa conta”. O cirurgião explicou ainda que as pessoas precisam de ver a realidade com a qual eles lidam todos os dias; uma realidade na qual, muitas vezes, ficam presos com os velhos argumentos filosóficos sobre violência armada.
Este é o espaço de um médico. Nós é que pertencemos a este espaço, por isso este assunto é exatamente da nossa conta”, afirma Stephanie.
As histórias pessoais e as diversas fotografias sangrentas que chegaram ao público foram partilhadas centenas de vezes, fomentando mais uma vez o debate sobre a realidade de violência armada em que os EUA vivem.
I am a trauma surgeon. This is what it looks like. #StayInMyLane #ThisisMyLane pic.twitter.com/aHb8SCHiuv
— Kathrine Holte, MD (@kathrineholte) November 10, 2018
A campanha dos médicos norte-americanos é a mais de recente de uma série de protestos organizados contra as armas semi-automáticas de uso militar. Em março deste ano, uma associação de militares veteranos gravou um vídeo a favor de leis mais restritas ao acesso a estas armas.
No vídeo, que se tornou viral na internet, elementos das principais forças militares dos EUA (incluindo dos marines, dos famosos Seal ou dos pára-quedistas) dizem que estas armas foram criadas, especificamente, para matar pessoas (e não para caçar), pelo que não faz o mínimo sentido que se continue a permitir a sua venda ao público em geral.
Segundo dados conhecidos, a violência relacionada com o uso de armas de fogo faz com que 8.300 crianças vão parar ao hospital todos os anos nos EUA. Quanto ao número de mortes na América, este é maior do que o registado no Médio Oriente.
A revolta que os médicos mostraram nas redes sociais levantou uma onda de indignação pelo Twitter. Há já centenas de pessoas a usar o hashtag #ThisIsOurLane, sendo que se trata, na sua maioria, de tweets de provocação dirigidos à NRA. O tweet da NRA, por sua vez, foi publicado horas antes de um tiroteio na Califórnia, no dia 8 de novembro, que fez 12 mortos.
https://observador.pt/videos/atualidade/havia-sangue-por-todo-o-lado-o-testemunho-das-vitimas-do-tiroteio-na-california/