O terreno não era propriamente hostil — o da Associação 25 de abril em Lisboa onde o primeiro-ministro almoçou esta quarta-feira –, mas nem por isso António Costa saiu confortado com duas palmadinhas nas costas e votos de boa maioria absoluta nas eleições que aí vêm. O socialista ouviu o presidente da associação, Vasco Lourenço, desejar precisamente o contrário: que vença as eleições, sim, mas sem a tal maioria. Nesse campo, Costa preferiu não fazer futurologia, guardou-a para apontar a outros horizontes: os dos riscos que podem fazer constipar o país. Ou até levar à pneumonia.

Começou por discordar de Vasco Lourenço quando este se referiu ao país como “um oásis”. “Não somos um oásis”, contrariou Costa que aponta mesmo os dois principais riscos que se avizinham para o crescimento sustentável da economia que tem por objetivo: o primeiro é o Brexit, porque “o Reino Unido é o nosso melhor cliente e qualquer perturbação nessa relação afetas as exportações e a produção” nacionais, o segundo é a “guerra comercial entre os Estados Unidos e a China que pode ter efeito no comércio internacional”. Conclusão: “Temos de continuar a ter cautela suficiente para não nos pormos numa corrente de ar, apanharmos uma gripe que se transforme numa pneumonia”.

É essencial manter as boas condições de investimento, mas ao mesmo tempo precavermos contra qualquer acidente”, avisou ainda sobre os riscos em causa.

“Geringonça forever”, mas sem pressas. E o alerta para a dispersão à esquerda

Um diagnóstico que surgiu neste almoço, integrado no ciclo dos “Animados Almoços” — uma parceria da rede social Ânimo (dinamizada pelo ex-assessor do PS e artista plástico António Colaço) e a Associação 25 de abril — e onde na plateia muito se elogiou a “geringonça”. “Geringonça forever”, gritou um dos presentes na sala — onde também se contava o antigo secretário geral da CGTP Manuel Carvalho da Silva — quando Vasco Lourenço desejava que o PS, nas próximas legislativas, “não atinja a maioria absoluta” para que se repita “uma solução que tem dado boas provas”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Costa não deixou a sua solução governativa por menos e atribui-lhe mesmo responsabilidade pela inexistência de “uma corrente populista como já apareceu noutros países da Europa”. “O que tem acontecido na Europa é que os sistemas não têm conseguido encontrar alternativas. Nós fomos capazes de encontrar uma solução”, (auto) elogiou.

A autoria da solução é sua e remonta a 2015, mas na cabeça do líder socialista mantém-se a vontade de a reeditar em 2019. Já o disse publicamente e, esta quarta-feira, repetiu o desejo ao dizer que “a melhor prova final da bondade da atual solução governativa é não só que ela conclua bem a legislatura como também que ela se possa renovar para o futuro”. Ou seja, que continuem de boas relações até ao fim, sem cederem à “pressa final de cada um começar a contar ganhos e perdas eleitorais e, por calculismo injustificado, pôr em causa o que foi um fator de enriquecimento da democracia”. Uma no cravo, outra na ferradura de uma geringonça que Costa teme que entre em nervosismo eleitoral.

Um frenesim a que Costa, na verdade, também não se mostra completamente imune, sobretudo quando perante ele está uma sala assumidamente de esquerda, mas pouco ou nada entusiasmada com uma maioria socialista. A esses deixou uma chamada de atenção e talvez o primeiro apelo ao voto da temporada: “Convém que para evitar um resultado [a maioria absoluta], não se tenha um resultado que não desejamos [que o PS não tenha um resultado relevante]”. Ou seja, cuidado com a dispersão de votos à esquerda.

O outro Mourinho das Finanças

Foi só já na parte das perguntas dos participantes no almoço, que se falou diretamente do Governo e dos seus membros. Uma das questões trouxe uma análise aos “muitos Ronaldos que existem no Governo”, com um participante do almoço a explicar que se referia a Augusto Santos Silva e “ao outro Silva”, José António Vieira da Silva. Quanto a Costa, referiu “é o Mourinho”.

Mas a distribuição de estrelas do futebol não encheu as medidas do primeiro-ministro: “Temos muitos Ronaldos no Governo, mas temos um Mourinho dentro do Governo”, contrapunha. Por esta altura, o seu interlocutor fazia saber que se tinha esquecido de Mário Centeno, “também um Ronaldo”, mas Costa ia embalado na aposta noutro player da governação: “Um dos secretários de Estado de Centeno é precisamente um Mourinho e portanto iremos, concerteza, conservar os Ronaldos, mas também os Mourinhos”. O secretário de Estado Adjunto e das Finanças é Ricardo Mourinho Félix (primo do treinador José Mourinho) que, desde que Centeno assumiu a presidência do Eurogrupo o substitui, sempre que necessário, no Ministério das Finanças. António Costa já parece lançado em contas eleitorais, mas não só.