“Nicolás, a 10 de janeiro, este parlamento não te ajuramentará.” Com uma frase, cinco dias antes da tomada de posse de Nicolás Maduro como presidente da Venezuela, Juan Guaidó afirmava-se como opositor declarado — e, dizem alguns, corajoso — do homem que se preparava para começar um novo mandato. Logo na altura, muitos anteviram consequências graves para o quase desconhecido (internacionalmente) presidente da Assembleia Nacional, o parlamento venezuelano, pelo desafio ao líder autoritário. Três dias depois do tal 10 de janeiro, Guaidó era detido pelos serviços secretos — e libertado, meia hora depois, sem que fossem tornados públicos os motivos da detenção.

Venezuela. Líder do parlamento, opositor de Maduro, detido pelos serviços secretos

Os agentes responsáveis pela detenção seriam, depois, afastados e Maduro ironizaria sobre o discurso na televisão, garantindo que muitos venezuelanos iriam perguntar “o que era esse Guaidó”, mas já nada poderia apagar essa declaração — ou ameaça — de força: para Guaidó, Maduro era um “usurpador” das funções de chefe de Estado, porque as eleições que supostamente o elegeram foram uma fraude e a oposição no parlamento não lhe permitiria manter-se no poder. Palavras cumpridas esta quarta-feira, quando o jovem deputado se auto-proclamou Presidente interino da Venezuela.

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O jovem que carrega as esperanças da oposição

Nascido numa cidade portuária a cerca de 20 quilómetros de Caracas, La Guaira, em 1983, Juan Gerardo Guaidó Márquez tinha apenas 16 anos quando a família sobreviveu a um deslizamento de terras, no estado de Vargas, onde viviam, que matou mais de 30 mil pessoas. A história é repetida ainda hoje por aqueles que o descrevem como um lutador.

Anos depois, formava-se como engenheiro (com uma passagem pelos Estados Unidos) e afirmava-se como líder do movimento estudantil, lado a lado com outras caras da oposição ao chavismo, como Freddy Guevara. O amigo dessa época, agora refugiado na residência oficial do embaixador do Chile, em Caracas, onde procurou asilo, fala de Guaidó como “um eterno optimista, humilde e sincero”, que não tem “o perfil típico de um político”. Em entrevista ao telefone com o The Guardian, Guevara explicava o porquê da avaliação: “Ele dá-se com toda a gente”.

Esses tempos terão sido, aliás, os da estreia política do agora presidente da Assembleia Nacional, profundamente envolvido na contestação a Hugo Chávez, antecessor de Maduro, quando aquele procurava mudar a Constituição para consolidar — ainda mais — o seu poder. O crescimento político que se seguiu foi feito pela mão de Leopoldo Lopez, uma das figuras da oposição venezuelana — posto em prisão domiciliária em 2014.

O afastamento de nomes como Lopez ou Guevara não é, aliás, estranho à ascensão de Juan Guaidó. Deputado desde 2015, pelo estado onde nasceu, o jovem acabaria por tornar-se líder da coligação de partidos “Vontade Popular”, na impossibilidade de os outros o fazerem. Dali foi um passo até à presidência do parlamento, que vai rodando, a cada ano, pelas várias forças políticas. Com 35 anos, a 5 de janeiro de 2019 Guaidó tornava-se o mais jovem de sempre a assumir aquelas funções.

Depois do discurso desse dia — e de todas as declarações de desafio a Maduro que se seguiram — foram vários os que alertaram para o que poderia vir por aí. David Smolansky, por exemplo, igualmente obrigado a fugir da Venezuela por causa da oposição ao Governo, destacava, na altura, a coragem do homem que agora desafia Maduro. “Ele teve uma coragem incrível e agora corre o risco de ser preso, torturado ou obrigado a ir para o exílio. Mesmo assim, decidiu avançar. Ele faz parte da minha geração — uma geração corajosa que cresceu numa ditadura”. O regime que agora tenta fazer cair.

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