Quarenta e nove pessoas morreram e pelo menos 48 ficaram feridas (20 em estado grave) num ataque terrorista a duas mesquitas em Christchurch, Nova Zelândia nesta sexta-feira, havendo já quatro pessoas detidas, três homens e uma mulher. O momento dos disparos foi transmitido em direto no Facebook de um dos atiradores (conta que entretanto foi apagada), Brenton Tarrante, de 28 anos.

Tarrante foi ouvido em tribunal e presente ao juiz Paul Kellar, do tribunal distrital, na madrugada deste sábado, que lhe leu uma acusação de homicídio. Entrou no tribunal algemado e acompanhado por dois polícias e esteve perante o juiz cerca de um minuto. Vai regressar a tribunal a 5 de abril.

A primeira-ministra neozelandesa Jacinda Ardern disse esta sexta-feira que este é “um dos dias mais negros da Nova Zelândia”. Foi precisamente a líder neozelandesa a caracterizar o ataque como sendo um caso de terrorismo com motivações racistas e associado a movimentos de supremacia branca. “Um ato de violência sem precedentes que não tem lugar na Nova Zelândia”, segundo Arden.

[Vídeo: Como aconteceu o atentado mais mortífero da Nova Zelândia?]

O jornal New Zeland Herald noticiou que um dos atiradores transmitiu em direto durante 17 minutos o momento em que disparou sobre as pessoas que se encontravam no interior de uma das mesquitas.

Os episódios, com início às 13h40 (00h40 em Lisboa), aconteceram nas mesquitas de Al Noor, em Hagley Park, e de Linwood Masjid, existindo informações de vários atiradores, noticiou o jornal New Zeland Herald, num momento em que as forças policiais citadas pelo jornal The Guardian informaram que há uma bomba num carro em Strickland Street, numa rua localizada a cerca de três quilómetros da mesquita de Al Noor.

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Segundo o comissário Mike Bush, “um homem foi acusado de homicídio” e vai ser presente a tribunal pelos ataques contra as mesquitas, situadas no centro da cidade de Christchurch. O suspeito, com idade entre os 20 e os 30, responderá em tribunal no sábado de manhã. De acordo com o mesmo Bush, as autoridades desativaram uma série de engenhos explosivos improvisados encontrados num veículo após os disparos numa das mesquitas.

Christchurch é a maior cidade da Ilha Sul da Nova Zelândia e a terceira maior cidade do país com cerca de 376.700 habitantes, localizada na costa leste da Ilha Sul ao norte da Península de Banks. É a capital da região de Canterbury.

Os feridos e as condições em que se encontram

“Os ferimentos variam de graves a leves”, disseram num comunicado as autoridades de saúde em Canterbury, a região onde a cidade de Christchurch está localizada.

Cerca de dez feridos tiveram de ser operados de urgência no hospital depois do ataque. As mesmas fontes acrescentaram que outros pacientes foram encaminhados para outros centros da comunidade.

As autoridades de saúde afirmaram que cerca de 200 pessoas estão no hospital à espera de notícias sobre os familiares.

Um total de 41 vítimas foram mortas no tiroteio na mesquita de Al Noor, enquanto outras sete foram mortas na mesquita de Linwood e uma outra pessoa foi declarada morta no hospital.

Os primeiros testemunhos do ataque

Relatos de testemunhas já começam a surgir e uma delas, citado em anonimato pela CNN, dá conta do momento em que tudo começou. “Eu virei-me para abrir a porta da casa-de-banho e começaram a disparar. Eu só perguntei ‘o que se está a passar?’ e ele continuaram a disparar e disparar.” A mesma testemunha afirmou ainda que só conseguiu fugir porque partiu uma janela enquanto os disparos se sucediam.

[“Ele mudou de cartuchos 7 vezes”. Os sobreviventes do ataque na Nova Zelândia]

Outro relato, citado pela mesma cadeia noticiosa norte-americana, afirma ter “rezado” para que o atirador “ficasse sem balas”. “Só pensava que ele teria de ficar sem balas, eventualmente, por isso limitei-me a esperar e a rezar para que Deus esgotasse as munições”. A mesma pessoa diz ter visto um dos atiradores a pedir a um homem para ficar sossegado antes de o ter baleado “em cheio no peito.”

“Tudo isto simplesmente não parece real”, conta à mesma CNN uma mãe que ainda aguarda por notícias do seu filho, que estava numa das mesquitas atacadas. Rosemary Omar mantém-se à espera de saber o que é feito do seu filho de 24 anos, Tariq. Ela tinha acabado de o deixar à porta de uma dos locais de culto e estava a chegar ao parque de estacionamento do mesmo espaço quando ouviu vários tiros. Regressou imediatamente à porta principal da mesquita e viu logo “montes de corpos”. “O nosso filho não atende o telefone, estamos à espera de novidades dele há algum tempo”, afirmou Rosemary. A policia já lhe terá dito para continuar a aguardar novidades mas, por enquanto, sente-se “completamente morta” e “dormente” por não saber se o filho esta vivo ou não.

A equipa de críquete do Bangladesh que está em Christchurch para defrontar a Nova Zelândia estava a chegar à mesquita de Hagley Park para a oração diária quando o tiroteio começou, mas conseguiu abandonar o local sem que qualquer dos jogadores tenha sido atingido pelos disparos. Num relato à ESPN, o treinador da equipa do Bangladesh conta que só no autocarro da equipa iam 17 elementos da equipa e que estavam a menos de 50 metros da mesquita quando viram que algo não estava bem. “Podemos dizer que tivemos muita sorte. Se tivéssemos chegado três ou quatro minutos antes, provavelmente estaríamos na mesquita o momento do ataque (…). Conseguimos ver pessoas ensanguentadas a cambalear para fora da mesquita. E durante cerca de oito a 10 minutos ficámos dentro do autocarro, de cabeças baixas para o caso de alguém disparar contra nós.”

A identidade de um dos suspeitos e o manifesto de  páginas

O atirador que transmitiu um dos ataques em direto já terá sido identificado como Brenton Tarrant, um australiano de 28 anos que, através das redes sociais, terá divulgado um extenso manifesto onde identifica as motivações por trás dos ataques de Christchurch — o documento não está assinado. Ao longo do dito manifesto são latentes fortes inclinações anti-imigração e anti-religião muçulmana.

No explícito vídeo gravado por Tarrant é possível ver que o australiano usava uma farda de estilo militar, com insígnias alusivas ao imaginário supremacista branco, e empunhava armas completamente forradas de nomes e referências escritos a branco. Entre elas destacam-se nomes como o de Gaston IV, o visconde de Béarn (chamado de “O Cruzado” pela sua participação na primeira Cruzada), o de Charles Martel (governante francês que em outubro de 723 venceu exércitos muçulmanos na batalha de Tours) o à  batalha de Vienna, conflito armado que envolveu forças do Sacro Império Romano-Germano e teve o império Otomano como adversário.

Brenton Tarrant, o australiano de 28 anos, supremacista branco, que é apontado como um dos atiradores

O número “14” também aparece várias vezes assinalado no armamento do alegado atirador e essa será, talvez, a referência mais contemporânea aos ideais racistas da supremacia branca. As “fourteen words” [14 palavras] é como é conhecido o mantra criado pelo supremacista branco David Lane, líder do violento movimento The Order, e remete à frase “We must secure the existence of our people and a future for white children” — “Temos de assegurar a existência do nosso povo e o futuro das crianças brancas”, em português. Esta referência é muitas vezes usada por grupos de neo-nazis, supremacistas brancos e outros movimentos de extrema direita. Já foi utilizada por vários terroristas como os responsáveis pelo tiroteio num templo sikh em Wisconsin (EUA, 2012), o ataque na igreja de Charleston (EUA, 2015) omais recente tiroteio na sinagoga de Pittsburgh (EUA, 2018).

Primeira-ministra diz que país é a casa dos imigrantes, não do atacante

Numa conferência de imprensa onde definiu este como um dos dias “mais negros da história” do país a primeira-ministra disse que muitas pessoas afetadas podem ser migrantes ou refugiadas “que escolheram fazer da Nova Zelândia a sua casa”.

“Esta é a sua casa. Elas são nós. A pessoa que perpetuou essa violência contra nós não é”, frisou.

A polícia neozelandesa aconselhou as pessoas a não se deslocarem a qualquer mesquita no país e para permanecerem dentro de suas casas numa fase inicial mas essa proibição já foi levantada.

O relato de uma portuguesa em Christchurch

Sofia Silva é portuguesa e vive há dez anos na cidade que hoje foi parar às bocas do mundo pelas piores razões possíveis: foi palco de dois ataques armados que tiveram como alvo os fiéis muçulmanos que rezavam nas mesquitas de Al Noor e de Linwood. “Estou chocada” — é desta forma que Sofia começa o depoimento escrito que enviou ao Observador sobre os acontecimentos desta sexta-feira. “Nunca esperei que um ataque com este nível de violência e baseado neste tipo de ideologia acontecesse na Nova Zelândia, muito menos em Christchurch”, prossegue explicando.

Segundo a mesma, os neozelandeses são “um povo acolhedor e tolerante” e isso faz com que a vida nesse país da Oceânia seja “pacífica e pacata”, de tal forma que Sofia chega a afirma nem sequer haver zonas da cidade mais perigosas, “o que é raro em qualquer cidade do mundo.” Apesar disso, é realista ao afirma que “o racismo está presente em todas as culturas, incluindo a Neozelandesa”, algo que não invalida que existissem zero indícios de o país reunisse “condições para este tipo de crime.”

Notoriamente abalada, Sofia deixa o repto de que “este ataque não representa” o “país e o seu povo”. Segundo a mesma,  “demonstra, sim, a vulnerabilidade de um mundo que dá voz, plataforma e poder à pequena percentagem de seguidores de ideologias desumanas, retrógradas, baseadas no preconceito e na divisão.”  “A isto, nemo paraíso está imune” — afirma.

É com uma chamada de atenção que termina o seu testemunho: “Talvez o que mais me choque são os comentários nas redes sociais, onde pessoas comuns que não vivem cá justificam o ataque dizendo que a comunidade muçulmana colheu o que semeou. Estes muçulmanos procuraram refúgio neste país pacífico. Se os terroristas não fossem brancos, seria diferente. Os comentários que fazemos online têm consequências. É isto tipo de xenofobia que dá poder a extremistas. O povo Neozelandês é dos mais solidários que conheço e sem dúvida que nos próximos dias juntaremos forças para ultrapassarmos esta tragédia e apoiar a comunidade muçulmana.”

Portugal manifesta solidariedade para com a Nova Zelândia

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, endereçou hoje as condolências à Nova Zelândia pela morte de pelo menos 49 pessoas em ataques a duas mesquitas em Christchurch, falando num “ataque gravíssimo” ao estado de direito.

“Já tive oportunidade de enviar ao senhor governador geral da Nova Zelândia as minhas condolências em nome do povo português, testemunhando a solidariedade perante aquilo que foi um ataque gravíssimo ao estado de direito democrático”, afirmou aos jornalistas à entrada para a conferência “A Europa e o Presente”, organizada pelo jornal Público, no Porto.

Além de testemunhar “consternação e a dor”, o chefe de Estado mostrou ainda a sua solidariedade perante este tipo de atos que são “a todos os títulos condenáveis” por parte das democracias e daqueles que defendem a liberdade, o pluralismo e o diálogo nas relações entre os povos.

Já o ministro da Defesa reagiu no Twitter, onde considerou que “os ataques terroristas a duas mesquitas são uma tragédia terrível, num país que até agora desconhecia a violência racista e anti-imigrante”. João Cravinho termina a manifestar “toda a solidariedade” de Portugal com a Nova Zelândia.

(em atualização)