Bremen sempre foi o maior bastião do Partido Social-Democrata (socialistas, SPD na sigla original) na Alemanha. É uma cidade costeira, tradicionalmente de classe trabalhadora e de intelectuais, que dá repetidamente a vitória aos sociais-democratas. Tem sido assim desde 1946: são 73 anos de liderança incontestada. Mas 2019 veio alterar essa História — o que pode ter impacto a nível nacional, até na própria coligação de governo que une o centro-direita da CDU/CSU aos socialistas do SPD.

Pela primeira vez desde 1946, a CDU de Angela Merkel — que é agora liderada por Annegret Kramp-Karrenbauer — venceu em Bremen, cidade cuja liderança ia a votos este domingo, a par das eleições Europeias. De acordo com a sondagem à boca das urnas da cadeia de televisão ARD, citada pela agência Reuters, os conservadores obtiveram 25,5% dos votos em Bremen, acima dos 24,5% do SPD. Em 2015, nas eleições estaduais, os socialistas tinham alcançado 32,8% dos votos.

O resultado ilustra a tendência nacional que se registou nestas Europeias: vitória para a CDU e queda notória do SPD, que podem ver-se ultrapassados à esquerda pelos Verdes, a nível nacional. As primeiras projeções colocam a CDU com 28%, os Verdes com 22% e o SPD com apenas 15,5%.

Em Bremen, os sociais-democratas receberam a notícia com consternação. O candidato à liderança da cidade — e atual presidente de Câmara —, Carsten Sieling, descreveu os resultados como “uma total desilusão”, de acordo com a agência de notícias alemã DPA. Já o homem da CDU, o empresário das tecnologias de informação Carsten Meyer-Heder, sublinhou que a sua força política tem agora legitimidade para governar a cidade de Bremen. Durante a campanha, Meyer-Heder já tinha avisado, de acordo com a Reuters: “Este é o último bastião do SPD. Se eles perderam, isso enviará um sinal muito forte a nível nacional.”

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Bremen é o estado mais pequeno da Alemanha, com menos de 700 mil residentes. No entanto, o facto de ser liderada pelo SPD há tanto tempo faz com que a cidade assuma uma relevância política que a maior parte das cidades alemãs não tem, já que nunca nenhum outro estado alemão foi liderado pelo mesmo partido durante tanto tempo.

Ao longo dos últimos dias, o SPD começava a preparar-se para o cenário de derrota e tentava justificar o provável mau resultado. “O nosso eleitorado mudou muito”, declarou ao Politico Michael Roth, ministro da Europa e membro dos sociais-democratas. “Tradicionalmente, os trabalhadores votam em partidos da social-democracia, mas em tempos de globalização a estrutura social da Alemanha tem-se alterado.”

Esse pode ser um dos desafios, mas é um que surge em contra-ciclo com o que ocorre noutros países europeus como Portugal, Espanha ou Suécia, onde os sociais-democratas se mantêm na frente. O facto de Bremen ser uma cidade com um nível de desemprego de quase 10%, praticamente o dobro do registado a nível nacional, também poderá não ter favorecido o SPD.

“A perda do seu papel fulcral em Bremen é mais uma manifestação do declínio aparentemente sem fim do SPD”, avaliou à Reuters o diretor da consultora Teneo Carsten Nickel na noite eleitoral. “Em Berlim, os pedidos para que se abandone a coligação de Merkel irão aumentar de tom.”

O SPD faz atualmente parte da chamada “grande coligação” que junta a CDU/CSU (centro-direita) e o SPD (centro-esquerda) e que é uma repetição do que aconteceu no mandato anterior. Essa solução de governo, no entanto, ocorre em paralelo com uma queda acentuada dos sociais-democratas — que muitos dentro do partido creem ser provocada em parte pela participação no governo.

Durante a campanha eleitoral, a líder do SPD, Andrea Nahles, deixou claro que esta solução de governo “não está ameaçada por nenhum resultado” que pudesse surgir nestas eleições europeias ou na eleição de Bremen. Mas há quem questione se essa afirmação não poderá vir a ser desmentida depois desta noite eleitoral. Afinal, o maior partido da esquerda alemã pode ter sido definitivamente ultrapassado a nível nacional pelos Verdes. E não é todos os dias que se perde o controlo sobre um estado que era firmemente social-democrata há 73 anos.