A cidade de Toronto está a viver um verdadeiro sonho com a inédita chegada dos Raptors à final da NBA, naquela que é a primeira decisão de sempre com a presença de uma equipa canadiana. A Scotiabank Arena, com cerca de 20 mil lugares, tem lotação esgotada em todos os jogos e até uma espécie de Fan Zone com ecrãs gigantes criada perto do recinto para albergar mais fãs da equipa chega a ter enormes filas de espera que enchem também esse espaço. Mesmo partindo como outsiders, ganharam o primeiro encontro com os campeões Golden State Warriors, tiveram um eclipse no início da segunda parte do jogo 2 que lhes custou uma derrota caseira que empatou as contas mas conseguiram agora ir a Oakland recuperar a vantagem nesta série final com um triunfo por 123-109, numa partida onde os 47 pontos de Stephen Curry não chegaram para travar o coletivo de Kawhi Leonard e companhia. No entanto, o grande segredo deste inesperado sucesso está no banco: Nick Nurse.

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Em ano de estreia no comando dos Raptors, depois de cinco anos como adjunto de Dwane Casey, o técnico continua a revelar-se num estilo muito próprio que nem sempre resulta mas que é sobretudo compreendido por uma equipa de underdogs que teima em desafiar as leis da probabilidade nesta final. E um bom exemplo para mostrar o efeito Nurse em Toronto é exatamente uma inovação que não terminou da melhor forma mas que voltou a colocar a forma como vê o jogo em discussão.

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Depois de sair em vantagem ao intervalo no jogo 2, a formação de Toronto teve um apagão em termos ofensivos nos primeiros seis minutos da segunda parte e permitiu um parcial de 18-0 dos Warriors, onde todas as bolas lançadas acabavam em cesto concretizado. Para o último período, quando a equipa já tinha voltado a ganhar confiança para tornear uma desvantagem que chegou a ser de dois dígitos, Nurse chamou os jogadores e disse querer assumir uma defesa box and one. “Primeiro é preciso os jogadores acreditarem no que estão a fazer e percebi que estavam de acordo com a escolha que fiz nesse desconto tempo. Disse-lhes: ‘Estou a pensar no box and onde, o que acham?’ e o Kyle [Lowry] respondeu ‘Acho que vai funcionar, vamos nisso’. Isso divide um pouco toda a responsabilidade e faz com que estejamos todos na mesma página”, explicou o treinador.

A ideia passava por ter a marcação individual a um dos atiradores dos Warriors (Curry, porque o inspirado Thompson tinha sofrido entretanto um problema muscular) e quatro homens à zona, com dois mais na zona exterior e dois perto do garrafão. “Foi a primeira vez que vi isso na história da NBA. Não sei se funcionou ou não mas foi inovador e é preciso dar crédito por isso”, disse no final Kyle Lowry. “Já tinha sofrido essa marcação mas na altura do secundário. Vendo o vídeo, a tática teve efeito, foi um bom trabalho, mas não é algo em que se possa confiar durante muito tempo. Vi este tipo de marcação no secundário e na universidade mas na NBA não me lembro”, comentou Steve Kerr, treinador dos Warriors. A “revolução” não funcionou mas no jogo 3 veio a resposta, com os Raptors a passarem de novo para a liderança desta final. E com um outro ponto curioso: Nurse, que sempre foi um técnico mais talhado para trabalhar as ações ofensivas, tem brilhado sobretudo na defesa.

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Nascido em Carroll, no Iowa, Nick Nurse praticou inúmeros desportos durante a adolescência entre basquetebol, atletismo (no salto com vara), basebol e futebol americano (onde até se destacava mais do que nas restantes), ainda hoje tem o recorde da melhor percentagem de lançamentos triplos da Universidade de Northern Iowa mas enveredou muito cedo pela carreira de técnico, tornando-se com apenas 23 anos o mais novo treinador principal de uma equipa universitária no país quando assumiu a posição na Grand View University. Depois, a carreira a solo acabou por ter passagens pela Europa durante mais de uma década (seis equipas em Inglaterra, incluindo um posto como adjunto na seleção olímpica de 2012, Bélgica e Itália), cresceu na D-League – uma espécie de Segunda Liga da NBA com as mesmas franquias – no comando de Iowa Energy (2007-2011) e Rio Grande Valley Vipers (2011-2013), e chegou a adjunto dos Raptors, nos cinco anos antes de ser promovido.

Nick Nurse, sempre muito extrovertido em campo, mantém a reserva de sempre em tudo o que seja a sua vida pessoal (Rob Carr/Getty Images)

Impetuoso no campo, muito expressivo nas indicações que dá aos seus jogadores e nas conversas que tem os adversários, e sem problemas de se meter com os árbitros quando vê uma decisão que discorda, Nick Nurse é depois alguém sempre reservado na sua vida pessoal. Como aconteceu no dia a seguir ao triunfo frente aos Milwaukee Bucks que deu a vitória na Conferência Este e consequente passagem à final da NBA: deu folga, foi à missa com a família, juntou mulher, sogra e filhos num brunch, foi passear para o parque e deitou-se às oito da noite. Ou como aconteceu quando lhe perguntaram sobre o filho Rocky, que nasceu no 20 de maio. “Desculpe? Não, isto não se trata de mim. Isto é sobre os jogadores, man… Isto é sobre o que os jogadores conseguem fazer em campo, a mim dão bem mais atenção do que quero ou preciso. Só quero ser treinador, o nascimento do meu filho não é história e não precisamos falar sobre isso. São as minhas coisas, é a minha vida privada”, atirou.

Nick Nurse tenta ao máximo manter a sua vida pessoal reservada e fora dos holofotes mas fez uma pequena exceção durante esta final, depois de um jogo, à Sport TV brasileira: a sua mulher, Roberta, nasceu em Pernambuco, foi jogadora de voleibol, fez a formação em gestão hospitalar e administração pública em universidades americanas e por lá ficou, conhecendo o atual técnico dos Raptors, que vem de uma cidade pequena com menos de 10.000 habitantes, em 2012. “Recebi uma proposta para ir jogar para ‘Belo’ [Belo Horizonte] em 1990, mudava-me passado um mês. Apliquei-me num curso de português mas não deu certo e acabei por não ir. Foi há tanto tempo que nem me lembro do nome da equipa… Trabalhei em cinco países diferentes. Quando saí da faculdade quis explorar, porque sabia que queria ser treinador de basquetebol”, respondeu em inglês mas explicando antes de um “Olá, como você está?” que percebia tudo em português mas iria demorar a expressar-se.

“Tem muito português a rolar por toda a casa… Adoro a reação das pessoas quando estão a falar português ao meu lado, acham que não estou a entender e depois viro-me e digo ‘Eu falo português’. Todo o mundo fica congelado!”, acrescentou, dizendo que a sogra está nesta altura em Toronto e que coloca vários post-its pela casa com palavras em inglês e português. “Amo feijoada. Um dos meus melhores amigos da faculdade casou com uma mulher brasileira também e fazia sempre feijoada para todos. Como até hoje, há sempre comida brasileira em minha casa e adoro”, completou Nick Nurse.