Em dezembro, Simone Biles abriu o jogo. Sem grandes ressalvas, revelou que tomava medicação para combater a ansiedade com a qual sofria desde que em janeiro do ano passado confessou que foi vítima de abuso sexual por parte de Larry Nassar, antigo médico da equipa olímpica de ginástica dos Estados Unidos. “Tive muitos altos e baixos durante o ano, a tentar perceber o que estava a falhar. Não é fácil, mas graças às pessoas que me rodeiam, que são do melhor, é um pouco mais fácil”, disse a atleta durante um programa da ABC. Passaram oito meses. Mas as coisas ainda não se tornaram mais fáceis para Simone Biles.

Esta quarta-feira, a vencedora de quatro medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos do Rio voltou a abordar as consequências dos abusos de Larry Nassar e as ondas de choque que os crimes do antigo médico da seleção norte-americana de ginástica ainda têm na sua carreira e no seu dia-a-dia. A falar com a comunicação social à margem dos treinos de preparação para os campeonatos nacionais, onde vai tentar conquistar o primeiro lugar pela sexta vez, Simone Biles comentou um tweet que escreveu há menos de uma semana, no dia 4 de agosto, onde garantiu que ainda não consegue confiar na organização que regula a ginástica norte-americana.

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“Quanto mais sei, mais fico magoada. A USA Gymnastics falhou-nos. O Comité Olímpico falhou-nos. Houve muita gente que nos falhou. E continuam a falhar-nos. A mudança real não é fácil mas é claro que ainda há muito trabalho que precisa de ser feito”, escreveu a atleta de 22 anos, partilhando ao mesmo tempo uma notícia sobre uma audição no Senado sobre a negligência da seleção olímpica. Esta quarta-feira, aos jornalistas, Biles explicou então que é “difícil” participar nos campeonatos nacionais quando “a organização falhou tantas vezes”. “Torna-se um problema quando temos de trabalhar com pessoas no futuro. Como é que posso confiar? Aparecem pessoas novas a toda a hora e eu fico automaticamente de pé atrás porque as pessoas que conhecia há anos me falharam. Eles tinham uma função, tinham literalmente uma função, e não conseguiram proteger-nos. Gostavam assim tão pouco de nós que nem sequer conseguiram fazer o trabalho deles?”, questionou a ginasta.

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Num plano mais pessoal, Simone Biles reiterou que ainda faz sessões de terapia e continua medicada e revelou que tem dificuldade em treinar em muitas ocasiões, por se lembrar durante os exercícios de tudo o que aconteceu. “Sinto tudo ao mesmo tempo. Como se fosse um comboio”, disse a ginasta, explicando depois que um dos pontos mais críticos tem sido voltar a confiar nos médicos. “Enquanto ginasta, se estou lesionada ou se algo corre mal, vou ao médico ou vou ter com os meus treinadores e eles dizem-me os passos certos do processo de recuperação. Nisto, todos os processos de recuperação são diferentes. E eu acho que essa é a parte mais difícil”, concluiu Biles.

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De recordar que a ginasta norte-americana foi uma de cerca de 300 atletas que confessaram ter sido vítimas de abuso sexual por parte de Larry Nassar, que foi condenado a 175 anos de prisão em janeiro de 2018. Os problemas de saúde mental, porém, não têm sido os únicos a afetar e condicionar Simone Biles: em março, a atleta revelou que os Jogos Olímpicos de Tóquio do próximo verão serão provavelmente os últimos da carreira por ter “dores durante grande parte do tempo”. “Planeio definitivamente que os Jogos de Tóquio sejam os últimos. Sinto que o meu corpo já passou por muita coisa e está a cair aos pedaços. Tenho dores durante grande parte do tempo”, afirmou a ginasta, que acrescentou ainda que costuma dizer que vai “estar numa cadeira de rodas aos 30 anos” e que sente que o corpo “está a gritar e a berrar” para que pare de competir. Com um total de 25 medalhas olímpicas e mundiais, Simon Biles é a ginasta norte-americana mais bem sucedida de sempre e a terceira mais medalhada da História.