Imaginem o choque de 2% nas taxas de juro. Isto acontecerá mais tarde ou mais cedo e, dado que temos uma dívida no país de cerca de 300% do PIB, implicará um choque, num período mais ou menos alargado, de cerca de 6 pontos percentuais no PIB”. Foi com este alerta que o banqueiro António Horta Osório, presidente da comissão executiva do Lloyds Bank, apontou um dos principais problemas que, na sua opinião, a economia portuguesa terá de enfrentar: o alto nível de endividamento. Não só do ponto de vista da dívida pública, mas do ponto de vista da dívida total do país.

“É preciso que não sejamos complacentes. E resolver”, disse Horta Osório na abertura o ano letivo do ISCTE, em Lisboa, perante um auditório cheio de alunos e com o ministro de Estado e da Economia, Siza Vieira, na plateia. “O que se passa no país desde a crise? O esforço brutal que as famílias e as empresas portuguesas fizeram dá-me a impressão de que a dívida deveria ter-se reduzido e não foi isso que aconteceu”, salientou.

A dívida de Portugal desde 2007 até hoje – dados do primeiro trimestre deste ano — mostram que a dívida total do país aumentou em 24 pontos percentuais, explicou Horta Osório, citando os últimos dados disponíveis. “É claro que as empresas passaram de 110% do PIB (em 2007, no período pré-crise ) para cerca de 100%. As empresas reduziram o seu endividamento, e bem, porque era — e na minha opinião ainda é — bastante alto”.

Também as famílias “fizeram um ajustamento brutal”, passando dos 87% de endividamento (em 2007) para cerca de 66%”. “Mas a dívida pública aumentou dos 68% [em 2007]  — esteve nos 135% [nos piores anos da intervenção da troika] — estando agora nos 123%. Tudo somado significa que o total da dívida do pais aumentou em 24 pontos percentuais no espaço de 12 anos “e está em cerca de 300% do PIB”, mais precisamente nos 289%.

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“Porque é que isto é muito relevante? Porque nós estamos num ambiente de taxas de juro muito baixas, que nós não controlamos já que são determinadas pelo Banco Central Europeu. Todas as indicações vão no sentido de que essas taxas baixas vão continuar baixas por mais tempo do que se pensava, por exemplo, há seis meses”, explicou Horta Osório.

Mas mais tarde ou mais cedo, disse ainda o banqueiro português, “é normal que o BCE atinja o seu objetivo de inflação — 2% — e em consequência, as taxas de juro tenderão a ser, no mínimo, 2%”.

“Ora, imaginem o choque de 2% nas taxas de juro. Isto acontecerá mais tarde ou mais cedo e, dado que temos uma dívida no país de cerca de 300% do PIB, implicará um choque num período mais ou menos alargado de cerca de 6 pontos percentuais no PIB. Ou seja, tal como na fábula da formiga e da cigarra há que aproveitar os bons tempos presentes para continuar a reduzir a dívida pública, por um lado, e a dívida do país por outro”, concluiu.

E se recentemente o ministro das Finanças, Mário Centeno, usou o caso de Espanha para comparar as taxas de crescimento nos dois últimos anos [com as novas regras de cálculo Portugal cresceu mais do que o país vizinho em 2017 e 2018], também Horta Osório deu o exemplo espanhol para apontar os menores riscos que corre a economia que faz fronteira connosco. “Quando comparamos com a Espanha, a Espanha apenas aumentou 9 pontos percentuais a dívida nestes últimos doze anos, e tem 250% do PIB: menos dívida pública, menos dívida das empresas e menos dívida privada”.

E o caso de Itália? “Nós temos 289% do PIB de dívida, a Itália — de quem muito se fala, e que aumentou muito mais do que nós a dívida total do pais nestes últimos doze anos, um total de 31 pontos percentuais —  a Itália tem uma dívida total de ‘apenas’, e digo apenas entre aspas, de 244% do PIB”, disse Horta Osório. “Mesmo tendo mais do que nós em dívida pública – 134% — que era a grande preocupação que os mercados tinham até recentemente, tem muito menos dívida das empresas e muito menos divida dos particulares. E como sabemos é um país muito rico”, sublinhou.

“Um irlandês, em média, ganha o dobro de um português. Essa é que é a realidade”.

Horta Osório analisou ainda o crescimento de Portugal nos últimos 20 anos, “face aos principais vizinhos ou países comparáveis”. “Se olharmos os últimos 20 anos, como é que Portugal cresceu? Entre 2000-2007, o pré-crise, Portugal cresceu a cerca de 1,5%, ou seja pior do que todos os outros. A Espanha cresceu quase 4%, a Irlanda cresceu 6%, a Grécia cresceu 4%, nessa altura, e a média dos países do espaço europeu cresceu 2%”.

No período entre 2008 e 2017, Portugal “não cresceu nada”, face aos 4% da Irlanda, “mesmo tendo uma crise muito parecida com a nossa”. E apenas a Grécia esteve bastante pior do que nós, recordou o banqueiro português.

E quais são as projeções para o período entre 2018 e 2020. “É que nós cresçamos à volta de pouco menos de 2%, menos que a Espanha, menos do que a Grécia, muito menos do que a Irlanda, e um bocadinho acima do espaço económico europeu. Não é mau, mas não é extraordinário”, disse Horta Osório, sem se alongar mais em explicações.

“Portanto, no período destes 20 anos, vemos que apenas crescemos mais do que a Grécia. Em 20 anos crescemos 1%, Espanha cresceu o dobro e a Irlanda cresceu 5 vezes mais. A Irlanda em 20 anos cresceu, em média, 5% ao ano em termos reais, enquanto Portugal cresceu 1%”.

Para o presidente do Lloyds, este dado é relevante porque mostra a forma como reagiu a sociedade da Irlanda, um país com a dimensão de Portugal e que teve uma crise muito parecida à portuguesa. E mostra também o que os portugueses não fizeram.

Mário Centeno destaca “revolução” na economia portuguesa

“Nos últimos 20 anos, o facto de os irlandeses cresceram a 5% e nós a 1% significa apenas que os irlandeses criaram o dobro da riqueza do que os portugueses. Por alguma razão (…) um irlandês, em média, ganha o dobro de um português. Essa é que é a realidade”, concluiu. António Horta Osório até poderia ter deitado um olhar ao ministro da Economia, que abriu a conferência, mas por esta altura o governante português já tinha deixado o auditório, para ir a outros compromissos.