Ainda vagueiam máquinas das obras no espaço da plateia em pé da arena do Super Bock Arena — Pavilhão Rosa Mota. Passam-se os fios dos instrumentos e dos amplificadores e fazem-se testes de som no palco 360º, ao centro, com bateria, guitarra e música de aparelhagem.
Ainda não são os Ornatos Violeta que estão a ensaiar mas não devem demorar a chegar. Hoje é a banda portuense e o seu afago ao vigésimo aniversário d’O Monstro precisa de amigos que inauguram o espaço a partir de agora assumidamente uma sala de espetáculos.
Quem também vagueia há horas pelos vários “cantos” do espaço circular é Rui Ribeiro, o engenheiro acústico responsável por uma das facetas mais importantes da obra. Apesar da polémica em que esteve envolvido esta semana o antigo Pavilhão Rosa Mota, pela recusa da presença da atleta na cerimónia de inauguração, com o Observador, Rui só fala de som. Há quatro anos que aceitou um desafio complicado: transformar um edifício desenhado nos anos 50 para ser um pavilhão desportivo na maior (e sonoramente melhor) sala de espetáculos do Porto.
Provavelmente, este é o projeto mais fácil que temos em mãos porque só pode melhorar”, assume o engenheiro. “Dito isto, a partir daqui tudo se complica”. A volumetria é “excessiva”, a forma é “errada” e vai-se introduzir, a partir de agora, um “programa de festas” desadequado ao propósito para o qual foi construído o edifício, diz-nos.
O chamado Pavilhão dos Desportos havia sido erguido após a demolição do anterior Palácio de Cristal, em 1951, e acolhia nos anos 50, além de eventos desportivos das mais variadas modalidades, alguns eventos culturais, congressos, exposições e feiras.
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Com um volume originalmente de 90 mil metros cúbicos e mais de 25 metros de altura, a arena não tinha condições acústicas para o acolhimento de eventos musicais.
Podíamos estar a falar na grande diagonal de um campo de andebol e estranhamente parecia que nos estavam a falar nas costas. Criava confusão, pregava umas partidas ao nosso cérebro em que a imagem visual era dissonante da imagem auditiva. No fundo, introduzia uma questão que eu costumo apelidar de esquizofonia”. Segundo Rui Ribeiro, esta condição do espaço causa mal estar e pode mesmo provocar desequilíbrio.
O objetivo do consórcio “Porto 100% Porto”, responsável pela reabilitação do Pavilhão Rosa Mota e pela exploração do mesmo por 20 anos, foi sempre claro: o espaço iria ser usado para concertos de música amplificada. Era preciso exponenciar a resposta acústica do espaço quando ocupado.
Rui Ribeiro, ao longo de quatro anos, teve em mãos três principais mudanças. Foi preciso reduzir o volume da sala, porque “quando maior for a volumetria, maior a reverberação do espaço. Uma das estratégias logo identificada desde início foi reduzir o espaço desacoplando alguns dos espaços exteriores da nave principal”. Mas também era importante minimizar os efeitos sonoros típicos da forma circular — que em nada ajudam a uma boa acústica — e minimizar os efeitos das baixas frequências que, segundo o especialista, “introduzem grandes níveis de energia que, não sendo devidamente absorvidos, são prejudiciais à nossa experiência auditiva”.
A imagem de marca foi o principal obstáculo
Parte substancial da imagem de marca do edifício, a maior dificuldade encontrada centrou-se no teto em forma de abóbada. Durante das obras, a cúpula foi toda coberta com várias camadas de material acústico “com diferentes densidades e espessuras, cobertas por uma tela”. As mais de 700 janelas — ou “óculos” — típicos do edifício não facilitaram este trabalho. O engenheiro admite que “a resposta mais fácil seria cobrir tudo, mas isso não seria respeitar a integridade do edifício” que estava acordada no contrato. Foi colocada uma semi-esfera no teto para quebrar a energia sonora que ali se concentrava.
Até às cadeiras foi considerada “alguma absorção adicional” sonora. “A grande diferença é que nós temos, numa área de plateia, mais de três mil metros quadrados que agora [sem público] são totalmente refletores do ponto de vista acústico e que, numa altura de concerto, com audiência máxima, são totalmente absorventes”, garante o especialista.
Rui Ribeiro faz parte da comissão de especialização da área de engenharia acústica. É uma profissão onde ainda atuam poucos. Só há mesmo entre 20 e 30 engenheiros acústicos em Portugal, mas cada vez mais a profissão ganha relevo.
Além do Super Bock Arena, o portuense já esteve envolvido na acústica de obras como o Terminal de Cruzeiros Porto-Leixões, o Conservatório de Música de Coimbra, a Casa da Arquitetura, com a sala da Orquestra Jazz de Matosinhos, o Hard Club no Porto, o Museu dos Coches de Lisboa e o Loulé Mar Shopping. Podemo-nos perguntar porque é que é necessário uma boa acústica num centro comercial. A resposta sai-lhe facilmente: “O controlo acústico destes espaços pode influenciar o tempo que as pessoas permanecem nos locais e pode potenciar vendas”.
O especialista, engenheiro mecânico de formação e com especialização em acústica, também estudou música e diz mesmo que nós, enquanto sociedade, “cada vez valorizamos mais o silêncio”.