Ainda vagueiam máquinas das obras no espaço da plateia em pé da arena do Super Bock Arena — Pavilhão Rosa Mota. Passam-se os fios dos instrumentos e dos amplificadores e fazem-se testes de som no palco 360º, ao centro, com bateria, guitarra e música de aparelhagem.

Ainda não são os Ornatos Violeta que estão a ensaiar mas não devem demorar a chegar. Hoje é a banda portuense e o seu afago ao vigésimo aniversário d’O Monstro precisa de amigos que inauguram o espaço a partir de agora assumidamente uma sala de espetáculos.

Ornatos Violeta vão inaugurar o Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota esta quinta-feira. Há uma data extra na sexta-feira, dia 1 de novembro.

Quem também vagueia há horas pelos vários “cantos” do espaço circular é Rui Ribeiro, o engenheiro acústico responsável por uma das facetas mais importantes da obra. Apesar da polémica em que esteve envolvido esta semana o antigo Pavilhão Rosa Mota, pela recusa da presença da atleta na cerimónia de inauguração, com o Observador, Rui só fala de som. Há quatro anos que aceitou um desafio complicado: transformar um edifício desenhado nos anos 50 para ser um pavilhão desportivo na maior (e sonoramente melhor) sala de espetáculos do Porto.

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Provavelmente, este é o projeto mais fácil que temos em mãos porque só pode melhorar”, assume o engenheiro. “Dito isto, a partir daqui tudo se complica”. A volumetria é “excessiva”, a forma é “errada” e vai-se introduzir, a partir de agora, um “programa de festas” desadequado ao propósito para o qual foi construído o edifício, diz-nos.

O chamado Pavilhão dos Desportos havia sido erguido após a demolição do anterior Palácio de Cristal, em 1951, e acolhia nos anos 50, além de eventos desportivos das mais variadas modalidades, alguns eventos culturais, congressos, exposições e feiras.

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Com um volume originalmente de 90 mil metros cúbicos e mais de 25 metros de altura, a arena não tinha condições acústicas para o acolhimento de eventos musicais.

Podíamos estar a falar na grande diagonal de um campo de andebol e estranhamente parecia que nos estavam a falar nas costas. Criava confusão, pregava umas partidas ao nosso cérebro em que a imagem visual era dissonante da imagem auditiva. No fundo, introduzia uma questão que eu costumo apelidar de esquizofonia”. Segundo Rui Ribeiro, esta condição do espaço causa mal estar e pode mesmo provocar desequilíbrio.

O objetivo do consórcio “Porto 100% Porto”, responsável pela reabilitação do Pavilhão Rosa Mota e pela exploração do mesmo por 20 anos, foi sempre claro: o espaço iria ser usado para concertos de música amplificada. Era preciso exponenciar a resposta acústica do espaço quando ocupado.

Rui Ribeiro, ao longo de quatro anos, teve em mãos três principais mudanças. Foi preciso reduzir o volume da sala, porque “quando maior for a volumetria, maior a reverberação do espaço. Uma das estratégias logo identificada desde início foi reduzir o espaço desacoplando alguns dos espaços exteriores da nave principal”. Mas também era importante minimizar os efeitos sonoros típicos da forma circular — que em nada ajudam a uma boa acústica — e minimizar os efeitos das baixas frequências que, segundo o especialista, “introduzem grandes níveis de energia que, não sendo devidamente absorvidos, são prejudiciais à nossa experiência auditiva”.

A imagem de marca foi o principal obstáculo

Parte substancial da imagem de marca do edifício, a maior dificuldade encontrada centrou-se no teto em forma de abóbada. Durante das obras, a cúpula foi toda coberta com várias camadas de material acústico “com diferentes densidades e espessuras, cobertas por uma tela”. As mais de 700 janelas — ou “óculos” — típicos do edifício não facilitaram este trabalho. O engenheiro admite que “a resposta mais fácil seria cobrir tudo, mas isso não seria respeitar a integridade do edifício” que estava acordada no contrato. Foi colocada uma semi-esfera no teto para quebrar a energia sonora que ali se concentrava.

As 768 janelas circulares na cúpula do edifício são uma das suas principais imagens de marca.

Até às cadeiras foi considerada “alguma absorção adicional” sonora. “A grande diferença é que nós temos, numa área de plateia, mais de três mil metros quadrados que agora [sem público] são totalmente refletores do ponto de vista acústico e que, numa altura de concerto, com audiência máxima, são totalmente absorventes”, garante o especialista.

Rui Ribeiro faz parte da comissão de especialização da área de engenharia acústica. É uma profissão onde ainda atuam poucos. Só há mesmo entre 20 e 30 engenheiros acústicos em Portugal, mas cada vez mais a profissão ganha relevo.

Além do Super Bock Arena, o portuense já esteve envolvido na acústica de obras como o Terminal de Cruzeiros Porto-Leixões, o Conservatório de Música de Coimbra, a Casa da Arquitetura, com a sala da Orquestra Jazz de Matosinhos, o Hard Club no Porto, o Museu dos Coches de Lisboa e o Loulé Mar Shopping. Podemo-nos perguntar porque é que é necessário uma boa acústica num centro comercial. A resposta sai-lhe facilmente: “O controlo acústico destes espaços pode influenciar o tempo que as pessoas permanecem nos locais e pode potenciar vendas”.

O especialista, engenheiro mecânico de formação e com especialização em acústica, também estudou música e diz mesmo que nós, enquanto sociedade, “cada vez valorizamos mais o silêncio”.