Alguma vez tinha que ser e foi desta vez que sucedeu. Derrotando estrondosa e inesperadamente o favorito “1917”, de Sam Mendes, “Parasitas”, do sul-coreano Bong Joon-Ho, o 11.º filme não falado em inglês a ser nomeado para Melhor Filme na história dos Óscares (o primeiro foi “A Grande Ilusão”, de Jean Renoir, em 1938), ganhou a estatueta nesta categoria, fazendo história em Hollywood 92 anos após a criação destes prémios. Não contente com isto, Bong Joon-ho venceu também o Óscar de Melhor Realização (é o segundo cineasta a consegui-lo com um filme não falado em inglês após o mexicano Alfonso Cuarón com “Roma”, no ano passado), o de Melhor Filme Internacional e o de Melhor Argumento Original, acumulando quatro estatuetas em seis possíveis.

“Parasitas” tinha sido também o primeiro filme da Coreia do Sul a ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cannes, no ano passado, e o primeiro do seu país a ser nomeado para Melhor Filme, Realização e Filme Internacional. Esta vitória é ainda uma consagração do cinema asiático mesmo no coração da indústria cinematográfica americana. Um cinema de onde saem alguns dos melhores, mais inventivos e variados filmes que se fazem hoje no mundo em todos os géneros.

Uma combinação em proporções perfeitas de “thriller”, comédia satírica negra e retrato social das desigualdades, tensões e divisões na Coreia do Sul contemporânea, “Parasitas” conta a história de uma família pobre de Seul que vive de pequenos empregos, esquemas e vigarices, cujos membros conseguem infiltrar-se como empregados na casa de uma família rica, fútil e influenciável. Mas uns e outros vão ter uma enorme surpresa, graças àquela que é a maior reviravolta de um argumento nos últimos anos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Originalmente intitulado “Decalcomanias”, e pensado no início como um projeto para o teatro, “Parasitas” é um filme superiormente conseguido em todas as suas componentes e apesar de tratar de situações que dirão muito aos sul-coreanos, tem ao mesmo tempo uma ressonância universal. Bong Joon-ho havia já assinado obras como o policial “Memories of Murder” (2003), o filme de terror “The Host — A Criatura” (2006) ou a ficção científica “Expresso do Amanhã” (2013) e é um dos realizadores mais destacados da Coreia do Sul, e da sua geração.

À parte o triunfo inédito e todo-terreno de “Parasitas” e do seu realizador, e o Óscar de Melhor Argumento Original ganho por “Jojo Rabbit”, de Taika Waititi, o pior dos cinco que concorriam nesta categoria, os principais Óscares deste ano foram para quem já se previa que os ganhasse: Melhor Ator para Joaquin Phoenix em “Joker” (que transformou o seu discurso de agradecimento num patético mini-comício pelas causas politicamente corretas, do racismo aos direitos dos animais e ao veganismo), Actriz para Renée Zellweger (“Judy”), Ator Secundário para Brad Pitt (“Era Uma Vez… em Hollywood”) e Actriz para Laura Dern (“Marriage Story”). “1917” teve três Óscares técnicos, um dos quais o também esperado de Melhor Fotografia para Roger Deakins; “Joker” apenas mais um, técnico; e “Le Mans’ 66: O Duelo” conseguiu dois, entre os quais o de Melhor Montagem. Martin Scorsese e “O Irlandês” ficaram a zero, se bem que Bong Joon-ho tenha feito um agradecimento especial ao realizador de “Taxi Driver” num dos seus discursos de agradecimento.  E na categoria de Melhor Animação de Longa-Metragem, “Toy Story 4” voltou, mais do que merecidamente, a dar a hegemonia à Disney/Pixar. E fê-lo nove anos após “Toy Story 3” ter ganho este mesmo Óscar.