Países vizinhos, governos liderados por socialistas, mas resultados muito diferentes no combate ao Covid-19.

O secretário de Estado da Saúde, António Sales, explica, em declarações The Guardian, o que no seu entender correu bem na estratégia de Portugal de controlo da pandemia, sublinhando que o Governo português “tomou as medidas certas na hora certa” .

No artigo, o jornal britânico compara as respostas de Portugal e Espanha contra a Covid-19, a começar pela declaração do estado de emergência e tendo também em conta os investimentos na saúde. Se Portugal fez a declaração a 18 de março após registar 448 casos, Espanha — que entrou em estado de emergência a 14 de março — fê-lo numa altura em que apresentava mais de 6 mil casos positivos.

Em entrevista, Sales argumenta que a rápida reação de Portugal beneficiou do investimento sustentado ao longo de cinco anos feito no Sistema Nacional de Saúde (SNS). Entre dezembro de 2015 e dezembro de 2019, segundo Sales, a força de trabalho no SNS aumentou em 13%, traduzindo-se em “mais 15 mil profissionais de saúde, incluindo 3,700 médicos e 6,600 enfermeiras”. Nesse período, diz, os gastos do Governo aumentaram 18%.

Para António Sales, o país preparou-se para o “pior cenário” da pandemia e a resposta portuguesa foi, desde o início, baseada nos melhores conselhos científicos e na experiência de outros países”. I

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O The Guardian refere, então, que profissionais de saúde em Espanha apontam o dedo à falta de investimento na saúde, sobretudo em Madrid, o que terá prejudicado a resposta contra a Covid-19.

Mas a falta de investimento, sobretudo depois dos anos de cortes no tempo da troika, também é apontada ao Serviço Nacional de Saúde Português, bem como uma suborçamentação crónica que resultou em dívidas elevadas aos fornecedores. Depois de uma primeira legislatura do PS em que parte importante das verbas acrescidas para a saúde foi absorvida por mais encargos com salários (regresso às 35 horas, por exemplo), só este ano é que estava previsto um reforço substancial do orçamento nesta área.

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Inês Fronteira, professora assistente de epidemiologia no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, apresenta outro argumento. Defende que foi sobretudo a chegada tardia do novo coronavírus a Portugal que deu tempo ao país para se preparar.

Não descurando o investimento feito na saúde, explica que o primeiro caso detetado no país registou-se a 2 de março, com os contágios locais a acontecerem a 12. “Muito mais tarde do que em França, Itália ou Espanha”, afirma. “Portugal teve a oportunidade de ver o que outros países estavam a passar, para ver que medidas estavam a ser tomados e para aprender com essas experiências. Portugal acabou por implementar mais ou menos as mesmas medidas que os outros países — e ao mesmo tempo —, mas aqui a epidemia estava num estágio muito anterior ao de outros países.”

Inês Fronteira diz ainda que o sistema de saúde centralizado do país e o apoio de outros partidos às medidas de emergência foram um contributo acrescido. Em Espanha, salienta o jornal britânico, os cuidados de saúde estão nas mãos das 17 comunidades autónomas, sendo que coube ao Governo controlar esta área somente quando o estado de emergência foi declarado.

Além disso, Pedro Sánchez tem sido sistematicamente atacado pelos líderes da oposição, e até internamente na coligação. O presidente do Governo espanhol só muito recentemente conseguiu tomar posse como primeiro-ministro, pela segunda vez em dois anos, após duras e imprevisíveis negociações com o Podemos, e o país não tem um governo estável desde 2016.

Sobre o enquadramento político, Sales destacou que os partidos políticos portugueses “adotaram um comportamento responsável”, uma vez que todos entenderam “a importância de se unirem para enfrentar uma pandemia inesperada com consequências dramáticas”.

António Sales defendeu ainda a importância de decretar o fecho de todas as escolas e universidades em meados de março, quando o país apenas registava 112 casos positivos e nenhum óbito. “Antecipando a disseminação da infeção e transmissão comunitária, o Governo decidiu fechar as instituições educacionais para limitar o contacto de uma grande quantidade de pessoas num local confinado”, disse.

“Estamos constantemente a aprender com o nosso surto e com as experiências de outros países. Da próxima vez estaremos melhor preparados”, disse Sales. Portugal tem atualmente mais 20 mil infetados e 714 óbitos.