Oito portugueses, dois dos quais infetados com o novo coronavírus, estão num navio de cruzeiro que está retido desde janeiro em Nagasaki, no Japão. Os cidadãos portugueses fazem parte da tripulação do Costa Atlântica, uma embarcação com bandeira italiana, e Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, já garantiu que o repatriamento é “responsabilidade” da empresa para a qual trabalham.

“Os tripulantes do navio têm o respetivo repatriamento à responsabilidade da empresa. A embaixada acompanhará e apoiará os portugueses e verificaremos quais são as melhores condições para terem o tratamento hospitalar de que necessitem e se necessitarem”, explicou o ministro, em declarações à SIC. Este domingo à noite, o ministério já havia confirmado a presença dos oito portugueses no Costa Atlântica, adiantando que são todos “tripulantes” e que a situação “está a ser acompanhada pela embaixada de Portugal em Tóquio”.

Alguns tripulantes do Costa Atlântica no exterior do navio, a manter o distanciamento social e todos com máscaras. (Fotografia disponibilizada por Paulo Almas)

Segundo a Reuters, o Costa Atlântica não tem nesta altura qualquer passageiro a bordo: apenas os 623 tripulantes se mantêm no navio, sendo que 148 estão infetados com a Covid-19, cerca de um quarto do total. Já com o navio atracado no porto de Nagasaki, e após os primeiros casos suspeitos, a tripulação foi sujeita a testes e o Costa Atlântica, que tinha viagem marcada para a China para a manutenção, acabou por não chegar a sair do Japão. Apenas um tripulante terá sido internado, enquanto que os restantes permanecem a bordo, com sintomas leves ou mesmo assintomáticos. O navio está sob quarentena e todos os tripulantes receberam ordens para não desembarcar.

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Ainda assim, e segundo o Japan Times, parte da tripulação do navio desembarcou no início da semana, depois de passar nos controlos de temperatura, e as autoridades locais estão a tentar rastrear o percurso que terão feito na cidade. O jornal indica ainda que a esmagadora maioria dos tripulantes é de nacionalidade estrangeira e proveniente de mais de 30 países e que a operadora do navio, a CSSC Carnival Cruise Shipping, disse na passada sexta-feira que os cidadãos que testaram negativo serão repatriados “em breve”.

Parte da comida que é dada aos tripulantes do navio Costa Atlântica. (Fotografia enviada por Paulo Almas)

Paulo Almas, um dos dois portugueses que está infetado com o novo coronavírus, explicou à Rádio Observador que falou com a embaixada portuguesa em Tóquio, mas que “de nada serviu”, até porque o Governo português só terá tido conhecimento da situação este domingo. “A embaixada nunca entrou em contacto connosco, fui em que entrei em contacto com a embaixada (…) Informei o Governo português através da embaixada e a embaixada não passou o problema para Portugal. Mas isso é problema deles, não é meu. De nada me serviu falar com a embaixada, não resolveu problema nenhum. Portugal é um país muito fraco, muito fraco mesmo. Outra nação teria força para tirar as pessoas daqui. Portugal não tem”, revelou o eletricista português, que entrou no navio no dia 25 de fevereiro para realizar trabalhos de manutenção e soube que estava infetado na passada semana.

O cidadão português desvendou ainda que “não existem condições” no navio, tanto ao nível de alimentação como de higiene. “A comida não tem qualidade e é pouca. Agora, para remediar, dão bolos e Coca-Cola às pessoas infetadas, à noite. É a ideia deles de boa alimentação. Não há condições de higiene, somos nós próprios que temos de trocar os lençóis: tirar, lavar na casa de banho e trocar. As pessoas estão fechadas dentro dos quartos, como é lógico, mas a proximidade é uma parede e as pessoas que estão a servir a comida aos infetados são as mesmas que servem aos não infetados”, acrescentou Paulo Almas, concluindo que os 623 tripulantes do navio estão nestas condições “há uma semana”.

[Ouça aqui a entrevista completa de Paulo Almas à Rádio Observador]

“Portugal não tem força para tirar as pessoas daqui”. O desespero do português infetado num cruzeiro do Japão

Sobre uma eventual saída do navio, o cidadão português garantiu que não existe “previsão nenhuma”. “Ainda hoje [segunda-feira] lemos um email da empresa a dizer que ainda estão à procura de soluções. É isto todos os dias, estão sempre à procura de soluções. Se calhar, perguntem a Portugal como é que fizeram com aquele barco que atracou em Lisboa e Portugal dá uma solução”, atira Paulo Almas, em referência ao MSC Fantasia, o navio de cruzeiro que atracou no porto de Lisboa no final de março com mais de 1.300 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulação.

Os portugueses que estão no cruzeiro Costa Atlântica vão tendo conhecimento do que se passa dentro navio através de um grupo no WhatsApp, onde um dos responsáveis transmite as informações que vai recebendo do exterior. “Há falta de informação entre a pessoa que aqui está e o escritório que nos contratou em Portugal. (…) Acho que estão um bocado chateados uns com os outros”, explica Paulo Almas.

[Neste vídeo, enviado por Paulo Almas, é possível ver a comida que é dada aos tripulantes do navio retido em Nagasaki]

O português fala em desespero e diz que não tem qualquer perspetiva de quando poderá regressar a Portugal. “Nós próprios já estamos a ficar descontrolados e muito sinceramente não sei se isto vai acabar bem. Falo por mim, estou a entrar num desespero que não é bom. (…) Ajudem-nos seja de que forma for. A minha empresa não tem força [para nos tirar daqui]. Nós estamos no Japão, que é um país muito complicado. O Estado do meu país que arranje uma solução, uma maneira de nos tirar daqui. Às vezes sinto vergonha de ser português”, conclui.

Paulo Almas conta que quando chegou ao cruzeiro Costa Atlântica, a 25 de fevereiro, já havia portugueses a trabalhar no navio desde janeiro. Apesar de o navio já estar há meses no mar, só quando todos os passageiros entraram em quarentena é que se soube que havia infetados a bordo.

A companheira de Paulo Almas, Sandra Madeira, contactou a embaixada de Portugal no Japão e o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Ambos estão a par do que se passa, mas a informação que lhe foi transmitida é que terá de ser a embaixada a encontrar uma solução para a situação ao entrar em contacto com as autoridades locais.