Desde que foi descoberto o novo coronavírus que os cientistas têm tentado responder à pergunta: quanto tempo permanece o vírus no ar? E é o distanciamento social suficiente para evitar uma contaminação? A questão é, agora, particularmente relevante, numa altura em que os vários governos, como o português, põem em marcha planos de “desconfinamento”, com a reabertura de vários estabelecimentos de atendimento ao público. A pergunta, adianta o El Confidencial, não tem uma resposta única — e é provável que dependa de diversos fatores.

Certo é que o vírus pode ser disseminado por gotículas que são expelidas pelas pessoas infetadas quando falam, tossem ou espirram. “As partículas que emitimos têm uma variedade ampla de tamanhos. As maiores pesam mais e caem mais facilmente, mas as menores permanecem no ar e podem ser projetadas a distâncias maiores“, explica María Cruz Minguillón, investigadora do Instituto de Diagnóstico Ambiental e Estudos da Água (IDAEA), sediado em Barcelona, Espanha, e que tem estudado o tema.

O novo coronavírus tem cerca de 100 nanómetros  (cerca de 0.0001 milímetros), mas as gotículas que o transportam podem ser milhares de vezes maiores — embora não o suficiente para que as vejamos a olho nu. Um estudo de 2016 do The New England Journal of Medicine sobre os espirros concluiu que, quando uma pessoa infetada espirra, as gotículas mais pesadas são projetadas entre 1 e 2 metros, mas as mais pequenas podem ir até aos 8 metros.

Já um outro estudo específico sobre o novo coronavírus, publicado na revista do Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) e que analisou a disseminação do vírus pelo ar num hospital em Wuhan, a província onde começou o surto, encontrou uma maior concentração nas unidades de cuidados intensivos do que noutros departamentos. Mas a investigação foi mais longe e detetou a presença do vírus no ar a quatro metros de distância dos doentes infetados.

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Coronavírus contamina ar e superfícies até quatro metros de um doente

Por outro lado, um estudo do Journal of the American Medical Association (JAMA) detetou a presença do novo coronavírus noutros locais, como os ventiladores para a saída do ar.

Segundo María Cruz Minguillón, os vírus podem permanecer suspensos durante muito tempo, se não houver circulação de ar. Para explicar melhor, dá o exemplo de um cigarro. “Se uma pessoa fuma num espaço fechado, a concentração de fumo é alta. Se fumar na rua, o fumo dispersa-se e a concentração de partículas é menor à medida que nos afastamos”.

Mas durante quanto tempo pode o vírus permanecer no ar? Um estudo do The New England Journal of Medicine fala em até três horas. Mas vários especialistas criticaram a metodologia e a base de dados usada, argumentando que não se trata de “uma ciência exata”. A resposta depende da concentração do vírus no espirro. “Nesse estudo, [esta concentração] era muito elevada”, explica María Cruz Minguillón, acrescentando que há outros trabalhos sobre o tema — mas que ainda não foram revistos pela comunidade científica — e que apresentam conclusões mais pessimistas. O mesmo acontece em estudos sobre quanto tempo sobrevive o vírus nas várias superfícies. Adianta a investigadora que há estudos segundo os quais o vírus sobrevive um dia em papel e dois a três dias em metal, “mas depende da forma como é feita essa medição e de outros fatores, como a temperatura ambiente”, explica.

Covid-19. Quanto tempo é que o vírus sobrevive nas superfícies e no ar?

A este propósito, segundo a investigadora, ainda não é clara a influência da humidade ou do calor e, portanto, não é certo como vai o vírus reagir às temperaturas de verão. Quanto à suspensão no ar, Minguillón acredita que o novo coronavírus deverá ter um comportamento semelhante ao dos outros vírus. A investigadora defende, por isso, que é importante “reduzir a concentração de pessoas nos espaços públicos”, acrescentando que “quanto mais ventilado for um espaço, melhor”. E voltando ao exemplo do tabaco: “O que se faz para evitar respirar o fumo de um cigarro? Abre-se a janela, para a concentração de fumo diminuir”.

Investigadores tentam criar tecnologia para detetar o vírus no ar em locais públicos

Um estudo publicado na revista Nature, e realizado em dois hospitais de Wuhan, defende a mesma ideia: a concentração do vírus nos quartos ventilados era muito baixa, mas subia nas casas de banho e nas zonas comuns a doentes das unidades hospitalares, assim como nalgumas salas usadas pelos profissionais de saúde para retirar os equipamentos de proteção.

Coronavírus encontrado em partículas suspensas no ar poluído no norte de Itália

Porém, detetar o vírus no ar não é fácil, explica o El Confidencial, e o tema tem gerado alguma controvérsia entre os cientistas. Um estudo da Escola Politécnica de Zurique (ETH) sugere a criação de um “biosensor” que combina um sistema ótico com outro de medição de temperatura. O sistema baseia-se na ideia de que o material genético do vírus — o RNA — produz alterações na luz e na temperatura em estruturas metálicas microscópicas.

Em Espanha, o Instituto de Saúde Carlos III anunciou que está a financiar  um projeto para detetar o novo coronavírus no ar em diferentes áreas de hospitais e centros de saúde de forma rápida.  Depois de conhecerem melhor como se dissemina o vírus no ar de outros espaços fechados, os investigadores vão tentar criar uma nova tecnologia e implementá-la em infraestruturas, como os transportes públicos. A equipa vai usar tecnologia que já permitiu a investigadores na Antártida encontrar a maior diversidade de vírus num único local: os lagos congelados daquele continente.