Os dados impressionam (como não?): quase 35 milhões de habitantes, menos de mil (524) casos de Covid-19 detetados e confirmados, e apenas quatro mortes. Os números referem-se à prevalência do novo coronavírus SARS-CoV-2 no estado e região indiana de Kerala e surpreendem mesmo num país onde o número de casos confirmados e detetados é estranhamente baixo (menos de 80 mil) face ao número de habitantes (mais de mil e trezentos milhões).

Apesar da Índia ter um número de casos detetados de Covid-19 estranhamente baixo — por exemplo, face a Portugal tem um pouco menos de três vezes mais casos, quando a população é mais de 120 vezes superior —, face à média do país o estado de Kerala tem um sucesso notório no controlo da pandemia: por milhão de habitante, o número de casos confirmados na região deveria ser quase quatro vezes superior ao que é, dada a média nacional.

Um dos segredos para que a Índia tenha tão poucos casos confirmados de Covid-19 passará, certamente, pelo número reduzido de testes feito no país por milhão de habitantes — de acordo com o portal Worldometer, o número de testes na Índia por milhão de habitante é perto de 20 vezes inferior ao dos EUA ou Reino Unido, 35 vezes inferior ao de Espanha e 38 vezes inferior ao de Portugal. Porém, um dos segredos para que o estado de Kerela tenha sido especialmente capaz de controlar a pandemia mesmo em comparação com outras regiões da Índia tem sido atribuído à sua ministra da Saúde e Bem Estar Social, K. K. Shailaja, também conhecida como “professora”, serial killer do coronavírus ou “rockstar“.

As políticas de contenção da pandemia adotadas, no país mas sobretudo na região, são explicadas pela própria K. K. Shailaja em artigo publicado no The Guardian. De acordo com o jornal britânico, a 23 de janeiro, “três dias depois de ler sobre o novo vírus na China” e antes de ser detetado no estado de Kerala o primeiro caso confirmado de Covid-19, a ministra da Saúde local convocou uma reunião com uma “equipa de resposta rápida”. No dia seguinte, foi criado uma espécie de “gabinete de controlo” em cada uma das 14 regiões deste estado indiano.

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Quando o primeiro caso de Covid-19 chegou, “a 27 de janeiro, através de um avião de Wuhan”, as autoridades de Kerala garantem que o estado já tinha adotado “o protocolo da Organização Mundial de Saúde”, a saber: “testar, rastrear, isolar e apoiar”.

A quem chegava de Wuhan, o protocolo era o seguinte: aqueles que tinham febre eram isolados num hospital próximo, os que não tinham entravam em quarentena obrigatória domiciliária. Os clusters de casos originários diretamente de Wuhan, que voavam dessa região da China para Kerala, foram controlados — mas o novo coronavírus naturalmente acabou por entrar em Kerala, depois de se ter propagado para várias regiões do mundo.

De acordo com o The Guardian, outra das grandes apostas das políticas de saúde deste estado indiano e desta autoridade de saúde “rockstar” da Índia passou pelo rastreio tecnológico de contactos de infetados, feito a larga escala — uma operação que na União Europeia está ainda a ser aprimorada para evitar a violação de privacidade e dos dados pessoais dos cidadãos. A 23 de março, dois dias antes de toda a Índia entrar em quarentena obrigatória, foram cancelados os voos internacionais para Kerala.

De acordo com as autoridades desta região da Índia, no pico do surto 170 mil pessoas terão estado “em quarentena” e colocadas “sobre vigilância rigorosa de profissionais de saúde que as visitavam”. O número já desceu para os 21 mil.

“Temos também acomodado e alimentado 150 mil trabalhadores migrantes de estados vizinhos que ficaram encurralados aqui devido à quarentena. Alimentámo-los devidamente — três refeições por dia durante seis semanas”, apontou ao jornal inglês a “serial killer” do coronavírus, que já era uma celebridade anteriormente por outros motivos: em 2019, uma atriz interpretou-a num filme chamado ‘Vírus’, que se focava num surto viral que ocorreu em 2018 chamado Nipah. Foi este surto que preparou Shailaja e o estado de Kerala para esta nova pandemia, diz a ministra — foi aí, disse mesmo, que percebeu que uma doença altamente contagiosa para a qual não existe vacina ou tratamento deve ser mesmo levada a sério.