Para Ricardo Pereira, o mês de março foi ainda mais complicado do que para os restantes jogadores. No último jogo do Leicester antes da interrupção da competição, o lateral direito lesionou-se já nos instantes finais mas continuou a jogar, com a ideia de que seria apenas um problema leve e que estaria apto para a próxima partida. Só dois dias depois, já com a confirmação de que a Premier League seria interrompida, é que chegou o diagnóstico: uma rotura do ligamento cruzado anterior do joelho, uma das lesões mais graves e prolongadas que um jogador de futebol pode sofrer.

Ainda que ciente de que perderia o resto da temporada, independentemente de quando esta recomeçasse ou terminasse, o lateral direito acabou ser um dos que saiu algo beneficiado do adiamento das competições. O reagendamento do Euro 2020, deste verão para o verão de 2021, vai permitir ao jogador do Leicester, em situação normal, ser convocado por Fernando Santos para a Seleção Nacional — algo que não seria possível esta época. “Tenho de trabalhar muito para merecer o meu lugar na equipa. Para as pessoas que não conhecem os jogadores que temos para esta posição, talvez seja estranho”, explicou o português em entrevista ao The Guardian, recordando que Portugal conta com vários concorrentes fortes para a titularidade na direita da defesa, sublinhando João Cancelo e Nélson Semedo, onde ainda se acrescenta Cédric, agora no Arsenal.

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Em conversa com o jornal inglês, para além de falar do “choque real” que foi assimilar a lesão grave que tinha sofrido, o internacional português garante que ainda é cedo para apontar uma data provável de regresso aos treinos, para além de revelar que passou o primeiro mês de recuperação em Portugal. Umas das figuras em destaque do Leicester na atual temporada, Ricardo Pereira é considerado um dos melhores laterais direitos da Premier League — logo depois de Trent Alexander-Arnold, do Liverpool — e tem mais 16 recuperações de bola do que qualquer outro jogador na mesma posição, para além de ainda contribuir com cinco golos e oito assistências. A campanha assinalável da equipa de Brendan Rodgers, que está no terceiro lugar da tabela a correr para uma vaga de acesso à Liga dos Campeões, é um dos dados a destacar na época que ainda decorre: e o jogador português garante que tudo está relacionado com o treinador.

“Desde o primeiro dia que nos disse como é que nos quer ver a jogar, porque acha que temos qualidade para isso. Notámos uma mudança de intensidade no primeiro treino e foi difícil, no início, porque não estávamos habituados. Mas semana a semana e jogo a jogo, melhorámos. E foi bom termos sete ou oito jogos com ele na temporada passada, porque começámos esta e já conhecíamos o treinador”, diz o lateral sobre o norte-irlandês, que em fevereiro de 2019 substituiu Claude Puel no comando do Leicester.

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Puel que, curiosamente, foi o técnico que levou Ricardo Pereira de França para Inglaterra, depois de conhecer o jogador português enquanto este ainda estava emprestado ao Nice. Em Portugal, o lateral direito saiu da formação do Sporting sem um contrato profissional, esteve na Naval e notabilizou-se no V. Guimarães antes de chegar ao FC Porto — um percurso que considera “essencial” para a carreira que tem hoje. “É difícil quando és um miúdo e és rejeitado mas foi importante para mim experimentar outras coisas difíceis quando saí do Sporting. Quando fui para a Naval, o centro de treinos tinha menos condições do que aquelas a que estava habituado e foi uma boa motivação para mim, para tentar voltar ao mais alto nível outra vez”, garante o internacional português de 26 anos, que ficou satisfeito ao ver a Premier League assinalar o movimento “Black Lives Matter”, tanto nas camisolas dos jogadores como com o momento em que todos se ajoelharam antes do apito inicial.

“Às vezes, as pessoas pensam que no futebol podem fazer tudo o que querem, mas há limites. Não sabem como é que aquela pessoa, com quem estão a ser racistas, se vai sentir. Devem ter respeito por todos porque somos todos iguais. É algo que toda a gente tem de ter muito claro. Devemos colocar-nos contra o racismo e todo o tipo de discriminação. É importante que toda a gente comece a falar sobre o assunto e tente mudar algumas coisas na mentalidade das pessoas”, atira Ricardo Pereira, para depois recordar a única vez que sentiu ter sido alvo de racismo durante um jogo, ainda nas camadas jovens do Sporting e através da mãe de um adversário. “Acho que foi só dessa vez mas era muito novo. Não foi nada sério. Fiquei um pouco chocado porque era novo mas é algo com que aprendemos a lidar”, conta.

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Ricardo Pereira vai assistir ao resto da temporada a partir do sofá, algo que diz ser “mais difícil” do que estar dentro de campo, mas garante que o Leicester vai fazer de tudo para marcar presença na Liga dos Campeões da próxima época. “Estamos numa posição muito boa. No início da temporada, o nosso objetivo era talvez ficar entre os seis primeiros, por isso, temos uma grande oportunidade para fazer algo bom. Temos de continuar a manter esta posição”, diz o internacional português, que não vai deixar de fazer parte da história deste ano da Premier League.