A “ressaca”, num mero sentido figurado porque ao contrário do que aconteceu com os adeptos houve no plantel o cuidado de adaptar os festejos aos tempos que se vivem, não foi fácil para o Liverpool. O título 30 anos depois era uma questão de tempo mas o sonho de entrar no Etihad Stadium como campeão a sete jornadas do final com os adversários a fazerem uma guarda de honra tornou-se um pesadelo dentro de campo, com os reds a sofrerem uma pesada goleada por 4-0 naquela que foi apenas a segunda derrota na Premier League. Aí, a equipa de Jürgen Klopp perdeu a possibilidade de igualar o recorde de pontos fora numa só edição, que continua a pertencer aos citizens de Pep Guardiola em 2017/18. No entanto, havia outros que se mantinham completamente em aberto.

O Liverpool, a equipa que não joga propriamente bem mas cumpre calendário sem perder a conta aos dias

Fora da Taça de Inglaterra depois da derrota nos oitavos com o Chelsea, eliminado da Liga dos Campeões após uma segunda mão de loucos em Anfield com o Atl. Madrid a ganhar no prolongamento e com o Campeonato garantido, os seis jogos que se seguiam eram um desafio à própria mentalidade vencedora da equipa, que encontrou nos recordes alcançáveis um fator extra de motivação. Ainda assim, os triunfos frente a Aston Villa e Brighton não tiveram propriamente as exibições mais conseguidas. Agora, começavam os obstáculos mais “a sério”.

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O desafio de superar o número máximo de pontos numa edição da Premier League estava em aberto: partia com 92, o recorde é de 100 (Manchester City, 2017/18). O desafio de superar o número máximo de pontos em casa numa edição da Premier League estava em aberto: partia com 51, tinha mais dois jogos para chegar aos 55 do Chelsea de Mourinho em 2005/06, do Manchester United de Alex Ferguson em 2010/11 e do Manchester City de Roberto Mancini em 2011/12. E ainda existiam outros objetivos como ter o menor número de empates na Liga (dois, os que tem atualidade), acabar a competição sem desaires em casa ou prolongar o número de triunfos seguidos em Anfield Road – a série iniciada ainda em 2018/19 já ia nos 24 encontros.

“Quando olho para os nossos quatro próximos adversários, não posso pensar que vamos conseguir de certeza dez ou 12 pontos, não posso fazer isso”, alertou o técnico alemão, tendo em vista não só a receção ao Burnley mas também os jogos com Arsenal (fora), Chelsea (casa) e Newcastle (fora). “Vamos jogar contra uma equipa que é uma máquina de resultados. Virão a Anfield para lutarem com tudo o que tiverem pelo resultado… Mas quando penso que temos 92 pontos, só me passa pela cabeça como foi possível no ano passado fazermos 97. É inacreditável, jogámos também a Champions durante a semana e chegámos a essa pontuação”, acrescentou, falando também da importância de ter jogadores dos vários setores da equipa a conseguirem marcar golos.

Klopp pediu, Klopp teve. Andrew Robertson, o exemplo de como este Liverpool foi construído de forma cirúrgica entre contratações milionárias (Alisson ou Van Dijk) e underdogs que se tornaram grandes destaques (e o lateral esquerdo é o melhor exemplo disso mesmo), tornou-se este sábado o 14.º jogador diferente a marcar em Anfield para a Premier League esta temporada, num registo apenas superado em 1992/93 (15). E o jogador que, por ser demasiado baixo, foi dispensado do Celtic com 18 anos, passou de um trabalho num supermercado para ganhar dinheiro que depois serviria para tirar um curso académico enquanto jogava no terceiro escalão escocês em 2013, para a principal divisão da Escócia, para a Premier League no ano seguinte, para o Liverpool desde 2017 e, agora, para campeão inglês depois de ter sido campeão europeu em 2019. Tudo apenas em sete anos. No entanto, faltou o resto. E com o encontro completamente controlado, o Liverpool permitiu que o Burnley empatasse, vendo uma bola na trave da baliza de Alisson a quatro minutos do final, sempre no seguimento de bolas paradas.

Dentro da rotatividade que tem vindo a promover no sentido de ir enquadrando alguns jovens na equipa já a pensar na próxima temporada, Klopp manteve a aposta no lateral Neco Williams, lançou de início Curtis Jones no meio-campo e voltou a dar a titularidade a Fabinho, Andrew Robertson e Sadio Mané. Quatro alterações numa equipa que perdeu para o resto da temporada o capitão Henderson por lesão mas que se destaca sobretudo pelas dinâmicas de jogo que condicionaram por completo qualquer tipo de iniciativa do Burnley, incapaz de passar do meio-campo durante largos minutos. Lá atrás, Nick Pope ia segurando o nulo, travando duas grandes chances de Salah na área para canto, mas nada conseguiu fazer perante o cabeceamento de Robertson, no seguimento de uma segunda bola ganha por Fabinho que teve tempo e espaço no corredor central para assistir ao lateral (34′). E mesmo em cima do intervalo ainda houve mais uma grande defesa de Pope, a remate de Mané.

O reinício do jogo trouxe mais uma rodada de tentativas falhadas pelos avançados do Liverpool, ainda que com graus diferentes de proximidade da baliza de Nick Pope (pelo meio Jay Rodríguez teve também o primeiro remate com algum perigo do Burnley): Firmino acertou no poste, Salah atirou a rasar o poste e Mané, a puxar a bola para o pé esquerdo, rematou muito ao lado. As coisas pareciam fáceis para o Liverpool e os reds acabaram mesmo por facilitar: num livre ainda no meio-campo dos visitantes, a bola foi bombeada para a área, houve um desvio de cabeça de Tarkowski e Jay Rodríguez, com um remate de primeira, fez o empate (69′) quando Alexander-Arnold e Naby Keita tinham acabado de entrar para substituírem os jovens Neco Williams e Curtis Jones. O Liverpool ainda teve algumas tentativas com perigo mas seria o Burnley a ficar perto da reviravolta, com um remate à trave de Gudmundsson apenas a quatro minutos do final que terminaria de uma forma ainda mais dura a longa série de vitórias consecutivas do Liverpool em casa, que poderia ser única na Premier e no futebol inglês.