“No final de 2012 ganhei o Grande Prémio de Macau e o Helmut Marko mandou-me uma mensagem a dizer que iríamos atingir grandes coisas juntos. Fiz o banco da Toro Rosso, fiz o fato, tinha voos marcados para a América e para o Brasil para fazer os treinos livres de sexta-feira. O Franz Tost ligava-me quase todos os dias e dizia ‘Tu vais ser meu piloto para o ano que vem’. Fui duas ou três vezes à fábrica da Toro Rosso. Depois lembro-me de receber a chamada do Helmut a dizer que o lugar na Fórmula 1 já não estava disponível para mim. Entrei no quarto e comecei a chorar baba e ranho. Trabalhei muito, acreditei e percorri o meu sonho de chegar à Fórmula 1 durante 15 anos de carreira, vi o sonho ali tão perto a fugir numa chamada. Existe política no nosso desporto e foi um plano que começou a ser montado para o [Daniil] Kvyat uns meses antes. O que moveu mundos foi haver um Grande Prémio na Rússia”, recordou em junho António Félix da Costa, em entrevista à Eleven Sports.

Félix da Costa mantém vantagem na Fórmula E e pode ser campeão no domingo

Se recuarmos uns anos, poucos teriam dúvidas que o passo seguinte do piloto português ia ser o escalão máximo do automobilismo, aquele onde só os melhores chegam e que parecia ter uma vaga à sua espera por mérito próprio. Não aconteceu aí, em 2012. Também não aconteceu em 2014, quando Lewis Hamilton sofreu uma intoxicação alimentar antes do Grande Prémio da China, o piloto reserva da Mercedes não estava presente e Niki Lauda ainda poderou colocar-lhe o carro nas mãos antes da recuperação do britânico. E nem sequer se aproximou no final desse mesmo ano, quando a Ferrari lhe fez uma proposta para apoiar Vettel mas a Red Bull não o deixou sair.

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Ficou uma relação mais azeda com o Helmut a partir daí. Eu na minha cabeça já me queria ir embora e assim foi, saí no final desse ano de 2015, mas a carruagem da Ferrari já tinha passado”, recordou.

No meio destas andanças, enquanto ia experimentando vários campeonatos, António Félix da Costa teve o mérito de nunca desistir, de nunca travar, de acreditar sempre que um dia poderia chegar a voos mais altos. E esse dia podia ter chegado, com a possibilidade de se sagrar campeão mundial de Fórmula E depois de, entre outros feitos a partir de 2015, ter ganho mais uma vez o Grande Prémio de Macau e ter ficado na décima posição nas míticas 24 Horas de Le Mans, fazendo equipa com o brasileiro Augusto Farfus e o finlandês Jesse Krohn.

Félix da Costa assina pela equipa campeã da Fórmula E

Nos carros elétricos, onde chegou em 2014/15, esteve sempre nas equipas da BMW, com uma sexta posição na geral em 2018/19 e um oitavo posto no primeiro ano, entre vitórias em Buenos Aires e Diriyah e cinco pódios. No final de cinco anos de ligação, o piloto português separou-se da equipa e ocupou a vaga de André Lotterer na DS Techeetah. Era um salto na carreira e uma hipótese de ouro de lutar pelos lugares cimeiros com uma formação mais apetrechada e que dava outras garantias. Félix da Costa não falhou. “Levamos uma vantagem boa no Campeonato mas a mentalidade não vai mudar, nada está decidido. Vamos continuar ao ataque, a tentar marcar o maior número de pontos possível. A abordagem será um pouco diferente em relação a anos anteriores. Vamos continuar agressivos e a querer ganhar corridas”, disse antes do fim de semana.

Automobilismo. Félix da Costa vence prova da Fórmula E em Marraquexe

Depois de um início de temporada falhado pela DS Techeetah, com Félix da Costa a ficar em 14.º e em décimo nas duas corridas iniciais em Diriyah e o bicampeão de Fórmula E Jean-Éric Vergne a não ir além de um oitavo posto após ter desistido na primeira prova, o português arrancou para uma série de resultados que deixou por completo a concorrência para trás: entre outros pontos ganhos em group stages, pole positions e voltas mais rápidas, acabou em segundo em Santiago do Chile e na Cidade do México, ganhou em Marraquexe e regressou da melhor forma depois da paragem pela pandemia, vencendo as duas corridas iniciais em Tempelhof, Berlim, antes de acabar este sábado no quarto lugar, com triunfo para o alemão Max Günther e terceiro posto para Vergne. Com 90 pontos ainda em disputa, Félix da Costa tinha um total de 68 de avanço sobre Günther, que estava em segundo.

Acabou bem, (re)começou ainda melhor: António Félix da Costa reforça liderança na Fórmula E com vitória em Berlim

E o dia começou bem para o português e sobretudo para a DS Techeetah, com Félix da Costa a somar mais um ponto de bónus ao vencer o Grupo de Qualificação 1 e a terminar na segunda posição a Super Pole, saindo da primeira linha da grelha de partida ao lado do companheiro de equipa Jean-Éric Vergne. Ou seja, dos 90 pontos em disputa com 68 de vantagem passou para 86 em disputa e 69 de vantagem. Faltavam apenas 45 minutos para a consagração, que poderia dar o primeiro título de um português na divisão dos carros elétricos depois dos triunfos do brasileiro Nelson Piquet Jr., do suíço Sébastien Buemi, do também brasileiro Lucas de Grassi e do francês Jean-Éric Vergne, neste caso com duas vitórias consecutivas que o colocavam como favorito para 2019/20.

Não há duas sem três: António Félix da Costa volta a ganhar em Berlim e reforça (ainda mais) liderança no Mundial

O dia começou com mais um triunfo importante para pilotos nacionais, neste caso de Filipe Albuquerque que tinha feito uma vídeo com Félix da Costa antes de todas as decisões: com o companheiro britânico Phil Hanson, ganhou a pole position, fez a volta mais rápida e venceu a corrida na segunda jornada do European Le Mans Series, em Spa-Francorchamps, dedicando depois o feito ao pai, falecido há duas semanas. “Não poderia querer mais. Foi um fim de semana excecional com todos os objetivos alcançados. Estou muito contente e ao mesmo tempo melancólico, pois o meu maior fã, o meu pai, já não está comigo para festejar mais esta vitória. Este resultado é para ele, esteja onde estiver”, comentou após a corrida, a segunda após um terceiro lugar em França.

Félix da Costa aguentou de forma cautelosa o segundo lugar na saída, não fazendo qualquer tipo de movimento para tirar a primeira posição a Vergne (que também teve um bom arranque), mas teve a primeira “boa” notícia logo na primeira volta, com Max Günther a entrar pela traseira de Oliver Turvey e ficar fora de prova. A corrida parou depois alguns minutos, regressou com os dois carros da DS Techeetah a dominar, começou a mudar com alguns pingos de chuva que foram caindo e teve Oliver Rowland a conseguir ultrapassar o português a meia hora do final tal como Nyck de Vries, que pouco depois de novo para a quarta posição. O melhor estaria para vir logo a seguir: Félix da Costa teve a melhor utilização do attack mode e superou Vergne na reta da meta, subindo a primeiro e fazendo depois uma gestão perfeita da corrida para fechar da melhor maneira uma histórica conquista que voltou também a provar de forma inequívoca a superioridade da DS Techeetah face à concorrência direta, ao ponto de ter deixado que Vergne saltasse de novo para a frente para ter outro conforto na gestão da energia até ao final. E com um pormenor: além dos 18 pontos pelo segundo lugar, Félix da Costa fez mais um com a volta mais rápida.