“We Are Who We Are” significa “somos quem somos”. E além de ser um frase de boa filosofia, é também o título da primeira série de televisão de Luca Guadagnino, realizador (conhecido sobretudo pelos filmes “Chama-me Pelo Teu Nome”, de 2017, e o remake de “Suspiria”, de 2018) que aqui se lançou ao argumento na companhia de Paolo Giordano (autor de A Solidão dos Números Primos) e Francesca Manieri. É uma mini-série de oito episódios sobre o “coming of age”, essa coisa do passar da adolescência para a idade adulta à qual a língua portuguesa nunca atribuiu uma expressão tão chiclete como a inglesa mas que, independentemente do idioma, dá pano para mangas nas coisas da ficção. Já agora: estreia-se esta terça.feira, 15 de setembro, na HBO Portugal.

Atenção: reconheçamos que pode ser um tema batido. Contudo, Luca e companhia partem de um ponto de vista peculiar. A acção decorre em Veneza, junto de uma base militar norte-americana. A maioria das personagens adolescentes são norte-americanos, com uma vida confinada à realidade de uma base militar. Alguns deles viajaram dos Estados Unidos para lá, outros nunca viveram no seu país e a sua existência passou por diferentes bases, noutros sítios do mundo.

A normalidade da adolescência parece sempre relativamente anormal para quem a vive. Mas esse é um paradoxo universal nesta fase da vida. E é sempre possível encontrar uma adolescência, uma experiência de vida com que qualquer um se relacione. E quem o garante é Jack Dylan Grazer, ator que deu nas vistas em “It” e que interpretou a versão mais nova da personagem de Timothée Chalamet (o protagonista de “Chama-me Pelo Teu Nome”) em “Beautiful Boy”, o filme que adaptou o livro de Nich Sheff:

“Os adolescentes usarão a série como uma plataforma para dizerem aos mais velhos ‘nós somos assim, é isto que está a acontecer’. E creio que, por isso, não exclui nenhuma geração. Mas é claro que se relaciona muito com a minha, ainda que fale de sentimentos que estão sempre connosco.”

A explicação de Jack, ator de 17 anos com papel de destaque em “We Are Who We Are”, é-nos dita numa roundtable feita com vários jornalistas (e com a devida distância social, a tal que a internet permite). No mesmo encontro está Jordan Kristine Seamon, também de 17 anos e que faz a sua estreia como atriz nesta série, ao mesmo tempo que explora as possibilidades de uma carreira musical. Jordan concorda com Jack. Há algo de convincente na forma como ambos falam desta experiência: interpretar personagens que estão a entrar na idade adulta, quando os próprios atores também estão:

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“Foi uma viagem muito bonita. Aprendi muito sobre mim, mas também me questionei muito sobre a minha existência. Algumas coisas foram respondidas, outras não. Continuo a aprender, a procurar, a tentar perceber.”

O que é de facto pouco normal para a maioria dos que vão ver a série é crescer numa base militar. A história arranca com a chegada de Fraser (Jack) e as suas duas mães a Itália. O protagonista conhece Caitlin (Jordan), que vive na base há anos e até fala italiano. Mas são ambos estranhos numa terra estranha, não só em relação à Itália que veem e vivem, mas também face à fatia da América que não veem e que vivem de uma forma muito pouco habitual.

[o trailer de “We Are Who We Are”:]

A dificuldade de adaptação; a procura de uma identificação com o espaço, o tempo e as pessoas que nos rodeiam; a luta contra o preconceito, interno e externo. Todas estas lutas diárias fazem parte do quotidiano das personagens. Pode não parecer nada de especial, mas no fundo todos sabemos que há poucas coisas mais especiais que estas. Fazer delas uma história que não a nossa pessoal é que não é tarefa fácil.

A dado momento, Fraser e uma outra amiga, Britney (Francesca Scorsese), estão no supermercado da base e esta diz-lhe que os supermercados são iguais em todas as bases, para facilitar a adaptação, para criar uma fasta realidade de que vivem no seu país (neste caso, os Estados Unidos): “Tens saudades de casa? Aqui tens uns Cheetos”, responde com piada Jack a esta ideia de uma fatia da vida norte-americana na série. A Itália que é mostrada também não é uma Itália de postal, é a Itália que as pessoas vivem: “Seria um cliché filmar nos canais de Veneza. A série quer ser natural, é sobre a vida. Estas pessoas no seu tempo livre não vão a Veneza.”, diz-nos Jack Dylan Grazer. E Jordan conclui:

“Exato, vivem ali há muito tempo. Não vão aos sítios turísticos. Mostrar Itália assim foi propositado, para trazer autenticidade à vida das personagens. Se fossem aos locais turísticos, não seria real. Essa autenticidade é conseguida através da normalidade, da vida regular, do dia-a-dia.”

O cenário e as características da história recolheram inspiração em vidas reais. O que se vê em “We Are Who We Are” não é uma versão romantizada de outras séries sobre adolescentes recentes, como “Euphoria”. O que se vê é a apropriação de comportamentos que habitualmente associamos à adolescência por parte de todos: dos militares que vivem num mundo de regras, métodos e exigências extraordinárias; e de qualquer um que veja a série. E é aí que a criação de Luca Guadagnino se torna menos uma série sobre eles, mas sobre nós todos.

Ao longo da roundtable, Jack volta constantemente a um assunto. Não se percebe se é resposta treinada ou se é algo que de facto o marcou. Porque, ator ou não, é um adolescente. Sem nunca lhe ser perguntado diretamente, reage – e Jordan também, mas menos – com uma explicação sobre a experiência, de como foi formativa para si:

“Viver como ele foi ultraformativo para mim. Forçou-me a aprender coisas sobre mim que não tinha coragem de abordar. E fui constantemente lembrado de que a conformidade é o que nos mantém presos, são essas barreiras invisíveis que sufocam as personagens e nos sufocam a nós. E não faz sentido… somos pessoas, somos livres, temos de viver. A série é sobre isso, viver, a autodescoberta.”

A adolescência não vive sem música — mais uma vez, parece cliché, mas mesmo que seja, é um cliché verdadeiro. E a banda-sonora de “We Are Who We Are” revela-se logo nos primeiros minutos. A colaboração com Dev Hynes (Blood Orange, Lightspeed Champion), que compôs os temas originais, tem lugar de óbvio destaque, mas “We Are Who We Are” enche-se da obra de outros para tornar a música um elemento vivo e presente na história: “É uma personagem. É imprescindível para a aura da série. Sempre que interpreto uma personagem, faço uma playlist, para me ajudar a entrar dentro da cabeça de quem estou a representar. Partilhei a playlist com o Luca e ele incluiu alguma dessa música na série. A música que o Fraser ouve nos headphones é a música que eu estava a ouvir. Creio que isso dá uma outra perspetiva sobre as personagens e como elas se estão a sentir, uma perspetiva mais concreta”, confessa Jack.

Já Jordan não teve um grande papel na selecção musical. Quando provocada sobre se teve vontade de mostrar a sua própria música a Luca, para ser incluída na série, a atriz confessa: “Não, mas a minha mãe insistiu muito que o fizesse. Mas era impossível ter tempo para escrever e criar nova música para a série.” Um esclarecimento que surge quase como ironia, para nos dizer que as dúvidas, angústias e inseguranças que surgem na adolescência são apenas a projecção daquilo que está por vir, a uma escala maior ou menor, na realidade ou numa obra de ficção que se diz feita a partir da verdade dos dias.