Andar de avião pode ser mais do que simplesmente ir do ponto A ao ponto B e é precisamente essa ideia que está a dar um balão de oxigénio a várias companhias aéreas em todo o mundo. São cada vez mais as transportadoras que organizam aquilo que já se chama de “voos para lado nenhum”. 

O rótulo pode parecer confuso mas na verdade é tudo bastante simples: as apertadas restrições globais que estão a afetar (e sufocar) o setor da aviação comercial limitam a deslocação de pessoas entre destinos daí que nestas novas viagens o objetivo principal é o trajeto e não a cidade “X” ou “Y”. Aqui o que interessa é o passeio, a vista e a experiência e emoção de voar. 

A CNN conta que a gigante australiana Qantas é uma das companhias aéreas que está a apostar neste formato e o sucesso tem sido de tal ordem que o primeiro voo deste género que estão a organizar (e que acontece já a 10 de outubro) esgotou em menos de 10 minutos. “É provavelmente o voo que mais rapidamente esgotámos na história da Qantas”, disse o CEO da companhia aérea, Alan Joyce, num comunicado. 

“As pessoas claramente sentem falta de viajar, da experiência de voar. Se a procura se justificar, seguramente faremos fazer mais destes voos panorâmicos”, explicou ainda. O trajeto em questão terá sete horas de duração e percorrerá as zonas de Queensland, Gold Coast, New South Wales e outros locais mais remotos do interior australiano. A ideia é ter o avião a sobrevoar atrações famosas como o Porto de Sydney e a Grande Barreira de Corais, Uluru e Bondi Beach. A Insider diz ainda que incluída nesta experiência está a promessa de entretenimento especial a bordo — uma celebridade a fazer de anfitriã, por exemplo — e os preços rondaram, antes de esgotarem, os 485 e os 2230 euros (venderam 134 passagens usando ainda as divisões “classe executiva”, “económica premium” e “económica”.

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A Chine Airlines também realizou há pouco tempo um destes voos sem destino só para crianças. SAM YEH/AFP via Getty Images

Não é caso único

Um pouco por toda a Ásia, onde a maioria das fronteiras permanecem fechadas e com o setor do turismo gravemente prejudicado, a opção destes “voos sem destino” também está a fazer sucesso. Uma das primeiras companhias a apostar neste esquema foi a taiwanesa EVA Air, que no passado dia oito de agosto realizou um voo sem destino a bordo de um Airbus 330 Dream todo decorado em homenagem à figura animada Hello Kitty.

Noutra latitude, a japonesa All Nipon Airways (ANA) também operou um curto voo panorâmico no Japão em agosto que pretendia replicar “uma experiência de resort no Havaí”, afirmou então a companhia. A bordo seguiram cerca de 300 passageiros que durante uma hora e meia andaram em passeio pelos ares.

Mais recentemente, a 19 de setembro, a Organização de Turismo da Coreia alinhou nesta tendência e organizou um voo do género em Taipé. A 120 turistas taiwaneses foi oferecida esta viagem que panorâmica que se dedicou principalmente a mostrar o potencial (visto do céu, claro) da ilha sul-coreana de Jeju. A clara manobra de marketing e promoção turística incluiu um concurso de perguntas e respostas a bordo e até uma mostra de cozinha típica da Coreia.

A gigante Singapore Airlines, diz o jornal local Straits Times, também estará a considerar operações deste género já para outubro como parte de um conjunto de iniciativas que permitam continuar a envolver os seus clientes e viajantes.

epa08634977 Airbus A320 airplanes of Singapore low-cost carrier Scoot Tigerair (front) and Airbus A380 aircrafts of Singapore Airlines, grounded due to the Coronavirus (COVID-19) pandemic, are parked at the Asia Pacific Aircraft Storage facility in Alice Springs, Australia, 30 August 2020. Aircrafts including the Airbus A380s and Boeing MAX 8s are being stored at the Alice Springs facility because central Australia's dry climate makes it a suitable place for long-term aircraft storage. EPA/DARREN ENGLAND AUSTRALIA AND NEW ZEALAND OUT

A Singapore também será outra companhia a apostar nesta alternativa mais inusitada. D.R.

E o meio ambiente?

Por muito que este tipo de viagens esteja a ser visto como uma mais valia nos tempos difíceis que estão a vergar as companhias aéreas, os ambientalistas parecem estar em contra ciclo. A norte-americana ABC relata que vários ativistas já se estão a manifestar contra estes “voos sem destino”.

Mark Carter, da associação Flight Free Australia — grupo que pede às pessoas que se comprometam a não voar durante um ano inteiro como forma de reduzir as emissões de CO2 — contou a essa televisão que “a nossa casa está a pegar fogo” e que o impacto deste tipo de voos está a contribuir para a destruição “da Grande Barreira de Corais que vão ver das suas janelas”.

O frágil recife que é usado como exemplo está a ser bastante afetado não só pelo aumento da temperatura das águas como também pela terrível época de incêndios que assolou recentemente a Austrália. Embora a aviação seja responsável por apenas cerca de dois por cento das emissões globais, esta parcela tem crescido rapidamente. Uma viagem de longo curso entre Nova Iorque e Paris, por exemplo, emite aproximadamente o mesmo carbono por pessoa que o europeu médio usa para aquecer a sua casa durante um ano inteiro (dados da Comissão Europeia).

A Qantas já anunciou que ira compensar as emissões do voo turístico mas, mesmo assim, os ambientalistas dizem que isso não faz nada para evitar que as emissões reais de carbono entrem na atmosfera. Anna Hughes, diretora da Flight Free do Reino Unido, disse que “não há substituto para deixar os combustíveis fósseis no solo”. “O perigoso da compensação é que nos leva a acreditar que podemos voar com carbono neutro”, disse ela. “A melhor maneira de reduzir as emissões de gases de efeito estufa continua sendo a mais simples: não emiti-los em primeiro lugar”, acrescentou.