O ano é de exceção, para a moda como para tantos outros setores. Basta recuar um mês e olhar para as grandes semanas de moda internacionais, onde gigantes como a Gucci e a Yves Saint Laurent, mas também Marc Jacobs e Tom Ford, estiveram ausentes do calendário. A decisão foi seguida por dos rostos bem conhecidos do panorama nacional — Luís Buchinho, em plena celebração de 30 anos de carreira, e Diogo Miranda. Ambos marcaram para esta terça-feira a apresentação das suas coleções para o próximo verão, à margem da plataforma habitual, o Portugal Fashion. O travo é agridoce, mas prova a maleabilidade da moda e dos seus criativos.

Estamos em 2020 e há uma pandemia mundial a moldar a vida de milhões de pessoas. Para um criador, a coleção desenhada durante o confinamento jamais poderá ser mais uma. No caso de Buchinho, a assinalar três décadas de carreira, o relevo é duplo. “Esta foi feita a pensar em coisas muito diferentes da anterior, já em pleno confinamento”, afirma em conversa com o Observador, numa referência à coleção de inverno que apresentou em março, em Lisboa, e com a qual encetou os festejos desta data redonda.

24 fotos

“Desenhar esta coleção foi o exercício mais vago que fiz nestes 30 anos”, admite. “Foi um verão cheio de pontos de interrogação, uma incógnita enorme, mas comecei a desenhar até mesmo para transmitir à minha equipa uma projeção de futuro, para sabermos que íamos fazer qualquer coisa — ainda sem saber onde, como e para quem, mas que havia essa intenção”, explica o criador.

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O resultado foi revelado esta terça-feira. Luís Buchinho, nome incontornável da moda portuguesa, montou um desfile à porta fechada, na Escola Artística de Soares dos Reis, no Porto, filmou-o e fotografou-o sem os habituais holofotes de uma fashion week. Em ano de comemorações, o designer quis trabalhar com a prata da casa e a um aniversariante nada se nega. “Justificou-se, mais do que nunca, fazer uma produção fiel à minha equipa”, continua.

Entre manequins, cabelos, maquilhagem e recursos técnicos para produzir o vídeo e o material fotográfico, o designer reuniu uma equipa de cerca de 15 pessoas. “Nem tem de ser um desfile”, afirma. “Mas uma vez que optei por este formato, era obrigatório. Tenho de ver a minha roupa em movimento”, conclui.

A coleção é fruto de um exercício de síntese. Ao longo de 24 coordenados, Buchinho reflete a nova vida entre quatro paredes e o efeito do confinamento naquelas que são as novas exigências de conforto, mas também de apresentação profissional. “São peças entre a reunião no Zoom e o conforto próprio de quando se está em casa. Foi por isso que escolhi tecidos confortáveis e que não amarrotam. Houve muita atenção ao colo para criar decotes confortáveis para reuniões”, detalha.

O linho, a seda e o algodão foram os materiais de eleição, enquanto o preto, o branco, os azuis Klein e noite e o verde tropa — a paleta favorita do criador — pintaram uma coleção excecionalmente curta. “Foi um dos benefícios de toda esta reflexão. Ultimamente, as coleções tinham um tamanho absurdo. Havia roupa a mais, basicamente. Isto fez-me filtrar e equacionar cada peça para ter uma utilidade absoluta”, explica. Ainda assim, Buchinho quis trazer algo de “lúdico” para o mais imprevisível dos verões. Fê-lo através de um conjunto de peças com movimento e textura extra — plissados cortados a laser que vão aguçar a curiosidade das clientes mais dedicadas.

Trinta anos de carreira pedem balanço e projeções. Cru no primeiro, cauteloso nas segundas, Luís Buchinho é agora um designer de moda atido ao presente. “Tive sérias dúvidas de que a marca chegasse até ao final do ano. Depois, o confinamento acabou, reabrimos a loja e lentamente a coisa foi retomando o funcionamento normal. Mas as incertezas continuam e não sabemos como vamos estar daqui a um mês”, refere. Quanto a um possível regresso ao Portugal Fashion, responde com a incerteza do momento — “Não digo nem que sim, nem que não. Estou a viver o presente e o presente é este formato”.

Luís Buchinho não foi o único a optar por fugir ao calendário de apresentações do Portugal Fashion, que arranca já na próxima quinta-feira. Ainda esta terça-feira, Diogo Miranda apresenta a sua coleção primavera-verão 2021.