Há sete meses, o cenário era bem mais incerto. O aumento galopante do número de infeções pelo novo coronavírus ditou o cancelamento da 46ª edição do Portugal Fashion, após o primeiro de três dias de desfiles. Sete meses depois, a moda regressa à Alfândega do Porto. A partir desta quinta-feira e até sábado, quase três dezenas de marcas e designers nacionais apresentam as suas propostas para o verão de 2021.

Bem mais ciente do risco de transmissão do vírus — numa altura em que o norte do país volta a dominar o boletim diário e um dia depois do primeiro-ministro ter decretado estado de calamidade em todo o país, devido à “evolução grave” da Covid-19 –, a organização oferece uma experiência repensada. Esse momento intocável que é o desfile, acontece praticamente à porta fechada, inacessível ao público e com apertadas medidas de segurança.

Com escassas dezenas de pessoas, foi nesta sala que o designer David Catalán apresentou a sua coleção primavera-verão 2021. As luzes apagaram-se e foi projetado um vídeo do desfile de há um mês, em Milão © Melissa Vieira/Observador

“Neste momento, há de facto uma situação epidemiológica muito complexa e que exige da nossa parte uma particular cautela”, começa por referir Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, ao Observador. Durante os próximos dias, apresenta-se na condição de coordenador do plano de contingência do Portugal Fashion.

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“É impossível eliminar os riscos, mas acreditamos que as soluções que encontrámos permitem assegurar uma boa proteção. Isso foi feito no âmbito de um plano de contingência que foi submetido às autoridades de saúde, quer nacional, quer local”, completa. Fala em distanciamento físico, na utilização obrigatória de máscara e no registo prévio de todos os intervenientes. “Parte dos eventos são no exterior, sabemos que ao ar livre é mais difícil a doença transmitir-se. O plano também prevê o que fazer se alguém surgir com sintomas e possibilita, se a posteriori se confirmarem casos positivos, rastrear dos contactos”, esclarece.

As medidas não ficam por aqui. Num edifício praticamente deserto, pelo menos quando comparado com o frenesim de uma edição pré-pandemia, onde chegavam a passar pela Alfândega do Porto à volta de 40 mil pessoas, há circuitos assinalados no chão, controlo de temperatura à entrada e um corte drástico no número de pessoas com acesso aos desfiles e apresentações.

A fila de convidados para entrar na apresentação de David Catalán © Melissa Vieira/Observador

“Falamos de um corte de 80%. Estamos com o compromisso de ter um pico nunca superior a 200 pessoas e ainda temos espaços mais restritos, como o Hotel Neya onde aconteceu o desfile de Sophia Kah, onde só podíamos ter 40 pessoas, no máximo. A reinvenção chegou ao ponto de escolhermos espaços que nunca tínhamos usado, como o parque de estacionamento, onde teremos dois desfiles nesta edição”, explica Mónica Neto, diretora do Portugal Fashion, ao Observador.

Os desfiles no exterior são precisamente uma das apostas, à semelhança de uma sala de vídeo, de acesso ainda mais restrito, e onde os criadores de moda poderão apresentar num formato híbrido partilhado entre o físico e o digital. Opções que se refletem nos bastidores, onde também as equipas foram reduzidas e reorganizadas. Mónica Neto fala em maior distância entre equipas, em higienização e personalização de materiais e também num sistema de purificação de ar já com testes feitos na neutralização do vírus. “Ainda limitámos o número de pessoas que cada designer traz — não podemos ir além de quatro elementos por equipa”, resume.

As mesmas limitações estenderam-se aos convidados de cada desfile. “Comparando com a edição de março, que foi efetivamente à porta fechada, nesta conseguimos ter alguns convidados profissionais. Tudo o resto é a comunicação e a divulgação que o digital já permite fazer”, adiciona. Além da transmissão dos desfiles em direto, o Portugal Fashion assegura uma programação de pequenas conferências e entrevistas.

Imagem da sala de imprensa da 47ª edição do Portugal Fashion © Melissa Vieira/Observador

Com o país em estado de calamidade, Ricardo Mexia acredita que o evento é seguro. “Sendo um evento corporativo e tendo sido alvo de um plano de contingência, pode realizar-se, atendendo às tais recomendações e indicações que foram impostas pelas autoridades de saúde. Até agora não nos foi solicitada qualquer alteração. Acreditamos que as cautelas que tínhamos já permitem reduzir o risco”, afirma o especialista. “Acreditamos que é um evento seguro, desde que toda a gente cumpra o que lhe está a ser pedido”, remata.

Quanto a uma testagem prévia de equipas envolvidas na produção e realização do evento, medida adotada pela organização da ModaLisboa, o Portugal Fashion optou por uma estratégia diferente. “Não foram feitos testes, nem isso foi solicitado pela Direção-Geral da Saúde ou pela autoridade de saúde de local. O que foi feito foi uma recomendação de comportamentos nos 14 dias anteriores ao evento”, sublinha.