O Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas da Ordem dos Médicos divulgou um parecer onde faz recomendações éticas sobre as opções a tomar pelos médicos quando faltarem camas nas unidades de cuidados intensivos, ventiladores ou recursos humanos. “Salvar mais vidas e mais anos de vida”, recomenda o parecer, mas avaliar os doentes só pela idade não chega.

“Não se trata de tomar decisões de valor, mas de reservar os recursos que podem tornar-se extremamente escassos para aqueles que têm,  antes do mais, maior probabilidade de sobrevivência após o tratamento“, escrevem os autores do parecer. E isto aplica-se a ” todos os doentes que necessitem de terapia intensiva, não só aos doentes infetados pelo coronavírus”.

Em caso de escassez de recursos, a prioridade de chegada não pode ser um critério, assim como não o pode ser a idade. “A presença de comorbilidades [doenças prévias] e o estado funcional dos múltiplos órgãos devem ser cuidadosamente avaliados, juntamente com a idade.” O parecer acrescenta que ainda que, tal como noutras situações de não emergência, os doentes com doença avançada ou terminal que venham a tirar pouco ou nenhum benefício do tratamento, não devem fazer terapia intensiva.

“Sublinhamos que, também nesta situação, é o doente com a doença e não a doença no doente que deve presidir às nossas decisões”, referem os autores do documento.

O uso de meios de oxigenação extracorporal deve ser criteriosamente selecionado e, de preferência, para usar por um curto período de tempo. O que não quer dizer que, se houver suspensão da ventilação se interrompam também os restantes tratamentos, diz o parecer entre as 20 recomendações para os serviços de Medicina Intensiva. E mesmo que todos os tratamentos sejam suspensos, o médico deve “sempre garantir acompanhamento paliativo adequado” do doente.

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O parecer acautela também as necessidades dos doentes e famílias, a começar pela comunicação das opções — bem fundamentadas — ao doente e família, o registo de todas as decisões no processo, a possibilidade de despedida, o acompanhamento religioso do doente e psicológico ou espiritual da família.

“No caso de os doentes que morram numa situação de total ausência ou restrição de visitas, deverá ser garantida, sempre que possível, a possibilidade de se despedir, ainda que através do telefone, dos seus familiares”, refere o parecer ético da Ordem dos Médicos.

O parecer refere que as medidas devem ser revistas periodicamente durante o período crítico, mas destaca que também é preciso retirar lições do processo. “Numa fase posterior e de maior acalmia das circunstâncias da pandemia Covid-19, toda a informação disponível deverá ser partilhada e discutida entre todos os profissionais, no sentido de avaliar o que poderá ser melhorado no desenho de uma estratégia nacional para uma situação idêntica no futuro.”

Além das recomendações éticas em relação ao tratamento dos doente, a Ordem dos Médicos também se dirige aos profissionais de saúde, à sua segurança e aos direitos que têm, como estarem devidamente equipados e terem os recursos necessários para tratarem os doentes sem correrem riscos.

“Perante a inexistência ou carência de equipamento de proteção individual (EPI) adequado, os médicos que estão na linha da frente na triagem, abordagem ou tratamento de doentes ou de eventuais portadores do vírus que, são eles próprios grupos de risco, poderão invocar direito de recusa. Aos médicos não poderá ser negado, em casos extremos, o direito a evocar recusa”, refere o parecer nas considerações gerais.

Segundo o jornal Sol, o parecer foi elaborado já em abril, mas não chegou a ser publicado porque a evolução da pandemia não o exigiu. Agora, com o agravar da situação e tendo em conta que também há doentes não-covid a requerer internamento e cuidados intensivos, o documento pretende ser orientador da ação dos médicos.

Pode ler as considerações e recomendações éticas integralmente aqui.