A mágoa causada pela derrocada de um troço de estrada em Borba (Évora), há dois anos, com cinco mortos, ainda “vive” nos habitantes da terra, mas é outra “desgraça”, a pandemia de Covid-19, que domina as conversas.

Neste concelho, um dos municípios do Alentejo com risco elevado para a Covid-19, as conversas giram, agora, em torno do “bicho” que provoca a doença e que outros clientes da tasca, em jeito de brincadeira, asseguram que é “morto” pelo afamado vinho de Borba: “É um antivírus”.

Mas João Sebo afiança que ainda tem gravado o que aconteceu, quando um troço da Estrada Municipal (EM) 255, que ligava Borba e Vila Viçosa, ruiu para dentro de duas pedreiras, “ceifando” as vidas de dois operários de uma empresa de extração de mármore e de três homens que seguiam em dois automóveis.

“Há malta que já não se lembrava, mas eu lembro-me daquilo porque também tive, há 40 anos, uma situação destas” na estrada, “quando andava a calcetar e abriu um buraco” na rodovia, evoca.

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O morador recorda ter ficado, nessa ocasião, “aí a quatro metros do buraco” aberto na EM255, um pouco “mais à frente” de onde aconteceu a derrocada de há dois anos.

“Ainda hoje estou em pânico. Não caí lá para baixo porque não calhou, não teve de ser. Aquela estrada é um perigo, sempre foi um perigo”, diz João, cujo olhar fica marejado de lágrimas a que se junta a voz embargada, ao lembrar também que, no acidente de 2018, perdeu “três amigos”, os que viajavam em automóveis na EM255.

Maria José Ricardo, dona de uma pastelaria a curta distância do edifício dos Paços do Concelho, confirma que atualmente, o acidente “já não se comenta tanto” e que “a coisa agora ficou mais sossegadinha”.

“Agora então, com a pandemia toda, que é uma confusão, as coisas vão esquecendo. Quem morre é que fica mal”, afirma, sublinhando: “Infelizmente, quando vem outra desgraça esquece-se a anterior, quase sempre é assim”.

Tendo sido também “tocada” pelo acidente, já que uma das vítimas mortais era seu primo, a dona da pastelaria ressalva que, se o assunto do acidente “vier à tona”, aí “todas as pessoas se lembram”, sobretudo “colegas de trabalho dessas pessoas” que perderam a vida.

“Quem trabalha habitualmente nesses lugares sabe ainda melhor o que lá existe. Nós estamos fora, quase que sabemos só por saber, agora, quem trabalha lá sabe pormenores, sabe como funciona. Claro que nunca ninguém vai-se esquecer, só que deixa-se de falar no assunto. É normal”, refere.

O “rasgão” na paisagem causado pela queda do troço de cerca de 100 metros da EM255 permanece intocável. Os sinais indicadores de perigo de derrocada e de pedreiras em funcionamento lá estão e o trânsito continua cortado, tal como após o acidente.

A curta distância do “abismo”, junto às pedreiras onde ruiu a estrada, blocos de mármore, gradeamentos e barreiras plásticas vermelhas e brancas impedem a passagem.

Para os moradores, continua a ser uma “bandeira” a defesa de que deve ser criada uma nova ligação a Vila Viçosa, que não obrigue os automobilistas a circularem entre as duas sedes de concelho através da variante à Autoestrada 6.

Seria “uma mais-valia, porque agora só temos acesso a Vila Viçosa pela parte da variante, não tem nada a ver”, argumenta Maria José, sustentando que, com uma nova via ou a reconstrução da EM255, o trajeto seria “muito mais rápido”, até para os trabalhadores das pedreiras que agora “têm que andar às voltas”.

A queda da EM255 “foi prejudicial para todos”, quer em Borba, quer em Vila Viçosa, porque “a gente deslocava-se rapidamente e agora é mais difícil, ninguém ‘amanha’ nada”, lamenta José Poeiras, de 60 anos, dono da Tasca Larga-a-Velha, apontando que o caminho é “fazerem uma estrada nova”, no mesmo local.

O facto de o presidente da Câmara de Borba, António Anselmo, ser arguido no processo criminal relativo ao acidente, que tem outros sete arguidos e cuja fase de instrução arranca em 03 de dezembro, em Évora, é igualmente criticado pelo taberneiro, assim como por diversos moradores ouvidos pela Lusa.

“Acho que está mal, só ‘voltaram’ as culpas a um, o presidente é que tem carregado com tudo”, afirma José Poeiras, defendendo que o autarca de Vila Viçosa, Manuel Condenado, e os donos das pedreiras deviam também “sentar-se” no “banco dos réus”.

Em declarações à Lusa, o autarca António Anselmo reitera que “lamenta” o acidente de há dois anos e limita-se a acrescentar que está “tranquilo”, aguardando “o desenrolar do processo em tribunal”.

O troço da EM255 colapsou na tarde de 19 de novembro de 2018, devido ao deslizamento de um grande volume de rochas, blocos de mármore e terra para o interior de duas pedreiras, causando os cinco mortos.

À margem do processo judicial, os 19 familiares e herdeiros das vítimas mortais da derrocada já receberam indemnizações do Estado, num montante global de cerca de 1,6 milhões de euros, cujas ordens de transferência foram concluídas no final de junho do ano passado.