Se há algo que se tornou evidente nestes tempos é que não é preciso muito para que uma teoria da conspiração se torne viral. Só que nem todas geram o impacto que teve uma pequena mensagem sobre a pandemia, em março, ao servir de combustível para negacionistas de todo o mundo. De tal forma, que esse tweet foi alvo de vários estudos académicos e o jornal espanhol El Confidencial invoca mesmo a “Guerra dos Mundos”, a adaptação radiofónica de Orson Welles da invasão alienígena criada por H.G. Wells, que teve um impacto gigante e imprevisto.

No dia 28 de março, já com vários países a imporem confinamento para tentar travar o descalabro nos serviços nacionais de saúde, um utilizador com perfil anónimo (numa conta @22Century Assets) publicou uma mensagem que insinuava que a pandemia era uma montagem. Com hashtag #FilmYourHospital (fotografe o seu hospital), perguntava apenas se essa hashtag poderia ter consequência — “Pode isto pegar?” (Can this become a thing?)

Foi apenas o início. À boleia dessa hashtag, e apesar de o cenário ser já grave em vários países, as redes sociais encheram-se de fotografias de hospitais aparentemente vazios para demonstrar que a pandemia não era mais do que uma mentira. Uma onda que contribuiu para o aumento de negacionistas em todo o mundo.

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A mensagem teve tal impacto que, passado um ano, já há pelo menos dois trabalhos académicos que analisaram a forma como um tweet isolado e anónimo se tornou numa das maiores conspirações sobre a pandemia.

Num desses estudos, “Going Viral: How a single tweet spanned a covid-19 conspiracy in Twitter”, publicada no jornal “Big Data & Society”, a tecnologia das redes sociais é, em parte, responsabilizada, por causa do “efeito de amplificação dos algoritmos de recomendação de inteligência artificial usados ​​por plataformas ‘online’”. Mas uma das principais razões apontadas para a rápida escalada é a “coordenação ‘ad hoc’ entre personalidades conservadoras e grupos de extrema direita, que tentam usar esta teoria da conspiração contra seus oponentes políticos”, segundo o investigador Anatoliy Gruzd, da Ted Rogers School of Business e da Ryerson University no Canadá, em entrevista ao jornal El Confidencial. O estudo dá exemplos concretos dessa coordenação.

Uma ideia confirmada pelo segundo estudo, “Film your Hospital’ Conspiracy Theory: Social Network Analysis of Twitter Data”, publicado no Journal of Medical Internet Research. “É verdade que essa fake news parece ter começado com um utilizador anónimo, mas no nosso estudo vemos que posteriormente houve uma coordenação entre outros utilizadores [de redes sociais] com base em retweets e menções para amplificar a campanha”, afirma Vidal-Alaball, médico de família e investigador do Institut Català de la Salut, um dos académicos que participou no estudo.

Não ajudou ainda o facto de, durante as primeiras semanas da pandemia, ter havido “poucas imagens sobre o que realmente estava a acontecer nos hospitais”. “A imprensa, em quase todos os países, dedicou-se (e não critico) a enviar mensagens positivas à população (vou resistir, vai passar, vai dar tudo certo, paramos o vírus juntos …) e foram evitadas imagens reais de sofrimento e morte”, explica ainda o académico ao El Confidencial.

Com as devidas distâncias, o jornal espanhol compara este fenómeno com o episódio da Guerra dos Mundos, de 1938, em que o simples relato, com tom jornalístico, de uma novela na rádio gerou o pânico em grande escala e de forma inesperada. Nesse caso, no entanto, milhões de americanos chegaram tarde à emissão, não se apercebendo que se tratava da adaptação de um livro.