A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) é mais uma entidade a dizer que o Estado gastou menos na resposta à pandemia no ano passado do que anunciou ao longo do ano, nos vários documentos de referência como no Programa de Estabilidade em abril e no Orçamento Suplementar. A execução da despesa ficou 6866 milhões de euros abaixo valor autorizado pelos deputados em julho, já para contrariar os efeitos do Covid-19 na economia e nas contas públicas. Este desvio verificou-se em quase todas as rubricas. Apenas os gastos com pessoal ficaram acima do teto aprovado pelos deputados em julho.

Mesmo em relação ao Orçamento inicial de 2020, os gastos ficaram abaixo dos autorizados em cerca de 2400 milhões de euros. E até em relação à estimativa de execução divulgada em outubro, na proposta orçamental para 2021, o desvio negativo é de 2149 milhões de euro, com “contributos neste sentido da maioria das componentes, com exceção das transferências de capital”.

De acordo com a UTAO, o Ministério das Finanças até reforçou no ano passado o montante de despesa cativada sobre o qual tinha poder de veto — mais 289 milhões de euros do que em 2019. Mas ainda não é conhecido o valor total das verbas libertadas pelo ministério de João Leão. O ministro das Finanças tem sido confrontado com críticas da oposição sobre esta falta de despesa em tempos de emergência económica e social, mas tem recusado a tese de que o Estado está a poupar nos apoios, reafirmando que o Governo vai continuar a apoiar a economia.

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Os técnicos do Parlamento apontam para uma sobrestimação de despesa (ou seja entre o que foi previsto e anunciado e o valor do que o executado) em várias das medidas mais emblemáticas de apoio a empresas ou famílias. Por exemplo, os valores mensais de 110 milhões de euros e 155 milhões de euros previstos em abril de 2020 para o isolamento profilático e o subsídio de doença ficaram em 62,6 milhões de euros e 40,9 milhões de euros, respetivamente. No caso do layoff simplificado o Programa de Estabilidade estimava um encargo mensal de 373,3 milhões de euros, valor mensal de despesa que nunca foi atingido ao longo do ano.

A UTAO sublinha também que as previsões iniciais dos impactos orçamentais com medidas COVID-19 incluídas no PE/2020 foram realizadas num momento de grande incerteza e insuficiência de elementos, o que dificultou a projeção mais assertiva”.

Mas no Orçamento Suplementar aprovado em julho, também se verificou “uma heterogeneidade considerável na magnitude dos desvios nas medidas para as quais havia esta previsão”. E se há medidas que foram sobrestimadas, também há o contrário. Medidas que foram subestimadas e cuja despesa foi muito superior à prevista. No primeiro caso, a UTAO destaca a medida de proteção aos trabalhadores independentes e informais, com uma taxa de execução em 2020 de apenas 6,9%.

Consultada a tabela onde as contas estão feitas, podemos observar que este apoio ao rendimento dos trabalhadores que não podiam aceder ao layoff mobilizou despesa de apenas 2,6 milhões de euros, face aos 38 milhões de euros inscritos. O acesso a este mecanismo que correspondia ao pagamento de um valor mensal correspondente a um indexante de apoio social (438,8 euros) gerou inúmeras queixas de dificuldades no registo e recusas da Segurança Social que levaram a Provedoria de Justiça a defender o alargamento do prazo para regularizar situações.

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Por outro lado, este apoio implica que o aderente tenha de contribuir para a Segurança Social enquanto estiver a usufruir do subsídio e nos 12 meses seguintes.

Com taxas de execução também abaixo do valor estimado estão o Rendimento Social de Inserção Covid-19 onde os gastos se ficaram nos 37%. O apoio à retoma progressiva da atividade económica, que sucedeu ao layoff simplificado que esteve em vigor no primeiro confinamento custou pouco mais de metade do estimado: 158,7 milhões de euros face aos 292 milhões estimados.

No entanto, e do lado das medidas cuja despesa foi muito superior à prevista está o apoio extraordinário à atividade dos trabalhadores independentes e sócios gerentes. Aqui a despesa totalizou 280 milhões de euros face aos 170 milhões estimados. Em termos relativos, as maiores derrapagens nos custos face ao estimado verificaram-se no subsídio de doença Covi-19 com uma taxa de execução quatro vezes superior ao estimado, atingindo os 41 milhões de euros no ano passado. O apoio ao teletrabalho e a assistência a descendentes furou o orçamentado em 233%, ainda que com um valor absoluto modesto de sete milhões de euros.

Do lado do que ficou por gastar volta a estar o investimento público cujo crescimento “ficou substancialmente abaixo dos sucessivos objetivos do ano”. O aumento foi de 3,6%, muito longe das estimadas de subida de dois dígitos que o Ministério das Finanças foi avançando ao longo de 2020. A saúde, e em particular a compra de equipamentos como ventiladores, foram responsáveis pelo crescimento ainda assim verificado, apesar da execução do Programa Operacional do setor da saúde ter ficado a 59,3% do previsto no Suplementar,

Numa análise à execução orçamental e contabilidade pública de 2020, os técnicos do Parlamento quantificam em 4.665 milhões de euros o impacto das medidas de resposta à Covid-19 no saldo orçamental, o que representa cerca de 2,4% do Produto Interno Bruto. E assinalam que este impacto “distancia-se do resultado final que as projeções de certas medidas Covid-19 incluídas no Programa de Estabilidade de 2020 (PE/2020) poderiam supor”. Isto apesar da incerteza que existe ainda sobre os efeitos do adiamento de obrigações fiscais e contributivas cujo impacto efetivo só pode ser calculado quando depois da nova data de liquidação.

O grosso da despesa foi orientado para o apoio à economia e famílias, cercas de 81%. As medidas de reforço da saúde representaram 19% dos valores com impacto no défice.