Seis anos depois de Japão e Coreia do Sul terem chegado a acordo sobre as reparações devidas às mulheres sul-coreanas obrigadas a prostituir-se durante a Segunda Guerra Mundial em bordéis criados para servir o exército nipónico — “mulheres de conforto” foi como se convencionou chamar-lhes, cerca de 7,6 milhões de euros foi quanto o governo de Shinzo Abe aceitou na altura pagar para tentar redimir a nação e reabilitar as relações com o país vizinho —, um professor de Harvard é notícia por escrever um artigo a garantir que mulher alguma terá sido escravizada sexualmente durante o período. “Ficção pura” foi a expressão que utilizou.

“Expressar compaixão por mulheres idosas que tiveram uma vida dura é positivo. Dar dinheiro a um aliado para reconstruir uma relação estável é positivo. Mas as as afirmações sobre mulheres de conforto coreanas escravizadas são historicamente falsas”, escreveu John Mark Ramseyer, professor de estudos jurídicos japoneses na Faculdade de Direito de Harvard, num artigo de opinião publicado no Japan Forward, o site de notícias em inglês associado ao Sankei Shimbun, jornal japonês assumidamente nacionalista e conservador.

Já o artigo académico, publicado na Internet no final do ano passado e que em março devia ter sido publicado na International Review of Law and Economics, foi suspenso depois de centenas de académicos terem assinado cartas a condenar o trabalho do professor, que o site de notícias DPRK Today, associado ao governo da Coreia do Norte, entretanto apodou de “pseudo-académico” e “aproveitador nojento”.

Nas ruas de Seul, capital da Coreia do Norte, houve manifestações de estudantes contra o artigo, que está neste momento a ser avaliado pela revista, que também já publicou um aviso aos leitores sobre as dúvidas que o texto lhe suscitou. De acordo com Ramseyer, as mulheres mantidas nos bordéis japoneses seriam “prostitutas com contratos”, não escravas sexuais. Andrew Gordon e Carter Eckert, historiadores da mesma Universidade de Harvard, foram alguns dos académicos que se insurgiram contra o trabalho que, dizem, não assenta em quaisquer documentos históricos. “Não percebemos como é que Ramseyer pode fazer afirmações credíveis, com palavras tão enfáticas, sobre contratos que não leu”, disseram em comunicado, citado pelo Guardian.

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Estima-se que entre 1932 e 1945 tenham sido cerca de 200 mil as mulheres, sobretudo sul-coreanas mas também chinesas, de vários outros países do sudeste asiático e até algumas japonesas e europeias, obrigadas a servir sexualmente os militares japoneses.

Coreia do Sul e Japão chegam a acordo sobre “mulheres de conforto”

Em fevereiro deste ano, questionada pela Yonhap, a agência de notícias sul-coreana, fonte do Departamento de Estado americano rejeitou a tese defendida pelo professor Ramseyer, nascido nos Estados Unidos mas criado no Japão. “Como os Estados Unidos declararam muitas vezes, o tráfico de mulheres para fins sexuais pelos militares japoneses durante a Segunda Guerra Mundial foi uma violação flagrante dos direitos humanos.”