O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) avançou com uma ação no Supremo Tribunal Administrativo para ser declarada a ilegalidade da chamada diretiva hierárquica da procuradora-geral Lucília Gago com força obrigatória geral.

A petição foi apresentada esta terça-feira pela advogada Tânia Ferreira Osório (escritório PBBR) e é apoiada por dois pareceres de Manuel Costa Andrade (ex-presidente do Tribunal Constitucional) e Paulo Pinto Albuquerque (professor na Universidade Católica) que alegam que a diretiva de Lucília Gago publicada a 12 de novembro de 2020 é “inconstitucional”. A “emissão da diretiva consubstancia o exercício da função legislativa pela procuradora-geral da República, o que lhe está vedado, já que é apenas à Assembleia da República que cabe legislar sobre as matérias acima referidas”, lê-se no texto da petição, a que o Observador teve acesso.

Ou seja, com base nos pareceres de Costa Andrade e Pinto Albuquerque, o sindicato liderado pelo procurador António Ventinhas (que está nos últimos dias do seu mandato e será sucedido pelo procurador Adão Carvalho) defende que a diretiva da PGR é inconstitucional porque “tais matérias estão na reserva de competência” do Parlamento enquanto órgão de soberania.

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A direção do SMMP justifica o recurso à via litigiosa porque a “senhora procuradora-geral da República persistiu em manter soluções ilegais e inconstitucionais que afectam o funcionamento interno do Ministério Público, mas também os direitos de outros sujeitos processuais, colocando inclusivamente em causa o princípio da separação de poderes”, lê-se no comunicado emitido esta terça-feira.

Citando os pareceres de Costa Andrade e de Pinto Albuquerque, a direção liderada por António Ventinhas refere que “a Constituição da República Portuguesa vedou expressamente a existência de pré-inquéritos ou inquéritos paralelos, fora do âmbito de controlo do juiz de instrução. (…) Esta lógica de um processo penal fora do processo penal reflete uma visão autocrática do MP”.

Desde que foi anunciada pela primeira vez em fevereiro de 2020 (e suspensa logo de seguida), a diretiva de Lucília Gago sempre merecer uma forte oposição dos magistrados do MP. Após a sua aprovação em novembro de 2020. António Ventinhas chegou a afirmar que a nova diretiva da PGR “abre a porta à interferência política na investigação criminal”.

O que diz a diretiva de Lucília Gago

Em causa está uma diretiva de Lucília Gago de 12 de novembro na qual são reforçados os poderes da hierarquia do Ministério Público para intervir nas investigações e avocar inquéritos quando os procuradores titulares dos mesmos se recusam a seguir ordens. A ordem emitida vai ao ponto de especificar expressamente “os processos que tenham, ou se preveja que venham a ter, repercussão pública” como sendo os principais alvos destas medidas, lê-se na diretiva n.º 4/20 publicada no site da Procuradoria-Geral da República.

Com a ordem de Lucília Gago, fica igualmente claro que os magistrados que lideram as investigações são agora obrigados a informar o seu chefe de todos os “atos processuais relevantes que tenham, ou se preveja venham a ter, especial repercussão pública.” Significa isto que a abertura de um inquérito, a realização de buscas ou de escutas telefónicas em processos de “particular sensibilidade” devido aos “interesses envolvidos” terão de ser previamente informadas.

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Do ponto de vista prático, esta diretiva vem legitimar a intervenção que Albano Morais Pinto, diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), teve no caso de Tancos ao impedir que os titulares do inquérito chamassem o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro-ministro António Costa a testemunhar nos autos. E vai igualmente permitir, por exemplo, que os titulares da investigação do caso do Hidrogénio tenham de informar previamente a sua hierarquia se quiserem propor ao juiz de instrução criminal interceções telefónicas para membros do Governo de António Costa.