É atriz, apresentadora, argumentista, fashionista, mãe e uma cozinheira de mão cheia. Joana Barrios vê o ato de cozinhar como “uma das disciplinas de self love e self care”, como uma forma de as pessoas poderem controlar a sua nutrição e reclamarem a cozinha como um espaço de liberdade onde a criatividade comanda tudo. É isso mesmo que pretende mostrar no seu primeiro programa culinário, O da Joana — baseado no livro homónimo —, que estreia a 17 de maio no 24Kitchen.

A ideia principal esclarece-a à partida: quer que o programa seja um incentivo para “que as pessoas voltem às cozinhas, que as ocupem”, e que o façam com gosto sem carregarem o peso da palavra chef — da qual Joana insiste também em afastar-se, por não se considerar uma. Apaixonada pelas artes performativas acabou a formar-se na Escola Superior de Teatro e Cinema, de onde saiu atriz, mas a carreira não se ficou por aí. Joana foi porteira da discoteca Lux, criou o blog Trashédia mais focado na moda, apresentou o programa Super Swing, no Canal Q, e a série Armário, da RTP2, e faz parte da companhia Teatro Praga. Entre um ecletismo de ofícios, existe a Joana apaixonada pelos tachos, colheres de pau e aventais, a sua praia.

Mas a Joana da cozinha — agora mais exposta — não é de agora, sempre lá esteve. Cresceu no restaurante dos pais, em Montemor, no Alentejo, rodeada de tachos e de comida de conforto, aquela que ainda hoje a continua a inspirar nas suas criações diárias. “Cresci dentro daquela cozinha e era uma relação muito presente e extremamente forte, eu aprendia e ia aperfeiçoando as coisas. A cozinha esteve sempre lá, e a preocupação com uma alimentação equilibrada e com bons ingredientes era muito importante”, confessa.

Barrios defende que a cozinha pode ser um espaço de libertação da personalidade. ©Carlos Pinto

E é desta atenção com o que se come, e como se come, que Joana se estreou nos livros de culinária, em 2017, com “Nhom Nhom”, caminho que seguiu também neste segundo, “O da Joana”, publicado em Outubro de 2020.

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Quando a sua filha mais velha nasceu, percebeu que havia uma lacuna no que toca a alimentação dos mais novos — que a levou a lançar o “Nhom Nhom”, uma compilação de receitas para os mais novos inspiradas nos pratos que fazia para a filha, do ensopado de borrego à açorda, tudo sem peneiras, apenas simplificado e com pequenos ajustes.

Já para “O da Joana” seguiu a mesma lógica, mas para adultos, reproduzindo-o agora num formato televisivo que não quer que seja só mais um programa de culinária. Apesar da vertente de entretenimento que todos possuem, o novo formato encabeçado por Barrios quer, acima de tudo, facilitar a tarefa de cozinhar com o que se tem habitualmente no frigorífico e na despensa. “É normal que muita gente veja programas de culinária e acabe por não reproduzir ou porque é difícil, ou porque não tem aqueles ingredientes em casa”, explica. “Vai ser um sítio onde se pode seguir uma receita do início ao fim, sem interrupções nem grandes complicações, acho que é isso que as pessoas podem esperar do programa e que acaba por marcar a diferença”.

O novo programa O da Joana é construído numa base muito caseira, como se fosse “uma masterclass para quem não tem grandes skills culinárias”, admite Joana, citando palavras do seu amigo André e. Teodósio. A dificuldade em perceber determinados termos da gastronomia ou em usar ingredientes mais delicados não pode (nem é) uma questão nos seus livros, nem no seu programa.

O foco acaba por estar igualmente na importância de controlar a alimentação, para que seja equilibrada, sazonal e nutritiva. “Por exemplo, a moda está mega relacionada com comida. A moda toca na tua pele, tu vestes aquela roupa, e com a alimentação é exatamente a mesma coisa, entra no teu corpo, por isso é bizarro que não prestes atenção ao que comes”, atira.

A atriz e apresentadora evita a todo o custo comida processada e defende a utilização de alimentos frescos e sazonais. ©Carlos Pinto

Risoto de camarão e lima, empada do Monte Alentejano, peixinhos da horta com creme de caju, sopa de cação, lombo de porco doce com arroz árabe são algumas das receitas a ir para o ar nos primeiros episódios do programa, isto sem esquecer a doçaria — saem da cozinha a tarte aberta de fruta, bolo de castanha ou molotof.

Joana diz que se criou um complexo, de alguma forma geracional, relativamente à cozinha e que muita gente deixou de cozinhar, ora porque não sabe, ora porque “associam esse exercício a um universo depreciativo, com o ónus no lar”, explica. Mas cozinhar não tem de ser uma obrigação. “A cozinha é muito capacitante, a partir do momento em que começas podes escolher o teu regime alimentar. São todas ferramentas importantes e decisivas no teu ser independente”, diz. “Para mim, cozinhar nunca é encarado como um aborrecimento ou um encargo, é como uma coisa extremamente positiva, é um espaço de criação e libertação. É um processo de tentativa-erro, é sobre agilizarmos uma coisa que vais ter de repetir todos os dias da tua vida”.

O desperdício alimentar e a felicidade de avental

No livro “O da Joana”, a atriz e apresentadora fez todos os esforços para mostrar que é possível evitar o desperdício alimentar, um tema que, admite, causa-lhe uma certa preocupação hoje em dia, por “um grosso da população” não planear a cozinha de modo a evitá-lo.

“Dentro da lógica de um restaurante, por exemplo, temos de combater o desperdício sempre que possível, até porque desperdício é perder dinheiro e se perdes dinheiro num restaurante significa perderes na tua vida, em casa”, exemplifica. “E no nosso dia-a-dia funciona da mesma maneira”.

Ao longo dos vários episódios do programa, Joana vai ensinar como reaproveitar muitos alimentos focando-se, essencialmente, naquilo que existe no frigorífico. Quer provar que com imaginação e amor à cozinha é possível transformar tudo, até porque “cozinhar é um superpoder”.

“Faço a comparação com a moda, cozinhar pode ser semelhante àqueles momentos em que compras roupa. Quando compras, tens sempre de tentar comprar com uma perspetiva de futuro, tendo em mente que o molho do assado ou as pontas da carne podem ser transformadas noutra coisa qualquer, porque há não sei quantas mil vidas além daquele prato”.

Os aventais do programa foram pensados por Barrios e impressos manualmente no estúdio Lavandaria, em Lisboa. ©Carlos Pinto

E passar mais tempo a cozinhar na televisão não é razão para lhe tirar a vontade de cozinhar em casa, pelo contrário. É que a cozinha é mesmo um amor de sempre e para a vida toda, sobretudo quando se fala de cozinhar para a família. É na lógica da economia familiar e doméstica que Joana defende que é importante continuar a cozinhar.

Enquanto gravava O da Joana, numa jornada intensa de episódio atrás de episódio, prato atrás de prato, Barrios chegava ao estúdio bem cedo e com uma energia desmesurada, mas antes sabia que a missão já estava cumprida: já tinha deixado o jantar feito para os filhos nesse dia. “Isto é daquelas coisas que eu sei que vai deixar o nosso conjunto familiar muito feliz, sei que é reconfortante para os meus filhos, e isso automaticamente deixa-me feliz também”.

Até porque cozinhar dentro de um contexto, defende, vai muito além de satisfazer a necessidade básica que é comer. “Por exemplo, do ponto de vista da saúde mental, sabemos que se estamos doentes vamos ao médico e provavelmente dão-nos algum medicamento, mas cozinhar pode ser olhado como um ato holístico, que pode alterar a forma como nós nos posicionamos em alguns momentos da nossa vida”, diz. “Quero continuar a fazer teatro e espectáculos, e a ter todas as outras coisas que sempre fiz, mas a cozinha é um campo de oportunidades e de aproximação essencial. É, na minha opinião, uma forma de ativismo”.

O protagonismo em cozinha alheia

“A minha lógica é sempre ‘bora lá por toda a gente a cozinhar’, porque é simples e altamente compensatório durante e no fim do processo. É fácil ficar feliz quando tens um prato feito por ti que não é só mais uma obrigação”, explica. “Por exemplo, a receita de creamy broccoli que fiz é das coisas mais básicas e tornou-se num sucesso inacreditável, isso mostra que não é preciso imprimir na cozinha nenhuma técnica extraordinária”.

A figura do chef é, aliás, algo da qual insiste em distanciar-se, explicando que em televisão, seja nos programas culinários, seja em segmentos televisivos como os que tem vindo a protagonizar, é muitas vezes cultivada a imagem do chef e de que só a eles lhes pertencem esses lugares. A ideia de Barrios é outra.

Dantes, era maioritariamente em casa e para os seus círculos chegados que Joana mostrava os seus dotes e a paixão pela cozinha, mas a coisa ganhou outras proporções quando entrou de tachos e avental na casa de muitos portugueses por intermédio dos sucessivos programas de Cristina Ferreira. Primeiro apareceu no “Programa de Cristina”, na SIC, e migrou depois para a estação de Queluz, juntamente com a Diretora de Entretenimento e Ficção da TVI, onde acabou por participar n’”O Dia de Cristina” e, mais recentemente, em vários dos programas de daytime, do Dois às 10 ao Cristina ComVida.

Joana admite que não é nem quer ser vista como chef. ©Carlos Pinto

“Se em TV temos muitas vezes esta figura é normal que quem esteja em casa acabe por nem sempre se identificar. É uma cultura que luta um bocadinho contra ti, porque tu em casa não és um chef de cozinha”, admite. “Acontece estares a ver esses programas e queres cozinhar e não podes porque é difícil, fica caro, e tens de lidar com essa frustração. Penso na cozinha com esta liberdade porque não fui formatada dentro de uma escola de cozinha ou a trabalhar junto com nenhum chef”, afirma, dizendo que é por essa razão que consegue ter um olhar mais relaxado e mais caseiro sobre tudo isto.

O programa O da Joana passa no 24Kitchen de segunda a sexta, às 15h, com repetição às 21h.