Título: O fim
Autor: Salvatore Scibona
Editora: D. Quixote
Tradução: Francisco Agarez
Páginas: 384

Nascido em 1975, Salvatore Scibona é um um autor italo-americano. Este O Fim (2008), seu romance de estreia, foi finalista do National Book Award e vencedor do Young Lions Fiction Award da Biblioteca Pública de Nova Iorque. Em 2010, o autor foi escolhido pela The New Yorker como um dos 20 escritores mais promissores com menos de 40 anos.

A narrativa do romance é sólida e Scibona aborda os grandes temas com elegância e discrição. A política e as convulsões sociais aparecem naturalmente no quotidiano das personagens, sem um intento pedagógico ou uma atitude forçada. Ali estão, porque fazem parte da vida da gente.

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A ação do romance passa-se no dia 15 de Agosto de 1953, dia em que os católicos celebram a Assunção da Virgem Maria. Em Elephant Park, a celebração transforma o bairro, que se enche de vendedores ambulantes, comida e diversão, e o autor vai desenhando personagens que, mesmo parecendo iguais às outras, nos deixam o seu olhar, podendo o leitor encontrar o extraordinário do que é banal. A ideia de banalidade e familiaridade encontra-se em pequenos detalhes das descrições individuais que, por sua vez, marcam um olhar panorâmico sobre a socialização do bairro:

“Era apenas uma pessoa modesta, não se destacava em nada, e os clientes, incluindo as crianças, não o tratavam pelo apelido mas sim por Rocco, como se ele fosse criado ou primo deles.” (p. 16)

A fé, por sua vez, aparece como redenção, como vida para lá da banalidade dos dias.

As personagens encontram-se em estados de transição, procurando o escape espiritual das suas vidas sufocantes. Com um ritmo frenético e descrições extensas e intensivas, Scibona pegou na experiência da imigração americana no século XX, não deixando de lado o domínio do trabalho, mostrando de que forma a fantasia do capitalismo selvagem cai por terra.

“E começaram os problemas.

Ainda mal tinha acabado de comprar a loja ao velho, depois de cinquenta e dois meses de arrendamento, quando o negócio começou a cair. Foi o princípio do pânico. Afinal de contas, a livre iniciativa era uma treta. Por exemplo: uma criança precisa de leite para os ossos mas o pai não pode comprá-lo; um certo sueco conhecido do pai, produtor de lacticínios no South Side, deita todos os dias aos porcos quase duzentos litros de bom leite de vaca inteiro que ninguém pode comprar. Há oferta, há procura, mas não há dinheiro. E no entanto, a bem dizer, o dinheiro não existe; é no fundo uma teoria; e portanto a causa de tão grande desperdício é a falta de uma coisa que não existe.” (p. 21)

Scibona, tendo nascido no Ohio, traz-nos na sua escrita uma tendência que se tem visto na literatura coetânea italiana, em que a família é eleita como molde de romance. A partir daí, vê-se a vida. Aliás, a opção funciona nos dois sentidos, sendo o espaço da família a dimensão micro e macro da criação literária. No caso de O fim, essa abordagem nasce logo em Rocco, cujas expectativas parecem a visão panorâmica de um povo deslocado.

No resto do conjunto das personagens, podemos observar especificidades no fio da narrativa até que todas colidem devido a um crime que as afetou, no que se revela o intento do autor de criar um todo orgânico. Contudo, mesmo que se liguem os pontos, o fio narrativo pode parecer desconectado. Em algumas circunstâncias, ata-se em fiapos, razão pela qual o intento se denuncia e sai forçado, e há partes da ação que não só não são operantes como parecem escusadas. De resto, cabe dizer que Scibona lida com a prosa com mestria, sendo surpreendente com frequência, e a forma como imbui as personagens de humanidade, dando-lhes múltiplas camadas, descrevendo-as com verdade, também não será coisa pouca.