Virgílio Bento, de 36 anos, é o fundador e presidente executivo do mais recente unicórnio (startup avaliada em mais de mil milhões de dólares) com ADN português, a Sword Health. Dizemos com “ADN” e não portuguesa porque, ao contrário da Feedzai, por exemplo, a empresa está sediada em Nova Iorque, nos EUA. Porém, em conversa com o Observador, o empreendedor desvaloriza esse pormenor: “Estou full-time baseado em Portugal e isso é aceite por toda a gente, todos os investidores”. E adianta: “Seria muito mais fácil para mim estar nos EUA, não é por falta de recomendação dos meus investidores que não estou“.

Sword Health. Há um novo unicórnio com ADN português

A Sword Health é responsável por uma plataforma digital para tratar patologias músculo-esqueléticas, que combina inteligência artificial com sensores de última geração. Ao todo, a empresa emprega mais de 260 pessoas, sendo que 155 são portugueses. Apesar de 98% das receitas virem dos EUA, é no Porto que a empresa tem a sua “sede tecnológica”.

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Em março deste ano, quando a Feedzai, que tem sede em Coimbra, alcançou a meta de unicórnio, Nuno Sebastião, o líder dessa startup, disse numa resposta a um tweet ao ministro da economia, Pedro Siza Vieira, que todos os outros unicórnios portugueses “tinham sede fora”. Sendo mais uma startup nessa condição — também a Remote, que se tornou unicórnio   este ano, tem sede fora de Portugal –, e quando questionado sobre o que diria ao ministro para sediar mais empresas cá, Virgílio Bento responde: “A nível da gestão do talento, e como é que é feita a gestão desse talento em Portugal, há muito para dizer”.

Se há coisa que a Sword e outras startups que estão a ter impacto à escala global demonstram, é que se Portugal está na cauda da Europa não é por falta de talento ou pela qualidade do talento que existe em Portugal. É mesmo pela forma como gerimos esse talento e pela forma como somos, de forma deprimente, tão pouco meritócráticos”, diz Virgílio Bento.

Ao Observador, Bento diz que tem “uma obrigação” de “provar que uma startup que tem impacto a nível mundial a partir de Portugal”. Quanto às implicações que ter o negócio sediado nos EUA pode significar, defende-se: “Mais importante de onde a sede é localizada, que acho que cada vez menos importa, é onde é que se está a fazer o build-up do talento”.

Conheço os médicos do SNS, profissionais do sistema público e do sistema privado que podiam ter um desempenho significativamente superior ao que têm e não têm porque há uma gestão péssima desses recursos”, acusa o líder da Sword Healt.

“O que acontece em Portugal a nível público mas também a nível privado, é que há um péssimo reconhecimento desse talento e há péssimos níveis de meritocracia, especialmente no setor público”, acusa o empreendedor formado em engenharia eletrotécnica. Por esse motivo, Virgílio quer ajudar a mudar essa perspetiva e fazer com que em Portugal se crie algo com “uma máfia de Sillicon Valley”. Como? Com um “ciclo virtuoso” que parta da criação de talento que a empresa está a ajudar a gerar para que se criem mais negócios.

Para explicar melhor este exemplo, o responsável da Sword Health utiliza o caso de Daniel Ek, presidente executivo e co-fundador da Spotify e que também é investidor na startup de Bento. “Metade da equipa de liderança está na Suécia e metade está nos EUA, com a Sword é exatamente a mesma coisa”, refere.

Não nos comparamos ao mercado português. Na área de Digital Health somos uma das empresas [com maior crescimento], se não a mais rápida do mundo. Em Portugal, fomos a empresa mais rápida a chegar a unicórnio, mas para nós não é modelo de comparação”, diz Vírgilio Bento.

Porém, apesar dessa divisão, o tempo do empreendedor “é dedicado exclusivamente ao mercado dos EUA”. “Os EUA, que é o mercado da saúde mais importante do mundo, quando se desenvolve um modelo de negócio, esse modelo é replicável para 320 milhões de pessoas”, o que faz o país se “de longe, o mercado mais importante”. É por isso que “a Sword Health nunca poderia depender só de Portugal para chegar a este número [valorização de dois mil milhões de dólares]”, assume o empreendedor.

O líder da startup diz ainda que o seu negócio é “bem-sucedido” apesar de todas as adversidades que diz que Portugal pode ter. Mesmo assim, não põe em cima da mesa sair também fisicamente do país onde começou a sua empresa: “Se calhar somos bem sucedidos por causa disso [das adversidades]”. “O talento que realmente quer ser reconhecido sabe que vai ter esse reconhecimento direto [connosco]”, justifica.

Quanto ao futuro, Virgílio Bento afirma que até 2026 a Sword Health vai ser “a empresa mais valiosa criada em Portugal”. Quanto aos outros mercados onde está presente — Austrália, EUA e Canadá –, a expansão continuará a ser também uma das chaves para o crescimento: no primeiro trimestre de 2022 chegarão ao Reino Unido, anuncia.

A Sword Health foi fundada em 2015 em Portugal e anunciou esta segunda-feira que alcançou um valorização de dois mil milhões de dólares (cerca 1,7 mil milhões de euros) após ter fechado uma ronda de investimento de 189 milhões de dólares (aproximadamente 167,6 milhões de euros). As outras startups com estatuto de unicórnio e ADN português são: a Farfetch, a OutSystems, a Talkdesk, a Feedzai (a única com sede em Portugal) e a Remote.