“Senti que a segurança das alunas não era uma prioridade”. É assim que a primeira aluna a fazer queixa formal contra um funcionário, por comportamentos e comentários impróprios, da Residência Universitária Prof. Carlos Lloyd Braga, da Universidade do Minho, descreve o silêncio e a inércia das estruturas de apoio da universidade. Este caso fez espoletar os relatos de importunação e assédio sexual, ocorridos ou dentro do campus ou dentro da mesma residência.

A queixa foi apresentada aos Serviços de Ação Social da Universidade do Minho (SASUM), unidade responsável pelas residências, em 2020. A alegada vítima conta ao Observador que se sentiu “silenciada”, já que os SASUM “compactuaram” com o agressor ao “não tomarem qualquer ação em relação à queixa”. “Ele está confortável enquanto assediador, está protegido e, pior, sabe que as suas ações precisam de proteção”, menciona.

As atitudes do porteiro da Residência Lloyd são “conscientemente predatórias”, carateriza. O funcionário, refere a jovem, pôs-lhe a mão na anca, convidou-a para tomar banho em casa dele e, num dia em que vestiu uma camisola larga e uns calções, espreitou por baixo da camisola: estas são apenas algumas das atitudes descritas por “Maria”, nome fictício, no trabalho académico de uma aluna de jornalismo que trouxe este caso a público, na última semana.

Quando decidiu apresentar queixa formal na instituição, a aluna conta a resposta que recebeu do funcionário dos SASUM: “Vai afetar a pessoa em questão tanto pessoalmente como profissionalmente”, avisou. Contudo, a queixa que prestara não parecia uma novidade. Numa primeira abordagem aos serviços académicos, as funcionárias que a atenderam já lhe tinham dito que conheciam “a pessoa em questão”, salvaguardando que “ele às vezes tem atitudes um bocado exageradas, mas não faz por mal”.

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Maria apresentou queixa do funcionário por e-mail,  em março de 2020, mas só em julho obteve resposta.  “Questionamos o trabalhador sobre os factos alegados por si, que se mostrou bastante surpreso com a situação, dizendo que jamais teve intenção de ofender ninguém, nem a sua integridade, muito menos lhe causar qualquer desconforto”, lê-se na resposta à queixa, a que o Observador teve acesso. Os SASUM acrescentavam ainda que “nunca foram apresentadas queixas deste tipo”. Sobre o tempo de espera, a aluna frisa que hoje em dia não teria esperado cinco meses por uma resposta, “sem procurar ajuda de outras entidades”.

Noutro caso, o de “Rita”, nome fictício, cuja sua história é contada no jornal ComUM (jornal dos alunos de Ciências da Comunicação), a estudante revela que também foi importunada pelo mesmo porteiro da residência, descrevendo as suas atitudes como um “assédio disfarçado de elogios”. E alerta: “É inadmissível receberem uma queixa desta gravidade e desvalorizarem (…) mesmo quando se sabe que ele tem acesso aos nomes de todos os residentes, ao quarto de cada um e à chave de todos os quartos, que pode usar quando bem entender”, reforça, citada pelo ComUM.

Sobre as acusações de assédio na residência universitária, a reitoria da Universidade do Minho manteve-se em silêncio até esta segunda-feira. Na cerimónia de tomada de posse do já reitor Rui Vieira de Castro, o responsável garantiu a adoção de “um código de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio e promoção da igualdade de género”. Já em comunicado, a Universidade acrescenta que “foi já desencadeado um processo de inquérito, tendo sido determinada a retirada do trabalhador em causa do seu posto de trabalho”.

É uma decisão acertada, mas tardia. Infelizmente, não há ação da reitoria que possa anular 20 anos de assédios”, reage Maria.

“Indivíduo com atos de exibicionismo de índole sexual” é outra situação que preocupa academia minhota

O mesmo comunicado traz a lume um terceiro caso que foi já reportado à Polícia. A universidade atesta que os “atos exibicionistas, praticados por individuo(s) não identificado(s)” foram já comunicados às autoridades, encontrando-se os mesmos sob investigação. A reitoria garante ainda que foram tomadas medidas de reforço para a segurança da comunidade académica, nomeadamente o corte de vegetação e o reforço da iluminação no campus.

Neste episódio concreto, a Polícia Judiciária investiga o caso de uma estudante que foi agarrada por um homem, saído de um arbusto, junto ao edifício do CP1. O suspeito, descrito como um homem de 50 anos e de estatura média, já tinha sido visto por outras estudantes a masturbar-se no mesmo local. A situação foi tornada pública por uma publicação nas redes sociais feita pela própria vítima.

Perante os recentes acontecimentos, a Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM) desenvolveu um formulário, onde os alunos podem reportar de forma anónima situações desta índole, para que as informações possam posteriormente ser transmitidas à Polícia de Segurança Pública.

O presidente da AAUM assinala ao Observador que é essencial o “contacto regular com as forças de segurança” para evitar que episódios destes se repitam. Deixa ainda recomendações, tais como não andar sozinho à noite ou optar por frequentar ruas mais iluminadas. A grande falha está na “orgânica de comunicação interna da Universidade” e na inexistência de “caminhos bem definidos para reportar estes problemas”.

Dezenas de estudantes têm recorrido às redes sociais para denunciar casos semelhantes e para criticar a ausência de respostas das estruturas competentes. Inclusive, um grupo de alunos da academia minhota criou, na passada sexta-feira, um “Movimento de denúncia de casos de violência na Universidade do Minho”, no Instagram. Até à data de publicação deste artigo, a página contava com mais de uma centena de denúncias.

Além disso, noutra ação de protesto, que vai acontecer esta quinta-feira, 2 de dezembro, os estudantes vão realizar uma arruada, desde o Prometeu (estátua simbólica da universidade, situada no campus de Gualtar) até à Reitoria, no Largo do Paço, com o objetivo de “demonstrar uma grande indignação face à falta de resposta por parte dos órgãos administrativos da academia”, lê-se no comunicado da iniciativa.