Foi um debate entre amigos, (quase) sem ataques para memória futura e com protagonistas em comprimentos de onda muito diferentes: Rui Tavares quer fazer parte de uma ‘geringonça’ de papel passado, tal como aquela que existiu em 2015, e tentou forçar António Costa a dizer que assinava por baixo; o socialista só não ignorou o dirigente do Livre por cortesia — estava ali para falar de Rui Rio e para pedir a maioria absoluta.

Em 2014, quando António Costa chegou à liderança do PS e Rui Tavares era um dos principais rostos do recém-criado Livre, muito se especulou sobre a nova página que se estava a escrever à esquerda, finalmente capaz de construir pontes e superar os bloqueios históricos que sempre a dividiram. Tavares, por oposição a Catarina Martins, e, sobretudo, a Jerónimo de Sousa, era a solução de que o PS precisava para construir uma maioria à esquerda.

A história escreveu-se por outras linhas, mas o resultado prático foi o mesmo. Costa perdeu as eleições, mas construiu a ‘geringonça’; Tavares ficou fora do Parlamento, mas a sua grande causa tinha saído vencedora. O ciclo que se seguiu — de 2019 até ao chumbo orçamental — mudou tudo: o Livre foi engolido pelo psicodrama chamado Joacine Katar Moreira e desperdiçou a representação parlamentar; Costa perdeu a ‘geringonça’ e a paciência com os parceiros à esquerda.

Daí a particularidade do duelo que pôs frente a frente Rui Tavares e António Costa: remete para 2015 e não para 2021, seis anos depois de uma aliança à esquerda que se esgotou. Na RTP3, o cabeça de lista do Livre tentou a todo o custo convencer o socialista a assinar um acordo escrito à esquerda, ao mesmo tempo que alertava para os riscos da maioria absoluta ou de um bloco central informal; Costa ignorou o apelo e respondeu sempre com os perigos de enfraquecer o PS — foi aí que entrou Rui Rio.

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O debate nem era com o líder do PSD, mas Rui Rio foi o grande adversário de Costa esta noite. Uma e outra vez, o socialista insistiu que a escolha a 30 de janeiro é entre os dois e que “uma solução estável e progressista só é possível com maioria do PS”.

Sem nunca usar a palavrinha mágica (“absoluta”), Costa defendeu, mais uma vez, que não vê como particularmente vantajosa uma nova aliança à esquerda e que só um PS maioritário será capaz de aproximar o país do modelo de desenvolvimento europeu. “Com a mesma frontalidade que disse aos portugueses há dois anos que ia prosseguir a ‘geringonça’, agora tenho de dizer que, nas atuais circunstâncias, a única forma de termos uma maioria estável é com uma maioria do PS”, chegou a dizer Costa.

Apesar da insistência de Rui Tavares, que desafiou diretamente o socialista assinar um “pacto social, ecológico e progressista” a seguir às legislativas, Costa não desarmou. O objetivo desta noite e para toda a campanha eleitoral é capitalizar o voto útil e evitar o perigo da dispersão de votos à esquerda, insistindo que o país não pode ficar “na dependência de humores, jogadas políticas e movimentações táticas de outros partidos”.

Aliás, Costa demonstrou já este domingo que não terá grandes reservas em agitar o papão da maioria de direita, tendo dito e repetido que um voto à esquerda do PS, que não permita construir a maioria estável que deseja, é mais um voto que pode favorecer Rui Rio, “os liberais” e a “extrema-direita”.

O diálogo mais revelador

António Costa: “Se acha que o aumento do salário mínimo foi pouco, o que não podemos ter é um governo de Rui Rio, que nem quer o aumento do salário mínimo.”

Rui Tavares: “Entre o meu partido e o seu, aquele que é muito claro [a dizer que não apoiará] um governo do PSD é o Livre e não é o PS.”

António Costa: “A diferença entre nós os dois é esta: quem é a alternativa para impedir que o PSD seja governo é o PS.”

Rui Tavares: “Não, é uma maioria de esquerda.”

António Costa: “Um voto no Livre não nos livra da direita.”