Havia uma frase que vinha estudada por António Costa e desvendou-a ainda antes de entrar no debate, à porta do estúdio da RTP, ao prometer que, com ele, Ventura “não passa”. O séquito socialista logo a propagandeou nas redes sociais e ela lá apareceu no debate, como forma de Costa se diferenciar de Rui Rio que acusa de “mitigar” o Chega. A estratégia do socialista foi essencialmente essa, com Ventura a responder a tudo com a carga pesada numa matéria sensível para o PS: corrupção/Sócrates/Casa Pia. E o tema até tinha sido trazido para o debate pelo socialista.

Não era de esperar, mas foi Costa que deu o passo em direção a terreno pantanoso, quando atacava a falta de ideias e ação do Chega, dizia que Ventura “fala, fala, fala mas é preciso ver o que faz” e avançou  um exemplo sobre o que o adversário não fez: “Faltou à Assembleia da República quando tinham sido votados dois diplomas fundamentais de combate à corrupção e por unanimidade, com a ausência do Chega”. Ventura foi interrompendo para dizer que estava numa reunião em Bruxelas e Costa rematou com a tal frase: “Comigo não passa”.

Aqui o debate atingiu o ponto mais quente. Ventura ouviu a palavra “corrupção” e estranhou que Costa tivesse ido por aí. Ficou mal na fotografia do debate parlamentar e votação das propostas e, por isso, recorreu à carga pesada. “O ministro da Justiça de José Sócrates traz a corrupção para cima da mesa é de bradar aos céus. Devia pedir desculpa aos portugueses pelos inúmeros casos de corrupção que o PS gerou e por estarmos a julgar um ex-primeiro-ministro que nos tirou milhões”. E até mostrou uma foto dos dois, Costa e Sócrates, lado a lado. Importa aqui dizer que Costa não foi ministro da Justiça de Sócrates, mas da Administração Interna. Foi ministro da Justiça, sim, mas de António Guterres. Pouco interessava para o quadro geral, Sócrates queima o PS e Costa, aí, cortou como nunca até aqui: “Não há filhos e enteados. Qualquer socialista que viole a lei tem de ser responsabilizado e é uma vergonha para o PS”. 

Depois foi ao baú político, para lembrar — noutra jogada estudada — que quando esteve na Justiça fez “legislação de combate ao terrorismo, à criminalidade organizada e a corrupção e o senhor deputado fez uma tese de doutoramento em 2013 contra a legislação que fiz como ministro”. Aqui já se atropelavam nas palavras porque Ventura foi a outro baú para lembrar outra dor judicial socialista: o processo Casa Pia.

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“Há escutas suas a tentar interferir no processo Casa Pia. Nomeou Mário Centeno para o Banco de Portugal. A mim não me dá lições de combate à corrupção. Não tem historial de luta contra a corrupção. Não vou descansar enquanto o PS não seja afastado da esfera do poder”, atirou ao socialista.

E mesmo que fosse sua a intervenção final, Costa não resistiu e lembrou-lhe “que a última acusação que fez num debate, acabou o acusado no Supremo Tribunal de Justiça. Olhe, eu, até agora, não fui condenado” — numa referência à condenação do Supremo a Ventura por “segregação racial” na sequência das “ofensas ao direito à honra” após ter apelidado a família Coxi, do Bairro da Jamaica, no Seixal, de “bandidos”.

O debate acabou num tom intenso e tinha ido em crescendo até este ponto. Ventura trazia o “clientelismo socialista” e prometia “poupar milhões” ao acabar “com metade da classe política”, atirava o exemplo espanhol de redução do desemprego contra “as décimas de Costa”, as carência no SNS e acusava o socialista de deixar um “legado de pobreza” no país. Mas nesta primeira parte foi Costa que levou Ventura para solo mais instável, ao começar logo por pôr o deputado do Chega a dizer que quer vacinar-se — parte do eleitorado do partido é resistente a algumas regras da pandemia e só à segunda investida é que o líder respondeu à insistência da pergunta de Costa.

Foi também buscar uma proposta emblemática do Chega, a taxa única de IRS, para não só reclamar “justiça social”, mas ainda para tocar numa ferida de Ventura que fez aconselhamento fiscal (e até manteve funções quando já era deputado, ao contrário da exclusividade que tinha prometido) depois de ter sido inspetor tributário (sugerindo que trocou funções para ajudar a promover a evasão fiscal).

O líder do Chega ainda interrompeu para dizer que o que defende é uma taxa de IRS “tendencialmente única” e que o caminho até à taxa única será progressiva e concluída em quatro anos. Mas não respondeu à provocação insistente do socialista: “É uma proposta socialmente justa? “Um banqueiro e um professor devem pagar o mesmo de IRS?”.

Com eleitorados distantes entre os dois candidatos, Ventura investiu tudo nos ataques calculados onde dói mais ao PS de António Costa, já o socialista quis ganhar noutra frente, no combate contra Rio. E aqui a estratégia é encostar Ventura ao radicalismo de direita e, ao mesmo tempo, colar-lhe o principal adversário do PS nestas eleições, Rui Rio.

As tentativas foram várias, com Costa a ir ao tempo da troika para lembrar como Ventura era do PSD quando Passos Coelho cortou pensões. A verdade é que Ventura não se afastou de Rio e, questionado sobre a governabilidade, admitiu apoiar o social-democrata ao dizer que “o Chega tem um grande objetivo: tirar António Costa da governação. Faremos todos os sacrifícios para isso.”

Já Costa insistiu no seu ponto ideia até à sua conclusão do debate, quando afirmou que “o grande perigo dos partidos como Chega é quando começam a ter a capacidade de influenciar e condicionar os partidos democráticos”. E disse mesmo que Ventura já fez isso com Rio. Mas nesta fase final do debate já só ecoavam as acusações mútuas em matéria de corrupção que foram as que, afinal, mais marcaram este debate.

O debate mais revelador

André Ventura (AV): “Veio aqui como se tivesse feito um milagre económico. Só o ano passado 400 mil portugueses foram enviados da classe média para a pobreza. O seu legado são 500 mil pensionistas que perderam o poder de compra. Pena que Rui Rio nunca lhe tenha dito isto.”

António Costa (AC): ““Fala, fala, fala mas é preciso ver o que faz. Fala muito de corrupção, no dia 19 de dezembro onde estava? Faltou à Assembleia da República quando tinham sido votados dois diplomas fundamentais de combate à corrupção e por unanimidade com a ausência do Chega. Comigo não passa.”

AV: “O ministro da Justiça de José Sócrates trazer a corrupção para cima da mesa é de bradar aos céus. Devia pedir desculpa aos portugueses pelos inúmeros casos de corrupção que o PS gerou e por estarmos a julgar um ex-primeiro-ministro que nos tirou milhões.”

AC: “Não há filhos e enteados. Qualquer socialista que viole a lei tem de ser responsabilizado e é uma vergonha para o PS.”

(…)

AC: “O grande perigo dos partidos como Chega é quando começam a ter a capacidade de influenciar e condicionar os partidos democráticos.”

AV: “O Chega tem um grande objetivo: tirar António Costa da governação. Faremos todos os sacrifícios para isso. (…) Há escutas suas a tentar interferir no processo Casa Pia. Nomeou Mário Centeno para o Banco de Portugal. A mim não me dá lições de combate à corrupção. Não tem historial de luta contra a corrupção. Não vou descansar enquanto o PS não seja afastado da esfera do poder.”