O PAN já tinha estendido a passadeira a soluções governativas tanto à direita como à esquerda e o debate entre Inês Sousa Real e João Cotrim Figueiredo deixou claro que não vão ser os liberais a opor-se ao piscar de olhos. Para isso a IL quer deixar de fora “propostas um bocadinho mais bizarras” e “ataques à economia de mercado”, enquanto o PAN dispensa “negacionismos” (que Cotrim disse não existirem) e pede “harmonização”.

Foi com harmonia que se pintou o debate. Não houve gritos, acusações ferozes ou cacofonia e, para bem dos eleitores — e ao contrário de grande parte dos frente a frente dos últimos dias —, até foi possível perceber o que une e o que separa os dois partidos. João Cotrim Figueiredo fez questão de dizer com todas as letras que “estaria disposto a integrar um governo com o PAN, se não tivesse nenhuma proposta daquelas mais bizarras” e brincou com a sugestão de “videovigilância nos barcos de pesca”. Era, disse entre risos, “uma boa ideia para um reality show, era o Big Brother do carapau”.

Amigos, amigos, várias questões ideológicas à parte. Desde logo o tema incontornável: ambiente. E foi exatamente no tema mais sensível para o PAN que os rios liberais e ambientalistas se separaram, não só pelas propostas, como pelas visões para o país.

“A matéria ambiental devia ser prioridade de toda e qualquer força política.” O mote de Inês Sousa Real estava lançado e deixava Cotrim Figueiredo encostado às cordas. Na resposta — um pouco como já tinha acontecido na noite anterior com Catarina Martins — o líder liberal preferiu transformar o tema em vez de o debater. “A preocupação número um da IL é o crescimento económico, também como veículo para resolver as soluções ambientais”, defendeu-se, antes do contra-ataque. A estratégia usada foi a de acusar o PAN de, tal como outros partidos ambientalistas, ter “agendas mais radicais” que acabam por conduzir ao “empobrecimento dos países”.

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Cotrim Figueiredo tinha mais provocações como a “visão proibicionista de mercado” que colou ao PAN e que Sousa Real refutou por completo (“o PAN não é um partido proibicionista, é responsável”), mas nas entrelinhas ia-se defendendo no tema do ambiente, nomeadamente ao dizer que o partido não era “negacionista”. Ainda assim, insistia que as “soluções radicais têm um custo económico brutal”. Os argumentos tornaram-se incompreensíveis para a líder do PAN, que acredita na possibilidade de existir uma “harmonização da economia com o que são os desafios ambientais e sociais”.

No que diz respeito à discussão de conteúdos programáticos, ainda que nenhum dos dois partidos tenha já apresentado o programa para as legislativas de dia 30, a área da saúde e dos impostos vieram a debate, vincando a diferença entre os dois partidos.

Com Inês Sousa Real a sentir a necessidade de, por mais que uma vez, apresentar o PAN como um “partido responsável” — depois de Cotrim Figueiredo ter atacado o radicalismo do partido —a líder do PAN fez questão de separar as águas também na visão que ambos têm do SNS.

“Há uma grande diferença, a IL quer conduzir à privatização do SNS no nosso país, o PAN defende SNS universal”, disse Sousa real criticando as parcerias público-privadas que diz serem “exceção quando correm bem, a regra é correr mal”.

Do outro lado da mesa, Cotrim Figueiredo dizia que “quem não aceitar discutir a reforma do SNS está a contribuir para o seu colapso” e apresentava as ideias de alargar o sistema de forma a permitir que cirurgias ou consultas possam ser feitas em hospitais privados e avançando que irá apresentar sugestões de mudança nas unidades de saúde familiar. Pelo meio, a garantia de que o partido não tem qualquer proposta para “privatização do SNS” e uma saída em defesa das PPP, que recusa terem sido um fracasso.

Na área da economia, Inês Sousa Real ainda teve tempo de criticar a forma como o Governo encerrou a refinaria da Galp em Matosinhos, quando o tema em cima da mesa era precisamente o da transição energética. Diz a líder do PAN e cabeça de lista por Lisboa que a “matéria ambiental devia ser prioridade de toda e qualquer força política” e que, na condição de partido responsável, quer um “equilíbrio entre as questões ambientais e laborais”.

Já no que diz respeito às finanças, a líder do PAN defendeu a “baixa de IRS e o desdobramento de escalões” e a “baixa de IRC para, pelo menos, 17%”, Sousa Real diz que os “500 milhões de euros ao ano de borlas fiscais” dados às petrolíferas “deviam ir para as famílias”.

Na resposta, ouviu de Cotrim Figueiredo que a IL “não é negacionista”, mas que as “resoluções radicais têm um custo económico brutal, ele próprio [traz] problemas ambientais”.  O líder da IL acredita que há uma “fase de transição” que se deve “contratualizar” com os agentes económicos, sendo estes “compensados ou penalizados conforme os objetivos”.

Inês Sousa Real ainda lembrou que a Iniciativa Liberal “não acompanhou” a proposta do partido quando o PAN quis alterar o regime dos não-residentes, que beneficia os reformados estrangeiros que vivem no país, e na resposta de Cotrim Figueiredo vincou a diferença entre os dois partidos: “O PAN queria aumentar o dos não residentes, a IL queria descer todos para o nível dos não residentes, é a diferença entre nós.”

O diálogo mais revelador

João Cotrim Figueiredo: Sim, estaria disponível para integrar um Governo com o PAN sempre e quando o programa não contivesse nada que ferisse os nossos princípios e nenhuma daquelas vossas propostas um bocadinho mais bizarras.

Inês Sousa Real: Se por bizarrice estamos a falar do progresso civilizacional.

João Cotrim Figueiredo: Houve uma proposta do PAN para ter videovigilância nos bancos de pesca durante todo o tempo em que estivessem na faina.

Inês Sousa Real: Isso não é uma bizarrice.

João Cotrim Figueiredo: É uma boa ideia para um daqueles reality shows, é o nosso Big Brother carapau

Inês Sousa Real: Não, não é uma bizarrice, chama-se preservação das espécies.

João Cotrim Figueiredo: Não digo que não, mas é bizarro, é impraticável.

Inês Sousa Real: O problema é que a Iniciativa Liberal votou contra esta iniciativa e não posso deixar de referir porque, como sabe, os mares são dos maiores sorvedouros de carbono e temos que preservar os nossos oceanos.