A ideia de que os jovens não se interessam pela política é um mito generalizado que não faz jus à realidade. Ao longo das duas últimas semanas, Teresa Barbosa Simões, João Resende, Gustavo de Sousa, Mariana Rocha, Joana Fernandes, Pedro Gomes, Manuel Ruiz, João Cordeiro, Tania Oliynyk e José Estaca conversaram com o jornalista Vicente Figueira, que os entrevistou para a série “O meu primeiro voto”.
Nestas legislativas fazem o seu batismo eleitoral, acreditando, em uníssono, na importância do voto como forma de expressar a vontade política, ao mesmo tempo que defendem que a participação pode criar mudanças.

PORTO, PORTUGAL - JANEIRO 11: Reportagem sobre jovens que vão votar pela primeira vez. Teresa Barbosa Simões. Foto: OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

Maria Teresa Simões

Octavio Passos/Observador

“Mais apoios sociais, mais empatia e mais amor”

Maria Teresa Simões tem 18 anos e integra o Movimento Transformers, uma organização de participação cívica e social, que se mobiliza para promover o associativismo juvenil, voluntariado e consciencialização sobre participação cívica. “Trabalhamos muito a igualdade, a empatia pelo outro que é uma coisa que falta muito na política.”

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Para ela, as causas que mais importam são “igualdade entre as pessoas, mais apoios sociais” e “o amor”. “

Teresa defende que voto é fundamental para darmos “opinião sobre o que se passa no país e termos um papel” nessas mudanças. Para reforçar esse papel na sociedade, a jovem acredita que a escola tem uma função que está a ser descurada. “Acho que deveria haver uma disciplina que falasse sobre o que se passa no mundo, que analisasse as notícias, e que nos explicassem o que cada partido pretende fazer.”

Sobre o método de votação, apesar de nativa digital, reconhece que votar em papel é importante, mas sugere que deveriam existir outras formas de votação para facilitar a participação.

Reportagem "O meu primeiro voto": Gustavo de Sousa, tem 18 anos e faz acrobacias aéreas na escola Chapitô, em Lisboa. 12 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Gustavo de Sousa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Faltam conversas abertas sobre clima, cultura, direitos LGBTQ+”

Acrobata aéreo no Teatro Politeama, em Lisboa, Gustavo de Sousa também acredita no simbolismo do voto presencial, até porque desconfia do voto online. Para este trabalhador-estudante, a participação eleitoral é um direito, um dever e um privilégio fundamentais.

O artista assiste aos debates eleitorais e tem procurado informar-se quer através dos programas políticos, quer através de podcasts sobre o tema. Ele lamenta, porém, que não haja disciplinas “para nos ajudar a ter uma escolha ponderada” sobre política.

Depois, reflete que faltam “conversas abertas” sobre o assunto e que a política acaba por ser um “tabu”. A única discussão que Gustavo reconhece existir no meio é sobre “a falta de apoios no setor da cultura.”

Mas o círculo mais próximo a Gustavo, acaba por confidenciar, é um “ambiente mais revolucionário, um bocadinho aquilo que se chama hippies, hoje em dia, e os alternos, que acabam por querer mudar muito e isso é super saudável”. Por exemplo? “Em questões de clima, em questões da cultura, dos direitos LGBTQ+ e muitos desses revolucionários estão muito a par do que são os nossos partidos e legislaturas, mas acho que não temos conversas suficientes”.

Kimmy Simões

“Portugal tem de abrir mais a política aos imigrantes”

Tania Oliynyk nasceu na Ucrânia, tem 21 anos, vive em Lisboa, e está “feliz” por poder estrear-se nas urnas. A viver em Portugal há 13 anos, a jovem apenas tem nacionalidade portuguesa desde novembro. “Ser imigrante é muito difícil; e o que foi difícil foi o facto de eu não ter condições financeiras de me tornar portuguesa.”

Além disso, esse processo longo também se deve ao facto de ter de justificar à Ucrânia por que razão prescindia da nacionalidade ucraniana, para abraçar a portuguesa.

A jovem tem “bastante interesse na política”, no entanto, ressalva, não cresceu num “ambiente político”. Reconhece que, em certa medida, o desconhecimento da legislação limita as famílias de imigrantes.

Tania estende esse exemplo para o contexto de jovens imigrantes. “Existem muitas pessoas que, mesmo adquirindo a nacionalidade portuguesa, ainda não votam, porque não têm conhecimentos para isso.”

Para ela, a escola tem um papel importante para a introdução à participação, mas isso “falta”, em Portugal. Assim como falta abrir mais a política aos imigrantes. “Lembro-me de me bater imenso na faculdade, porque tinha direito a bolsa de mérito, pelas minhas notas, mas não poderia ter, porque não tinha nacionalidade portuguesa.”

Reportagem "O meu primeiro voto": Entrevista a Pedro Gomes de 18 anos, que é nadador do Belenenses. Piscinas do Jamor, Lisboa 14 de Janeiro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Pedro Gomes

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Maior apoio das escolas, para conciliar com a alta competição”

Pedro Gomes é nadador, acompanha os debates e considera que o voto é uma importante forma de participação, defendendo que essa consciência deveria abranger mais pessoas, sobretudo os mais jovens. Aliás, constata que, no círculo de amigos, não se fala tanto sobre política e que isso “não é positivo”.

Para ele, o voto presencial, num boletim em papel, é algo que continua a ser relevante, apesar do novo ecossistema digital já desafiar a que se repense novas estratégias de cidadania eletrónica. “Continua a fazer sentido ver a reunião das pessoas para se ir votar, continua e vai continuar a ser um bom método.”

O atleta reconhece que a família tem sido a base para a educação política. “Agora como é a primeira vez que vou votar, tive conversas mais sérias com os meus tios e com os meus pais, principalmente, eles sempre falaram comigo de uma forma muito aberta, sem me querer indicar algum partido.”

Ele sublinha que, em geral, não se fala muito sobre desporto e das questões de alta competição nos discursos políticos. “Gostava de ver algum apoio, principalmente com as escolas e conciliar com a competição, em relação ao desporto.”

PORTO, PORTUGAL - JANEIRO 10: Reportagem Primeiro Voto: sobre jovens que vão votar pela primeira vez. Mariana Rocha. Foto: OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

Mariana Rocha

Octavio Passos/Observador

“Votar é um dever, quem não se sente representando pode sempre votar em branco”

Mariana Rocha tem 18 anos, mora em Gondomar, e pratica surf, em Matosinhos, no Porto. A jovem estudante de audiovisual quer entrar para a Polícia. É a primeira vez que vai preencher um boletim de voto e está convicta que “é importante, é um dever que nós, a partir dos 18 anos, temos”. Ela ainda está um pouco indecisa em quem vai votar e acredita que, na política, ainda não se olha muito para as questões da polícia.

Mariana tem visto os debates televisivos, admite acompanhar os assuntos de política, até porque o pai está ligado a um partido político e costuma acompanhá-lo em campanhas. Porém, garante que não se vê a ter uma maior participação partidária e afiança que vai votar em consciência de forma independente.

Para ela, “há informação suficiente” sobre política e, na escola, “os professores explicam” como funciona a política em geral. Considera que “o voto deveria ser obrigatório, mas ao mesmo tempo não, porque há pessoas que não se identificam com nenhum partido”. Reconhece que, quem não se sente representado, poderia votar em branco.

João Resende

KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

 “Antes de votar pela primeira vez, preparei-me sobre o que cada partido defende”

João Resende é jogador de futebol no Sport Lisboa e Benfica e é internacional por Portugal. É de Braga, tem 18 anos, e vai cumprir o seu “dever como cidadão” para se estrear nas urnas. “Já tinha interesse e procurava informar-me acerca das eleições e o que os partidos defendem, para chegar a esta fase e estar preparado para votar. Foi uma coisa gradual, já é uma coisa que venho ganhando desde mais pequeno.”

Em casa, João indica que a política é “um tema inevitável”, afirmando que participava nas discussões. O atleta tem assistido aos debates eleitorais e acompanhado as notícias sobre os assuntos de política, até porque, apesar de ter amigos que não se interessam pelo assunto, outros discutem os temas.

Para ele, os assuntos mais importantes “a ser valorizados numa sociedade” e que devem fazer parte da agenda política são: “o lado económico, o lado social e os problemas que as pessoas têm”. João reconhece que “já há meios tecnológicos, que nos facilitariam o voto”, mas defende que será, por agora, mais seguro votar presencialmente, no boletim de voto, para evitar fraudes.

Sobre a abstenção, o jovem futebolista defende que “devia haver uma educação mais direcionada para esta temática” na medida em que considera que ainda “há pouca informação”, pois “os jovens não aprendem muito acerca disto na escola e acho que é um tópico que devia ser trabalhado nas escolas.”

Já no que diz respeito à comunicação de alguns partidos que se têm esforçado para estar onde estão os jovens, João diz-se “impressionado” com a “interação” nas redes sociais.

Reportagem "O meu primeiro voto": Joana Fernandes, tem 18 anos e é estudante de Antropologia no ISCTE. 6 de Janeiro de 2022 em Lisboa. TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Joana Gonçalves

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“O mais importante que um partido pode oferecer é fomentar a igualdade”

Joana Fernandes é estudante da Licenciatura em Antropologia na Escola de Ciências Sociais e Humanas do ISCTE, em Lisboa. Tem 18 anos e vai votar pela primeira vez. “Como mulher, tenho de dar uso a este direito, que tantas mulheres lutaram para eu hoje em dia tê-lo.”

Confidencia que viveu com especial atenção e emoção as últimas presidenciais. “Aproximava-se a altura dos 18 anos e porque é sempre importante perceber o que se passa e não só no nosso país.”

Joana reflete que os jovens da sua geração “têm ligação”, também, com a política e “vão votar”, mesmo que não tenham uma ligação especial com um determinado partido. Ela admite estar a acompanhar os debates eleitorais, que para si têm sido esclarecedores.

Para a futura antropóloga, o mais importante que um partido pode oferecer é fomentar “a igualdade para toda a gente: pobres, ricos, independentemente de tudo”.

Ela considera que “é sempre simbólico o dia do voto”, embora admita que, no contexto pandémico, poderia haver “alternativas” que pudessem responder à situação, porque “votar é sempre importante”.

João Cordeiro

KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

“É preciso apostar na agricultura, para fixar os jovens no meio rural”

João Cordeiro é agricultor, estuda Agronomia, e tem 18 anos. É de Macedo de Cavaleiros, em Trás-os-Montes, onde tem um olival e um amendoal. Em casa, as eleições sempre foram “um dia sagrado” e os pais sempre motivaram o interesse pela política. Garante que não vai perder a oportunidade de votar.

O jovem acompanha os debates, na maioria, e vê as propostas dos partidos. Por isso, neste batismo democrático, João leva as suas preocupações para o boletim de voto. “Infelizmente, a agricultura tem sido esquecida pelos governos, por isso quando temos esta oportunidade de tentar mudar este aspecto, temos de tentar e pensar, no futuro, que isto vai mudar e, por isso, temos que exercer o voto.”

Outra questão é como evitar o êxodo rural. “No meu concelho, que tem baixa densidade populacional — e são muitos concelhos em Portugal e a maior parte da área de Portugal tem esse problema, que é a falta de jovens — a agricultura é um dos principais meios de fixar esses jovens”, defende. De seguida, acrescenta: “Se não apostarmos na agricultura, vamos estar a abandonar esses territórios. Portugal não é só Lisboa, Porto e o Algarve, portanto nós temos de pensar também nos outros territórios, que tem muita riqueza, gastronomia incrível que tem paisagens fenomenais e a agricultura é quem preserva isso e é quem dá outra visão desses concelhos aos jovens.”

Para o jovem agricultor, Portugal tem de se tornar autossustentável, porque “importamos demasiado, nomeadamente cereais da nossa vizinha Espanha” e “temos de rivalizar e tornar competitivos”. Por isso, defende que Portugal precisa de “novas medidas” para este setor primário.

José Estaca

LUIZ SENA/OBSERVADOR

“Igualdade de oportunidades” e “reforma na educação” têm de estar mais na agenda política. 

José Estaca faz parte do Corpo Nacional de Escutas e acredita que o voto é um exercício nobre de direito e de dever para contribuir para a democracia. Tem 18 anos e vai votar pela primeira vez, por isso está entusiasmado com o voto presencial. “Gosto dessa simbologia de votar pela primeira vez e pôr uma cruz em papel.”

É politicamente envolvido e chegou mesmo a levar mais a sério este compromisso de educação para o voto.

“Tinha muitos colegas que iam votar nas autárquicas. E, portanto, eu e duas colegas criamos um projeto que era apresentar ao secundário da minha escola como é que funcionava o sistema político em Portugal”. Ou seja: “As eleições, as autárquicas, legislativas, presidenciais e, depois, focar um bocadinho no binómio direita e esquerda; inclusive, pedimos vídeos a deputados do Parlamento, para explicarem o que era o seu partido e quais as principais bandeiras”. Dessa forma, simularam “um mini parlamento” em que colegas, “com base naquilo que tinham aprendido, puderam ir buscar um bocadinho sobre 2 ou 3 assuntos e defender os pontos de vista dos partidos que estavam a representar nesse mini Parlamento a fingir”.

O jovem tem muito interesse em política, lê notícias e os programas eleitorais. “Gostava de um dia ser médico, mas quem sabe um dia entrar na política, acho que é um mundo muito bonito e acho que é uma forma de prestarmos um serviço à sociedade que acho que é muito importante, mas sempre por achar que posso contribuir para a política e não por precisar da política.”

Em casa sempre se discutiu muito política, até porque os irmãos adoram o tema. “Esse discutir é porque também há opiniões diferentes. Mas acho que essa discussão e essa pluralidade é muito boa e, portanto, vou votar totalmente em consciência naquilo que acredito.”

Para ele, temas como “desigualdade de oportunidades” e “reforma na educação são fundamentais que têm de estar na agenda política. Por isso, diz que vai votar em “propostas de programas com visão de futuro para o país”.

Manuel Ruiz

KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

“Faltam disciplinas que abordem a política de forma imparcial, para maior educação entre os jovens”

Manuel Ruiz, 18 anos, é estudante na Escola Profissional de Teatro, em Cascais. Acredita que votar é “uma oportunidade para conseguirmos ter algum impacto e algum papel, mesmo que seja mínimo na política e nas decisões que são tomadas por nós todos os dias”.

O aspirante a ator vai fazer parte de uma mesa de voto e não acredita que os jovens não se interessam por política, por isso, acautela sobre generalizações.“O problema dos votos dos mais jovens não é tanto um voto desinformado, ou inconsciente, mas muito falta de disciplinas destes assuntos, para serem abordados de uma forma imparcial, e então os jovens acabam por decidir não votar”.

Nesse sentido, “esta abstenção dos jovens tem que ser pensada por todos e pensarmos o que podemos fazer para diminuir este problema”.

Depois, ele não concorda nada com a ideia de que os jovens seguem muito os espaços familiares e os partidos. “Os jovens cada vez mais procuram informar-se por eles, pela internet, e essa ideia de os jovens só votarem o que os tios, os pais, os avós, o que for [sugerem], é uma ideia desatualizada.”

Manuel Ruiz acredita que, “no futuro, a participação cívica” será “através, talvez de uma democracia mais direta, em que os cidadãos são diretamente informados e são eles não que escolhem alguém para representar”, mas são eles que “efetivamente tomam as decisões”. Ou seja: “uma participação cívica que possa ter como consequência políticas efetivas. Não ficar só na participação cívica para dizer que se ouve os cidadãos, mas também com a voz dos cidadãos realmente a fazer-se tomar decisões”.

Este artigo faz parte de uma série sobre eleições, cultura democrática e participação dos jovens na política. A iniciativa é uma parceria entre o Observador e Ben & Jerry’s.