Os partidos levaram várias queixas a Marcelo Rebelo de Sousa sobre a forma como o Governo está a agir em maioria absoluta e a gerir o processo do Orçamento do Estado. Apesar das garantias do Governo PS de que teria uma maioria absoluta dialogante, os partidos lamentaram em audiência com o Presidente a falta de disponibilidade do Executivo de Costa para negociar.

Marcelo desabafa com os partidos: está alarmado com Costa, queria aparecer mais e já fala nos sucessores

O Chega recordou as semelhanças da atuação do Governo com a maiora de José Sócrates, a última dos socialistas antes da atual. O PSD acusou Governo de contrariar discurso da campanha eleitoral e o discurso base socialista contra a austeridade. Os antigos parceiros de geringonça, PCP e BE, alertaram para a degradação das condições de vida dos portugueses. Já PAN e Livre pediram claramente reuniões setoriais e querem ganhos de causa no articulado final. Por fim, o PS sai de Belém a garantir mais diálogo no próximo Orçamento do Estado.

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À saída da reunião com o Presidente da República, o líder da oposição lembrou o discurso do então candidato a primeiro-ministro António Costa nas recentes eleições legislativas. “Uma das divergências de fundo com o PSD estava nos salários. Há muito pouco tempo António Costa disse que com ele a governar, se ganhasse as eleições, não só subia o salário mínimo nacional para 900 euros até 2026 como disse que subia claramente claramente o médio em Portugal”, apontou Rio, frisando que já no cargo está a quebrar a promessa: “Promessa era aumentar, nem sequer era manter.”

“O maior problema deste Orçamento do Estado é justamente a falha clara à promessa que o PS fez no início deste ano”, considerou Rui Rio. “Ao mesmo tempo quebra o discurso do PS de que o PS é totalmente contra a austeridade; que o PS a governar a autoridade fica na gaveta. O que é que é isto se os portugueses vão ter uma quebra no poder de compra de pelo menos 3%, 4% considerando que a inflação fica neste patamar e o Governo dá um aumento de 0,9%?”, questionou Rio, desafiando o PS a “explicar o que é então a austeridade”.

“Este Orçamento do Estado marca uma quebra das promessas feitas relativamente aos salários e uma quebra relativamente à austeridade no discurso base do PS”, rematou ainda o líder do PSD.

IL: “Não se pode ter o poder sem ter a responsabilidade”

Na direita, a Iniciativa Liberal fala em três preocupações: estagnação económica, degradação dos serviços públicos e o “crescimento notável da opacidade da coisa pública”.

“Há exemplos vários de recusas do PS em ouvir responsáveis políticos”, critica a IL, lembrando o caso do ISCTE, e do acolhimento aos refugiados em Setúbal além da ausência de António Costa no Parlamento para responder sobre os Assuntos Europeus.

“No tema dos fundos europeus gostávamos que tivesse sido o primeiro-ministro a estar no Parlamento. Se chama a si os assuntos europeus e tem a responsabilidade deve ter também a responsabilidade pelo escrutínio desses mesmos fundos”, diz, frisando: “Não se pode ter o poder sem ter a responsabilidade”.

“O primeiro-ministro não era obrigado a chamar a si todos estes poderes, desequilibrou a orgânica do Governo, vamos ver se isso não pode ter até outro tipo de consequências na capacidade que o Governo tem, que já não é imensa, de tratar de coisas tão importantes como os Assuntos Europeus que vão ser tão importantes nesta legislatura”.

Chega aponta semelhanças com “governação que se aproxima muito do Governo de maioria de José Sócrates”

Também o Chega foi a Belém lamentar a postura do Governo de maioria absoluta de António Costa. “Ao contrário do que disse António Costa, parece que se está mesmo a transformar numa espécie não de poder absoluto, porque haverá sempre o Presidente da República, mas está a tornar-se indiferença absoluta”, apontou o líder do partido André Ventura.

“A atitude do PS no Parlamento tem sido de total indiferença aos projetos, propostas e ideias da oposição. Acontece à esquerda e à direita e é importante que o Presidente da República esteja informado disso”, notou Ventura, que disse estar preocupado “pelo caminho que esta governação está a seguir e que se começa a aproximar muito, apesar de estar no seu início, do governo  de José Sócrates com maioria absoluta entre 2005 e 2009”.

“Isso é preocupante e é ao arrepio do que António Costa e os seus ministros tinham dito que iam fazer num Governo de maioria absoluta”, disse ainda.

Sobre os chumbos do PS aos pedidos feitos na Assembleia da República, na questão do acolhimento de refugiados em Setúbal e a audição de dirigentes dos serviços secretos — pedida pelo Chega –, André Ventura diz que o modus operandi do Governo é simples: “Vetar, vetar, vetar — porque tem maioria absoluta.”

No que diz respeito ao tema concreto do Orçamento do Estado, que motivou a ronda de audiências em Belém, Ventura afirma que o Chega já apresentou “centenas de propostas de alteração”, e frisa que “partidos como o PCP e o PSD também estão a trabalhar a um nível bastante elevado”, mas diz ter “praticamente a certeza que serão todas ou quase todas vetadas pela maioria absoluta do PS.”

“O Governo não quer saber do aumento de preços, da guerra, está aqui para vetar todas as iniciativas da oposição. Há duas semanas, o primeiro-ministro disse que ia apresentar um pacote ideal de medidas para combater aumento dos combustíveis, de descida do ISP. Hoje voltámos a ter um aumento em todas as bombas de gasolina do país. O Governo continua sem olhar para a proposta de alteração do Chega que propunha um desconto direto nas bombas de combustível. Isto é indiferença absoluta”, criticou o deputado.

Bloco de Esquerda diz que estratégia para responder à inflação “é errada”

Na reunião com o ex-parceiro de geringonça do Governo, Marcelo Rebelo de Sousa ouviu preocupações dos bloquistas com o cenário inflacionista que o país vive e as propostas do Governo nessa matéria.

“Partilhámos com o Presidente da República a nossa preocupação sobre a estratégia do Governo para responder ao ciclo de inflação que estamos a viver. Do nosso ponto de vista, a estratégia do Governo é errada”, disse Catarina Martins no final da reunião com Marcelo Rebelo de Sousa, acusando o Executivo de Costa de “desvalorizar a verdadeira dimensão do problema” quando diz que se trata de uma questão “transitória”.

“Nenhum de nós sabe quanto tempo é que vai durar, e já está a durar há vários meses. Lembro que começou no segundo trimestre de 2021, portanto, vai fazer um ano que estamos neste ciclo de inflação. Não temos, do ponto de vista internacional, boas notícias que nos digam que vai terminar em breve”, fez questão de frisar Catarina Martins, que diz que o Governo “ao permitir uma queda real de salários e pensões, que pode ser profunda, está a prejudicar a sociedade como um todo”.

PCP insiste no aumento de salários e pensões e lembra que rede de creches gratuitas caiu

Ainda na esquerda, o PCP diz que a “maioria absoluta do PS não leva o PCP ao desalento” e frisa que o Orçamento “deixa cair questões que estavam consensualizadas” como a “rede de creches públicas”.

Sobre a realidade nacional, o PCP diz-se preocupado “em relação a uma vida difícil” que os portugueses enfrentam “com o aumento dos preços, dos combustíveis à alimentação”. “Uma situação em que cada vez mais se justifica como medida de fundo a valorização e aumento dos salários e pensões para dar resposta à vida cara perante as dificuldades de quem trabalha ou trabalhou”, argumentam os comunistas, alertando para o que o OE de maioria absoluta do PS traz: “Uma proposta de OE mais mitigada que vai significar que os portugueses estão seriamente ameaçados de viver pior tendo em conta a evolução da economia e, particularmente, estes aumentos abissais que vão existir.”

Livre tem “jogada tripla” na manga e quer aprofundar temas com Governo

O Livre foi o primeiro partido a ser recebido e lamentou ao Presidente da República a falta de “disponibilidade” do Governo para reunir com os partidos sobre a Lei do Orçamento. Depois da abstenção na generalidade, o partido representado por Rui Tavares diz agora que “joga a tripla” e faz depender o voto final do grau de acolhimento das propostas de alteração que irá entregar até dia 13.

Com o programa 3C como principal bandeira, o Livre quer atenção à “Casa, Conforto e Clima” para combater a pobreza energética e o desconforto térmico no país. Relativamente à semana de quatro dias de trabalho, Rui Tavares frisa que também não teve “qualquer avanço”. A terceira proposta que fecha a tripla do partido da papoila é o alargamento dos critérios para aceder ao subsídio de desemprego.

O Livre quer alargar o subsídio de desemprego para casos em que um dos membros do casal receba uma proposta no interior do país, podendo o outro usufruir temporariamente do subsídio de desemprego para “poder acompanhar a família”, mas também ainda não conseguiu qualquer feedback do Governo nesta matéria.

“Uma abstenção na generalidade não garante nada, se não houver desenvolvimentos temos que jogar a tripla. É preciso disponibilidade para negociar e avanços técnicos nas propostas que fizemos. O Livre vai, até dia 13, apresentar algumas dezenas de propostas. Já apresentou 15. É preciso perceber quais passam. Se passassem todas, é possível jogar a favor, se não passar nenhuma será contra, metade? Talvez abstenção”, disse o deputado no final da audiência com Marcelo Rebelo de Sousa.

PAN vai pedir reuniões setoriais com Governo no âmbito do OE2022

Pelo PAN, a deputada única Inês Sousa Real também falou na necessidade de inscrição de verbas no Orçamento para o reforço térmico das habitações e dos transportes públicos e diz que “este é o primeiro teste, a primeira prova de fogo para o tipo de governo que a maioria absoluta do PS quer ser.”

“Se de facto vai ser uma maioria dialogante na prática, como diz, ou se vai ficar apenas pelas palavras”, apontou a deputada o Pessoas-Animais-Natureza depois da reunião com Marcelo Rebelo de Sousa. Para forçar a barra, depois da única reunião pró-forma do direito de oposição, Sousa Real diz que o partido vai pedir reuniões setoriais com o Governo de Costa: “Esperamos que sejam acolhidas por parte do Governo.”

“Esta semana vamos dar entrada das últimas propostas para a especialidade no Orçamento do Estado. Já temos as nossas prioridades definidas, vamos pedir reuniões setoriais quer em matéria climática, quer em matéria de igualdade – são matérias absolutamente fundamentais –, e esperamos que o Governo esta disponível”, defendeu a deputada.

Presidente socialista defende partido: PS está determinado em “intensificar o diálogo com todas as forças políticas”

A fechar a ronda de audiências esteve o Partido Socialista, com o presidente do partido Carlos César a falar aos jornalistas à saída para defender o Executivo do rol de ataques de que foi alvo. Depois de um dia de críticas dos partidos à falta de abertura ao diálogo, Carlos César garante que ainda esta semana ocorrerão reuniões com o PAN e o Livre “e todos os que demonstrem esse interesse” e uma postura diferente a partir do próximo Orçamento do Estado.

“Há determinação para que no próximo Orçamento do Estado seja intensificado o diálogo com todas as forças políticas acolhendo também os seus contributos. Este OE para 2022 é um Orçamento num período transitório e ele próprio transitório marcado por medidas de incidência de curto prazo, numa componente e noutra de satisfação dos compromissos eleitorais que expusemos aos portugueses e que nos permitiu obter a legitimidade eleitoral que hoje temos”, afirmou Carlos César.

Bem presente na mente socialista continuam as “contas certas”: “É muito relevante continuar a garantir a imagem de um país de contas certas. Sabemos que terminámos o último ano com uma dívida muito elevada, de 127,4% do PIB. Tencionamos e queremos garantir que a redução desta dívida ocorra este ano, atingindo os 120,4%, queremos que assim se prossiga, com redução do défice e da dívida porque isso é um fator de grande qualificação para o nosso país e de atração do investimento.”