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Olga Roriz foi à procura da luz das origens numa noite de "Insónia"

Este artigo tem mais de 1 ano

Na nova criação da coreógrafa, que se estreia este sábado no Teatro Camões, dança-se um desafio: o de desvendar as nossas origens para desbravar novos caminhos, para a arte e para nós mesmos.

"Insónia", uma peça para sete bailarinos solistas com a colaboração dos alunos finalistas da Escola de Dança do Conservatório Nacional e da FOR Dance Theatre
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"Insónia", uma peça para sete bailarinos solistas com a colaboração dos alunos finalistas da Escola de Dança do Conservatório Nacional e da FOR Dance Theatre

Paulo Pimenta

"Insónia", uma peça para sete bailarinos solistas com a colaboração dos alunos finalistas da Escola de Dança do Conservatório Nacional e da FOR Dance Theatre

Paulo Pimenta

De onde nasce um pensamento? Como é que ele se liga a outro e depois a outro fazendo uma viagem cósmica que vai agarrando livros, músicas, imagens, memórias, traumas, olvidos, como quem agarra estrelas e com elas desenha uma constelação? Um desenho que já lá estava há milhões de anos aguardando que alguém desenhasse sobre ele uma figura visível. É retrocedendo em busca desse pensamento inicial que estará na origem desta obra onde a bailarina, coreógrafa e cenógrafa Olga Roriz mostra o seu fascínio sobre aquele indizível que está sempre subjacente ao aparecimento de um objeto artístico  no mundo. Esse mistério, esse segredo inviolável é a pergunta que ela parece transportar de  de obra para obra: qual a origem disto? Das ideias, dos movimentos, do tempo, dos corpos cruzando efémeros o palco e a vida?

“Insónia”, que se estreia este sábado, 21 de maio, no Teatro Camões, em Lisboa, traz a marca dessa busca constante que atravessa a sua vida e a sua obra. Quem conhece o seu percurso peculiar dentro do universo da Dança, em Portugal, sabe que Olga Roriz nunca se deixou aprisionar pelas modas, pelas tentativas de capturar a dança para dentro de uma linguagem banal que funcionasse como um piscar de olho cúmplice com um público cada cada vez menos disponível para viajar sem destino certo.

As intérpretes Catarina Câmara, Connor Scott, Emanuel Santos, Marta Lobato Faria, Melissa Cosseta, Natalia Lis e Yonel Serrano

Victor Roriz

Da sua consagração absoluta, com a criação da obra “Pedro e Inês” para a a Companhia Nacional de Bailado, até um público a debandar da sala entre insultos, enquanto a criadora despejava sobre os seus seios nus uma caixa de garfos, Olga Roriz não se poupa nem se deixa domesticar. “Eles bem tentam, com aqueles papeis todos a quererem que eu explique as minhas ideias e fique tudo a parecer muito certinho nos dossiers. O que vale é que nenhuma arte cabe num dossier porque quando ela se materializa todos os discursos se diluem. Ainda mais em dança. Mas eles não veem que essa é a grande beleza da arte? O facto de ela não caber em nenhuma gaveta?”, diz ao Observador quando a noite já vai longa no palco do Teatro Camões. Agora os seus dias se dividem-se entre a preparação desta peça (programada originalmente para ter sido estreada em janeiro no CCB e cancelada devido à Covid) e os ensaios da nova peça que está a criar para a CNB, para comemorar o centenário de José Saramago. “Tenho 35 bailarinos para ensaiar em 22 dias,” desabafa. Pelo meio, ainda levará “Insónia” a ser dançada em Portalegre, no dia 28 de maio.

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Do romance-poema A Casa das Belas Adormecidas, do prémio Nobel da Literatura japonês Yasunari Kawabata, às árvores nascidas de um céu surrealista, explorando a ideia de uma primavera invertida e de um tempo reinventado, foi uma “viagem” que faz desta obra “Insónia” uma experiência artística e humana dentro de uma noite sem fim, de onde sobressaem duas ideias fundamentais: o erotismo e a busca da origem. “Já é a terceira peça que faço tomando como ponto de partida o livro do Kawabata, a história daquele homem velho a contemplar jovens prostitutas adormecidas para na verdade reencontrar sempre e só as memórias das sua própria vida, da sua mãe, como se andasse sempre cada vez mais para trás e não procurasse outra coisa que não o seu começo. Mas a verdade é que nunca fiz uma adaptação estrita do livro. Provavelmente nunca farei”, confessa a coreógrafa.

“Os criadores são salvos pela arte e a sua arte salva os outros”, afirma, deixando por instantes a necessidade de pragmatismo para quase se comover. “É preciso estar disponível para escavar, para ir ao encontro do desconhecido. Preciso de ter bailarinos capazes de fazer esse trabalho comigo. Aqui nesta peça tive que fazer castings e contratar mais bailarinos, o que resultou num grupo de desconhecidos. Esse facto, que não estava previsto, acabou por ser fundamental para a criação da peça. Quando temos que criar novas ligações, isso desperta uma espécie de erotismo, que não é sexual, é “mais do foro da imaginação”. “Quando temos que conhecer e criar ligações com pessoas desconhecidas somos impelidos a procurar também auto-conhecimento. Durante vários dias eu e estes sete bailarinos fomos para um palacete abandonado e fizemos um filme em que fomos obrigados a olhar para o nosso passado. Isso faz com que ao de cima venham logo as nossas relações com os nossos pais. O que é que há deles em nós? Qual deles é que marcou o nosso lado masculino e o nosso lado feminino, até que ponto as coisas que mais odiamos neles não as adotamos e transfiguramos?”, conta Olga Roriz

Sonâmbulos em busca de si mesmos

Esta noite insone dura cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos, tempo dançado na mais pura linguagem contemporânea, com apontamentos auto-biográficos dos intérpretes falados nas suas diferentes línguas maternas. Como se deambulassem sonambulares numa cidade distópica (a peça foi criada durante a pandemia), sozinhos, em busca de si mesmos, a enumerarem as dores, os vícios, os desencontros, as lágrimas, os cigarros e o álcool a mais.

A marcar esta noite, onde a alba vai chegando, não em róseos dedos como escreveu Homero, na Odisseia, mas em apontamentos dramáticos e sanguíneos de vermelho, as árvores caindo do teto, desabrochando flores brancas e luminosas como pequenos sois, tanto acentuam a paisagem fantasmagórica, como prenunciam a chegada de um tempo de renascimento. Este desenho cenográfico, de uma enorme beleza e densidade simbólica, é uma criação de Olga Roriz e Ana Vaz.

A Companhia Olga Roriz foi criada em 1995  e é hoje um dos dos projetos de autor mais importantes e consistentes da dança contemporânea portuguesa

Victor Roriz

Essas árvores são a constelação de que falávamos no início, que liga pontos distantes, experiências, caminhos que se abrem, traços de todos os corpos, de todos os movimentos visíveis e invisíveis dos bailarinos. “Quem somos nós para lá das identidades a que nos querem fixar? O espaço que vai entre o que somos e o que pensamos ser é demasiado grande e doloroso de ultrapassar. Convoca medos, cria distâncias, impossibilidades, fecha caminhos.”

Mas será que a origem existe? O filosofo alemão F. Niestzsche questionou muito, senão totalmente, a ideia de “Origem”, da existência de um ponto concreto, onde tudo principia e optou porque concluir que não há origem, mas “Emergência”. O mundo vai emergindo nos interstícios das coisas, das lutas, e nos com ele, conforme a circunstâncias,  há sempre quem queira dominar e há sempre quem não obedeça.Nenhum destes interpretes aceita pacificamente a sua origem.

Quando finalmente adormecerem estes insones vão provavelmente acordar, de novo num corpo e num tempo sobre o qual nunca terão certeza nenhuma sobre o que são, o  que foram, o que já viveram, no que se vão tornar. Eles e nós, os insones à espera que no céu noturno nasçam árvores em flor  precisamos tanto e ver espetáculos como Insónia que jamais darão respostas e não desistem de fazer perguntas.

A Companhia Olga Roriz estreia “Insónia” em Lisboa, no Teatro Camões, dias 21 e 22 de Maio, às 21h00 e 16h00. ‘Insónia’, conta com sete bailarinos de cinco nacionalidades: portuguesa, italiana, inglesa, polaca e cubana, resultado de uma audição internacional. Apenas nos  espetáculos em Lisboa,  a peça conta tem ainda a participação de 25 alunos finalistas da Escola de Dança do Conservatório Nacional e da FOR Dance Theatre

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