A junta de freguesia de Agualva – Mira Sintra vai condecorar Teodósio Maria Alcobia, um ex-autarca local que foi condenado a quinze anos e meio de prisão efetiva pelo crime de organização terrorista no âmbito do processo FP-25 de Abril. A atribuição da “medalha de bons serviços e dedicação” partiu do executivo PS, foi acompanhada pelo PCP e Bloco de Esquerda (partido pelo qual o ex-autarca foi candidato à junta) e motivou críticas à direita. Chega e CDS não conseguiram travar a proposta e a ausência do PSD contribuiu para uma aprovação ainda mais clara do executivo, já que os sociais democratas podiam empatar a votação.

É preciso recuar a 19 de maio para perceber os trâmites do caso. Nessa data, na ordem de trabalhos da reunião do executivo da junta constava a atribuição de medalhas a várias personalidades — uma iniciativa que pretendia distribuir distinções honoríficas na cerimónia das comemorações do 17.º aniversário da elevação de Agualva-Cacém à categoria de cidade, a 12 de julho. Entre as distinções, o grau de ouro à socialista Edite Estrela e o grau de prata a Teodósio Maria Alcobia, que foi autarca entre 2013 e 2021, eleito pelo Bloco de Esquerda.

Nesse encontro estiveram presentes um representante de cada partido com assento na assembleia de freguesia de Agualva–Mira Sintra, à exceção do PSD. A líder da bancada social-democrata explicou ao Observador que seria o vogal do partido a marcar presença e que, devido a um “imprevisto” profissional, não conseguiu ir à reunião, nem avisar nenhum dos outros colegas de bancada.

Perante a falta de um representante dos autarcas sociais-democratas, a decisão ficou nas mãos de PS, Chega, PCP, BE e CDS, sendo que os partidos à direita votaram contra a atribuição da medalha, o que não foi suficiente para impedir a intenção dos socialistas, suportada por bloquistas e comunistas.

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Três contra dois e um ausente. O PSD no máximo conseguiria um 3-3, mas aí valeria o voto júpiter do presidente da junta e a proposta passava na mesma. De qualquer forma, a decisão não precisava de ser confirmada após a votação naquela comissão que funciona como uma espécie de conferência de líderes da junta de freguesia e, portanto, estava aprovada a atribuição da medalha, sem ter de passar por mais nenhum crivo.

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Carlos Casimiro, presidente da freguesia de Agualva – Mira Sintra, trabalhou com Teodósio Alcobia nos últimos anos, nomeadamente quando o eleito pelo Bloco de Esquerda, devido ao acordo entre os partidos, fez parte do executivo da junta, com os pelouros do ambiente, feiras e mercados.

Em declarações ao Observador, justifica a atribuição da medalha pelo facto de o ex-autarca ter cumprido as funções na junta de “forma exemplar, independentemente de qualquer problema judicial”. A condecoração serve, realça, para “homenagear um autarca com prestação exemplar” e não para “valorizar o seu estado enquanto cidadão”.

Aliás, o presidente da junta sublinha ainda que, tendo em conta a função de reabilitação que o sistema judiciário deve ter, Teodósio Alcobia deve ser visto como um “exemplo” e o seu processo é “digno de nota”. Ainda assim, ressalva, “a homenagem em nada significa qualquer apoio a uma organização terrorista”.

O Chega, descontente com a deliberação, apresentou uma moção para “anulação da atribuição de medalha de condecoração a Teodósio Maria Alcobia” por considerar que alguém premiado desta forma passa “publicamente a ser uma referência social e patriótica” e que é “inadmissível que se condecore alguém condenado por terrorismo”.

“Em Portugal ou em qualquer outro país, nenhum ato ou exercício de mandato autárquico apaga a História, apaga as mortes provocadas, nenhuma proposta na Junta de Freguesia, limpa das suas mãos o sangue das suas vítimas ou minimiza a dor dos familiares dessas mesmas vítimas”, podia ler-se na proposta apresentada pelos dois representantes do Chega.

No mesmo documento a que o Observador teve acesso, o partido liderado por André Ventura reforçou ainda que nem Teodósio Maria Alcobia, nem a mulher, Helena Carmo, também condenada no mesmo processo, “mostraram sinais de arrependimento de todos os ataques terroristas e de todas as mortes que causaram”.

A moção mereceu os votos a favor do próprio partido, de PSD e CDS e os votos contra das restantes bancadas, PS, BE e PCP — que, neste órgão, são maioritárias. A proposta do Chega foi, portanto, chumbada. O PSD solicitou mesmo que a questão voltasse à comissão em que foi votada, uma intenção que não foi acompanhada pelo executivo da junta nem pelos restantes partidos de esquerda, que preferiram dar o assunto por encerrado — até porque, assim, a medalha será mesmo atribuída no próximo mês.

Ao Observador, Francisca Colaço, líder da bancada do PSD, assegura que o partido “votaria contra” e que “não concorda com a atribuição da medalha”. “O bem que possa ter feito, não apaga o que fez. Pagou o que tinha a pagar porque esteve preso, mas o PSD acha que não devia ser atribuída medalha”, realça a social-democrata.

Sem a possibilidade de a decisão ser revista e tendo em conta que nenhum dos partidos de esquerda o pretende, Teodósio Alcobia será mesmo condecorado com o grau de prata da medalha de mérito.

Antes de ter sido eleito para a junta de freguesia pelo Bloco de Esquerda, onde foi autarca de 2013 a 2021, Teodósio Maria Alcobia foi condenado, em primeira instância, a 15 anos e seis meses pelo crime de organização terrorista. Tal como a mulher, Helena Carmo, cumpriu pena de prisão efetiva e recusou-se a sair com base na amnistia que foi aprovada pela Assembleia da República.

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